Desde
2008, nenhuma das políticas “contra a crise” ousou questionar papel dos bancos
e aristocracia financeira. Reforçados, eles ameaçam provocar novos desastres.
Há alternativas
Joseph
E. Stiglitz - Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: M.C. Escher
Sete
anos depois de irromper a crise financeira global, em 2008, a economia mundial
continuou a tropeçar, em 2015. Conforme o relatório da ONU Situação e Perspectivas da Economia Mundial 2016 , a
taxa média de crescimento nas economias desenvolvidas teve queda de mais de 54%
desde a crise. Cerca de 44 milhões de pessoas estão desempregadas em países desenvolvidos,
algo como 12 milhões a mais do que em 2007, enquanto a inflação alcançou seu
nível mais baixo desde o início da crise.
Mais
preocupante, as taxas de crescimento dos países avançados também tornaram-se
mais voláteis. Isso é surpreendente, porque, como economias desenvolvidas, com
contas de capital totalmente abertas, elas deveriam ter-se beneficiado do livre
fluxo de capital e participação internacional nos riscos – e portanto,
experimentado pequena volatilidade macroeconômica. Além disso, os investimentos
sociais, incluindo os auxílios aos desempregados, deveriam ter permitido
às famílias estabilizar seu consumo.
Mas
as políticas dominantes durante o período pós-crise – redução de impostos e
flexibilização quantitativa (quantitative easing, ou QE, na sigla em
inglês) [1] pelos principais bancos centrais – ofereceu pouco apoio para
estimular o consumo das famílias, os investimentos, e o crescimento. Ao
contrário, estas medidas tenderam a tornar as coisas piores.
Nos
Estados Unidos, a flexibilização quantitativa não estimulou o consumo e o
investimento, em parte porque o volume maior de liquidez adicional retornava
aos cofres dos bancos centrais em forma de excesso de reservas. A Lei de
Desregulamentação dos Serviços Financeiros de 2006, que autorizou o Federal
Reserve (banco central norte-americano) a pagar juros sobre as reservas
necessárias e em excesso, prejudicou, assim, o principal objetivo do QE.
Em
2008, com o setor financeiro dos EUA à beira do colapso, a Lei de
Estabilização Econômica Emergencial ampliou, para três anos, o prazo para que o
Tesouro pagasse juros sobre suas reservas. Como resultado, o excesso de
reservas controladas pelo Fed disparou, de uma média de 200 bilhões de dólares
no período de 2000 a 2008 para 1,6 trilhões durante 2009-2015. As instituições
financeiras preferiram manter seu dinheiro com o banco central (Federal
Reserve, ou Fed, nos EUA), ao invés de emprestá-lo para a economia real.
Lucraram perto de 30 bilhões de dólares – completamente livres de riscos –
durante os últimos cinco anos.
Equivale a
um subsídio generoso – e bem escondido – do Fed ao setor financeiro. Em
consequência da alta da taxa de juros norte-americanos, no mês passado, o
subsídio irá aumentar cerca de 13 bilhões de dólares, este ano.
Incentivos
perversos são apenas uma das razões por que os esperados benefícios de baixas
taxas de juros não se materializaram. Dado que o QE conseguiu manter as taxas
de juros próximas de zero por quase sete anos, isso deveria ter encorajado os
governos nos países desenvolvidos a emprestar e investir em infra-estrutura,
educação e área social. O aumento das transferências sociais durante o póscrise
teria impulsionado a demanda agregada e sustentado os padrões de consumo.
Ademais,
o relatório da ONU mostra claramente que, por todo o mundo desenvolvido, o
investimento privado não cresceu como se esperava, diante das taxas de juros
ultra baixas. Em 17 das 20 maiores economias desenvolvidas, o crescimento dos
investimentos permaneceu mais baixo durante o período pós 2008 do que nos anos
anteriores à crise; cinco delas viveram um declínio do investimento durante
2010-2015.
Globalmente,
os títulos da dívida emitidos por corporações não-financeiras – supostamente
para realizar investimentos fixos – aumentou significativamente durante o mesmo
período. Consistente com outras evidências, isso implica que várias corporações
não-financeiras tomaram emprestado, aproveitando-se das taxas de juros baixas.
Mas, ao invés de investir, usaram o dinheiro para comprar de volta suas
próprias ações ou adquirir outros ativos financeiros. Assim, o QE estimulou
aumentos acentuados na alavancagem, capitalização do mercado e lucratividade do
setor financeiro.
