terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Portugal. CARTA A UM(A) CANDIDATO(A)


Mariana Mortágua – Jornal de Notícias, opinião

Caro candidato/a à Presidência da República, estou quase certa que fará melhor papel que Cavaco Silva. Não necessariamente por acreditar, à partida, no seu mérito, mas sobretudo porque é difícil fazer pior. No entanto essa certeza não me satisfaz nem acalma. É pedir poucochinho para um país que andou tantos anos ao sabor das vontades autoritárias do cavaquismo. Uma anedota, se pensarmos que o ainda presidente se esforçou tanto para nos convencer que nem político era, quanto mais assumir responsabilidades pelos disparates que fez no passado.

Exatamente por recusar a hipocrisia populista de Cavaco Silva desconfio dos candidatos que recusam escolher lados, assumir-se políticos, dizer claramente o que defendem e ao que vêm. Quem diz defender tudo e todos é porque não está disposto a assumir que, às vezes, para defender o povo, é preciso mesmo enfrentar os poderes instalados, os interesses financeiros, os tecnocratas de Bruxelas.

Por isto mesmo, caro/a Candidato/a, devo dizer que não tenho qualquer interesse em saber o que comeu ao almoço, o que comprou ontem na farmácia, e agradeço ser poupada aos pormenores do seu dia a dia. Fico satisfeita se encontrar, em si, a simpatia que lhe permita chegar ao povo, mas pouco me interessam as características do seu rasgado sorriso se ele for usado para nos dar más notícias ou, pior, para ficar calado nas alturas difíceis.

O que interessaria saber, por exemplo, é se está disposto a travar orçamentos com medidas inconstitucionais, mesmo se for a mando da troika. Se considera que uma injeção de 3000 milhões de dinheiros públicos no Banif - para ser depois entregue ao Santander - coloca, ou não, em risco o interesse do país, e que deve ser travada. Queria perguntar se entende que os cortes na saúde, na educação e na Segurança Social são, ou não, uma ameaça ao Estado social, consagrado na Constituição. Se entende, já agora, que as pressões europeias são uma ameaça ao modelo que o país escolheu para si mesmo quando aprovou a Lei Fundamental. Por último, seria importante que nos pudesse esclarecer sobre as suas posições quanto aos principais temas de política externa, uma vez que será o nosso principal representante no exterior. O que pensa do regime angolano e da prisão de Luaty Beirão? O que tem a dizer sobre a Palestina? Sobre os refugiados, o terrorismo e a emigração?

Não é segredo para ninguém que, nesta campanha, apoio a candidata que, na minha opinião, melhor responde a todas estas questões: a Marisa Matias. O que me preocupa não é quem dela divirja, mas quem tenta chegar a Belém sem nunca responder a qualquer uma destas perguntas porque sabe que, no momento que o fizer, cairá por terra a tal hipocrisia populista que Cavaco Silva tão bem soube usar.

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