Foi
esta a pergunta que a DW África fez ao sociólogo guineense Leonardo Cardoso. O
historiador acredita que há pessoas e capacidade para governar o país. O
problema são os que querem servir-se do Estado para enriquecer.
A
crise política na Guiné-Bissau continua a arrastar-se. O Programa do Governo de
Carlos Correia volta
a ser apreciado pelos deputados a 18 de janeiro. Quinze deputados do
Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC, no poder)
já anunciaram que vão
votar contra "se não houver diálogo sério" com a direção do
partido.
Se
o Programa do Governo for novamente rejeitado, o Executivo cai. O impasse na
Assembleia Nacional Popular (ANP) tem gerado muita inquietação e um clima de
instabilidade, com troca de acusações e ameaças entre os atores políticos.
A
DW África perguntou ao sociólogo e mestre em Ciências Sociais Leonardo Cardoso
qual poderá ser a solução para a instabilidade que impera na política
guineense.
O
historiador guineense rejeita a hipótese de uma administração internacional sob
a liderança das Nações Unidas para o país, como defendem vários analistas que
consideram que a Guiné-Bissau é "praticamente ingovernável".
DW
África: Será que os partidos já não têm nenhuma força aglutinadora? Isto visto
que, mesmo com maioria absoluta no Parlamento, o PAIGC não consegue governar...
Leonardo
Cardoso (LC): Não creio que o PAIGC esteja em condições de aglutinar as
forças na Assembleia Nacional Popular, porque apesar da maioria que detém no
Parlamento, anda de costas viradas com uma parte dos deputados (15). E pela
forma como as coisas têm sido conduzidas, com cada um, por seu lado, a proferir
declarações em conferências, não creio que haja condições para uma
reconciliação imediata para se poder constituir como única força no Parlamento.
DW
África: Acha que este grupo de 15 deputados do PAIGC vai voltar a impedir a
aprovação do Programa do Governo, mesmo com a ameaça de sanções à luz dos
estatutos do partido?
LC: Eu
creio que sim porque parto do pressuposto de que são pessoas adultas e
responsáveis. Qualquer decisão do partido por causa dos estatutos baseia-se na
Constituição enquanto lei magna. E a Constituição confere a cada um dos
deputados o direito de decidir de acordo com a sua consciência. Para além do
mais, tanto quanto é do meu conhecimento, há algumas movimentações internas no
sentido de se provocar a realização de um congresso extraordinário. Cada um
está a jogar a sua cartada.
DW
África: Por outro lado, fala-se também numa alegada "compra de votos"
dos deputados por figuras políticas influentes. Como avalia esta situação? Que
consequências podem ter estas práticas?
LC: Não
creio que seja algo real, que as pessoas possam comprovar. Há uma acusação
mútua. Há quem afirme que a direção do partido, na pessoa do seu presidente,
ande a fazer também os seus jogos políticos, ande a oferecer carros. E, por
outro lado, a direção do partido diz que, do outro lado, há também compra de
consciências. Não sei quem, de facto, anda a fazer jogo sujo. Isto é
lamentável, nem que seja prática ultimamente.
DW
África: Acha que esta crise do sistema democrático na Guiné-Bissau poderá vir a
servir de desculpa para uma maior influência política dos militares?
LC: Não
vejo os militares metidos nisto. Há sim quem se queira aproveita da situação
evocando o nome dos militares. Estou convencido que a instituição militar –
porque eu faço sempre uma distinção entre militares e a instituição militar –
em nenhuma circunstância estaria envolvida em jogos políticos. Pelos
comportamentos militares que tenho estado a seguir, até diria que a instituição
militar é a instituição que mais se tem adaptado às mudanças democráticas no
país.
DW
África: Há também quem considere que a Guiné-Bissau é praticamente
ingovernável. Vários analistas defendem uma administração internacional sob a
liderança da ONU para o país. Acha que seria uma solução viável?
LC: Penso
que não. Já ouvi muitas análises. Neste mundo, toda a gente se tornou analista
político, mesmo não conhecendo bem a essência das coisas, das causas. O que
existe efetivamente na Guiné é que as pessoas não querem tomar juízo. E há
pessoas que querem servir-se do aparelho do Estado para enriquecimento ilícito.
Mas não creio que não existam pessoas e capacidades internas para governar o
país. Elas existem.
DW
África: Na sua opinião, qual seria a solução para o problema político da
Guiné-Bissau?
LC: Não
sei se estou em condições de me pronunciar sobre a solução, mas proporia talvez
que houvesse estudos mais sérios sobre a realidade da Guiné-Bissau porque há
bons exemplos de alternância da democracia, que existem no seio dos diferentes
grupos étnicos. Nós tentamos introduzir alguns métodos de governação, de
democracia, sem que as próprias populações estivessem preparadas. Foi tudo
feito à pressa, na tentativa de importar ou fazer face às pressões
internacionais. Mas se tivermos tempo e nos dermos ao luxo de estudarmos as
estruturas sociais, os modelos de alternância política que existiam e que ainda
existem na Guiné-Bissau, de certeza estaremos em condições de escolher o modelo
que mais poderá servir para a Guiné-Bissau e, então, iremos entender-nos.
Na
foto: As ruínas do antigo Palácio Presidencial, em Bissau
Maria
João Pinto – Deutsche Welle
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