domingo, 31 de janeiro de 2016

Cabo Verde. CASA PARA TODOS PROMOVE A “GUETIZAÇÃO” DE QUEM LÁ MORA




Numa viagem ao passado Aureliano Ramos recorda as razões da criação da IFH e o seu percurso ao longo dos anos. Mas o primeiro PCA daquela instituição é frontalmente contra o programa de habitação social.

“A IFH surgiu como um instrumento para tentar suavizar um problema muito grave que era a falta de alojamento”, começa por contextualizar Aureliano Ramos em entrevista ao Expresso das Ilhas.

No período pós-independência começaram a chegar à Praia os representantes do corpo diplomático a que se juntou “a população interna e os agentes da cooperação internacional”. A estes juntava-se ainda toda a estrutura do governo e os funcionários públicos que vinham “ou do exterior ou das ilhas”. Impunha-se, por isso, dar casa “a todo este pessoal”, recorda Aureliano Ramos.

Surge assim a IFH “a reboque do FFH (Fundo de Fomento à Habitação) de Portugal e o seu primeiro objectivo era a gestão do parque habitacional” do Estado, porque como recorda “entretanto o Ministério das Obras Públicas vinha construindo alguns prédios de habitação” e o “parque habitacional, sendo razoável, não estava a ser bem gerido”.

Para além desse âmbito de gestão do parque habitacional do Estado havia igualmente a possibilidade de se criar “uma eventual política nacional de habitação que ainda não existia mas que caberia à IFH vir a definir”. “A IFH teria ainda um fundo de crédito para suportar todos os eventuais programas” que aquela instituição “vinha desenvolvendo”.

Estávamos, na altura, em 1982. De lá para cá foram diversos os edifícios construídos pela IFH um pouco por todo o país, mas com maior incidência na capital.

Depois de tomar conta da gestão do parque habitacional do Estado, “estabelecemos algumas políticas, quisemos animar os programas associativos”, recorda Aureliano Ramos. É então que a IFH começa “a negociar algumas bolsas de terreno aqui na Praia e lançamos o programa 210 fogos que é todo o quarteirão chamado ‘Comunidades’ aqui na Achada de Santo António”.

Letargia

Depois de um primeiro impulso de construção a IFH entra num período de letargia que Aureliano Ramos explica com o facto de a instituição ter perdido “a noção dos estudos de bases para uma política de habitação nacional” e começou a gerir apenas “de forma burocrática” as casas do Estado. Só mais tarde é que a instituição volta a “lançar algumas operações” de construção imobiliária “o que, nessa altura, serviu para responder às necessidades”. “Mas de uma forma sem visão”, critica.

Casa para Todos

Segundo o actual PCA da IFH, Paulo Soares, a instituição construiu mais casas durante os últimos cinco anos do que nos 28 anos anteriores de existência da instituição (ver entrevista). Aureliano Ramos concorda mas não deixa de advertir que se deve “separar o Programa Casa para Todos que para mim é um programa um tanto exótico”.

“A IFH construiu cerca de 2000 fogos porque não dispunha de capacidade técnica nem do financiamento, porque o problema sempre esteve aí, no financiamento”, aponta Aureliano Ramos que entende que a IFH já não é fiel ao seu objectivo inicial: “É apenas uma agência imobiliária, perdeu aquela visão social”, critica. E recorda que a ideia inicial era lançar “programas de auto-construção assistida no meio rural, programa de habitação por via das cooperativas e associações” que ajudariam a resolver os problemas de défice habitacional que ainda hoje existe em Cabo Verde.

Para Aureliano Ramos, hoje, falar da IFH não é mais do que “falar do Casa para Todos que não deixa de ter o seu mérito” principalmente no que respeita “à parte quantitativa dos fogos, mas para mim, qualitativamente não resolve porque não corresponde, no meu entender, aos problemas que se colocam ao sector da habitação” em Cabo Verde.

E reforça as suas críticas: “o programa é um modelo importado, um prêt-a-porter, mas com um modelo desadequado porque se baseia em quantidades.” Para este arquitecto o Casa para Todos usa “modelos que falharam na União Soviética, nos anos 70 em França e Portugal, porque são fogos para albergar um tipo de população carenciada cujo modo de vida não se adapta a este modelo habitação”. “Receio que venha a haver o fenómeno de ‘guetização’. Vamos esperar para ver”, conclui.

Governo contorna a lei

O Governo terá contornado a lei, usando uma portaria, para nomear a Comissão Instaladora da Agência de Turismo.

De recordar que o Artigo 23 do Decreto-Lei nº59/2014 que estabelece o Estatuto do Pessoal Dirigente aponta que “não pode haver nomeação de membros do Conselho de Administração depois da demissão do Governo ou da marcação de eleições para a Assembleia Nacional ou antes da aprovação da moção de confiança apresentado pelo Governo recém-nomeado.

Ora o Presidente da República anunciou no passado dia 10 de Dezembro a marcação das eleições legislativas para 20 de Março e o decreto presidencial foi publicado no Boletim Oficial no dia 17, ou seja, esta norma está em vigor desde o dia 18 de Dezembro do ano passado.

A Comissão instaladora toma hoje posse e é constituída por Júlio Morais, que será o presidente, Elisabeth Gonçalves que ficará com o cargo de membro do Centro Regional de Turismo e Investimentos do Sul, Debora Abu-Raya com o cargo de membro regional, colocada no Centro Regional de Turismo e Investimentos do Centro, Gil Costa com o cargo de membro regional, colocado no Centro Regional de Turismo e Investimentos do Norte e José Correia que vai exercer o cargo de membro responsável pelos serviços partilhados e Gabinete de Políticas Estratégicas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 739 de 27 de Janeiro de 2015.

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