Mas,
de novo, nada disso foi de muita ajuda para a economia real. Claramente, manter
as taxas de juros próximo de zero não necessariamente leva a níveis mais altos
de crédito ou investimento. Quando é dada aos bancos liberdade de escolher,
eles escolhem lucro sem risco ou até mesmo especulação financeira, em vez de
empréstimos que dariam suporte ao objetivo mais amplo de crescimento da
economia.
Por
contraste, quando o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional emprestam
dinheiro barato aos países em desenvolvimento, impõem condições sobre o que
pode ser feito com os recursos. Para alcançar o efeito desejado, o QE teria de
ter sido acompanhado não apenas de esforços oficiais para restaurar canais de
empréstimo prejudicados (especialmente aqueles dirigidos a empreendimentos
pequenos e médios), mas também por metas específicas de empréstimos para os
bancos. Ao invés de incentivar de forma eficaz os bancos a não emprestar, o Fed
deveria estar penalizando os bancos por manter reservas em excesso.
Se
as taxas de juros ultra baixas ofereceram poucos benefícios para os países
desenvolvidos, eles impuseram custos significativos às economias emergentes e
em desenvolvimento. Uma consequência acidental, mas não inesperada, da
flexibilização da política monetária tem sido o forte aumento nos fluxos de
capital transfronteiriços. O fluxo total de capital para países em
desenvolvimento aumentou de cerca de 20 bilhões de dólares em 2008 para 600
bilhões em 2010.
Diversos
países emergentes tiveram dificuldades para gerir a repentina explosão de fluxo
de capital. Parte muito pequena dele foi para investimentos fixos. Na verdade,
o crescimento dos investimentos nos países em desenvolvimento desacelerou
significativamente durante o período pós crise. Neste ano, espera-se que o
conjunto dos países em desenvolvimento registrem seu primeiro ano de fuga de
capital líquido – um total de 615 bilhões de dólares – desde 2006.
Nem
a política monetária, nem o setor financeiro estão fazendo o que devem. Parece
que a enchente de liquidez foi destinada, desproporcionalmente, à criação de
riqueza financeira e a inflar bolhas de ativos, em vez de fortalecer a economia
real. Apesar das fortes quedas nos preços das ações em todo o mundo, permanece
alta a capitalização do mercado, em percentual do PIB mundial. O risco de outra
crise financeira não pode ser ignorado.
Outras
políticas, de sentido oposto, poderiam restaurar um crescimento sustentável e
inclusivo. Para começar, é preciso reescrever as regras da economia de mercado
para assegurar maior igualdade, buscar mais planejamento de longo prazo, e
colocar rédeas no mercado financeiro, com regulação efetiva e estruturas
adequadas de incentivo.
Mas
também será necessário um grande aumento do investimento público em
infra-estrutura, educação e tecnologia. Este terá de ser financiado, ao menos
em parte, pela criação de impostos ambientais — inclusive sobre a emissão
de carbono — e de impostos sobre o monopólio e outras rendas não ligadas à
produção — que se disseminaram na economia de mercado e contribuem enormemente
com a desigualdade e o crescimento fraco.
[1]
Trata-se de um processo de injeção maciça de dinheiro nas economias dos EUA e
União Europeia, por iniciativa coordenada de seus governos e bancos centrais.
Estes liquidaram antecipadamente grandes quantidades de recursos públicos — ou
seja, pagaram em dinheiro aos aplicadores –, num esforço para combater a
recessão pós-2008 ampliando o estoque de moeda disponível. No entanto, como
explica Stiglitz a seguir, fizeram-no beneficiando os extratos mais ricos.
Tais grupos, ao invés de movimentar a economia, ampliando o consumo ou
investimento, utilizaram os recursos para novas aplicações financeiras ou
aquisição de empresas já existentes — inclusive no exterior. O quantitative
easing favoreceu, entre outros processos, a ultra-valorização do real
brasileiro, entre 2009 e 2014. [Nota da Tradução]
Inês
Castilho - Jornalista,
integra o corpo editorial de Outras Palavras. Foi editora do jornal Mulherio,
realizadora dos filmes de curta-metragem Mulheres da Boca e Histerias e
cofundadora do Nós Mulheres, primeiro jornal feminista de São Paulo.
Sem comentários:
Enviar um comentário