Luísa
Rogério – Rede Angola, opinião
Se
o curso dos acontecimentos dependesse exclusivamente das vontades humanas, 2015
seria um ano para apagar. Como existem outros elementos determinantes para se
escrever a história, o ano em que Angola comemorou o quadragésimo aniversário
da independência nacional vai ficar para sempre associado a alguns do piores
momentos do pós-guerra. Foi, na melhor das hipóteses, um período de revelações.
Ficou registado como o ano dos jovens “revús” que, munidos de um único livro, o
também designado manual de subversão de Gene Sharp, estremeceram as estruturas
do poder. Simultaneamente, as redes sociais impuseram-se como um autêntico
poder paralelo. Os kwanzas galoparam ao contrário na senda da desvalorização e
os dólares desaparecem do circuito oficial. Resumindo o que ninguém ignora,
2015 foi o ano da confirmação da crise económico-social.
Descobrimos
que não passávamos de supostos magnatas envaidecidos com o propalado
crescimento económico na ordem dos dois dígitos. Os rendimentos eram reais, mas
resultavam somente da condição de produtor do chamado ouro negro. A redução dos
preços do petróleo no mercado internacional colocou-os no nosso verdadeiro
lugar. Somos falsos ricos. Meros reféns do petróleo. Por explorar ficou a
inesgotável fonte chamada recursos humanos que os outros ostentam
orgulhosamente e demais riquezas potenciais. Hoje, os pés de barro mal suportam
o peso da sua estrutura de gigante. Coincidentemente, ou talvez não, a capital
do país transfigurou-se. Passou de bela a feia adormecida. Está literalmente amarfanhada.
É o espelho da crise. Há lixo empilhado em quase todas ruas e esquinas. As
crateras no asfalto competem com paisagens de filme de ficção. E os charcos
resultantes das chuvas complementam o quadro do desgaste.
Nos
derradeiros momentos do ano findo muita gente manifestou vontade de acelerar os
ponteiros do relógio para rapidamente reerguer-se com o novo ano. A renovação
de votos, tradicional nesta época, acentuava a esperança de um ano melhor. Mas
a ilusão de que a mudança de calendário traria tudo de bom esfumou-se com o
pôr-do-sol. Os noticiários nocturnos anunciaram o aumento do preço do
combustível numa percentagem jamais registada. Praticamente foi ditado o fim da
subvenção do Estado. Doravante cada um vai pagar o valor integral daquilo que consumir.
No
contexto actual seria aprazível avaliar até que ponto as medidas restritivas
não se limitam às camadas “menos privilegiadas” da população. Mesmo sem laivos
de populismo com sabor a extrema-esquerda importava saber quantos cartões
corporativos para o abastecimento gratuito de combustível os organismos de
Estados disponibilizaram aos seus funcionários seniores. Compreende-se que um
titular de cargos públicos não deva contar tostões para abastecer a viatura
oficial. Mas a outra hipótese devia ser descartável em tempos de crise
económica. De igual modo, longe de se almejar que altos funcionários do Estado
viagem em classe económica, como fazia o revolucionário Yanis Varoufakis,
ex-ministro grego das finanças, soa a excesso famílias de “entidades grandes”
viajarem em primeira classe com dinheiros públicos. A menos que ostentem os
luxos com verbas subtraídas dos próprios orçamentos.
Ainda
sobre o aumento dos preços do combustível, circula nos bastidores que o
Executivo atendeu aos desígnios do Fundo Monetário Internacional. Por outro
lado, o previsível ajuste do OGE face às recentes baixas do preço do petróleo
poderá implicar novos cortes. Em linguagem clara, vem aí a diminuição de postos
de trabalho e mais cortes. E porque não se toca em direitos adquiridos, apesar
de muitos especialistas acreditarem que a nova Lei Geral do Trabalho é mais
favorável ao patronato, augura-se um ano difícil para os sindicatos e
movimentos trabalhistas.
Estrategicamente
a anunciante das más notícias decidiu dar a conhecer ao público a alteração dos
preços do combustível na altura em que os cidadãos viviam a euforia típica da
passagem de ano. Não deixa de ser uma prenda envenenada de Boas Festas.
Contudo, terá sido planeada ao detalhe no sentido de conter reacções
indesejáveis. A factura vem a seguir. O assunto certamente vai desencadear
distintos acontecimentos. Oxalá os milagres façam parte do pacote.
Impossível
rever 2015 sem evocar os acontecimentos do Monte Sume. Até hoje são
desconhecidas as proporções da tragédia e o número real de vítimas. Kalupeteka,
o pastor que apregoou o fim do mundo para Dezembro, saiu da montanha para a
cadeia. Para bem da humanidade, a profecia não se concretizou. Continuamos
aqui. Vivos, com a graça divina. Apreensivos por obra e graça do ser humano. O
futuro continua a Deus pertencer, mas nunca foi tão incerto para crentes e
ateus. A única garantia que este início de ano trouxe é que se avizinham tempos
conturbados. Ah pois, se as vontades humanas determinassem o curso dos
acontecimentos, desejaria entrar na cápsula do tempo para despertar em 2017.
Desgraçadamente falta a fórmula para apertar os cintos e alcançar o próximo
ano, pulando os meses que temos pela frente. Preparemo-nos!
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