segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Portugal-Angola. É O CORAÇÃO DO REGIME QUE ESTÁ EM CAUSA



Ver um procurador da República arguido num processo de corrupção é um choque para o país.

Ana Sá Lopes – jornal i, opinião

A justiça é um dos pilares do regime democrático e só existe Estado de direito - que vive da separação de poderes - quando a justiça é incorruptível. Orlando Figueira tinha feito uma estranha mudança de emprego quando passou de procurador arquivador de processos de altas personalidades do regime angolano para alto funcionário de uma entidade angolana. Essa instituição, o BCP, foi mantida pelo procurador durante muito tempo em segredo. Agora, o Ministério Público encontrou provas capazes de o constituir arguido num processo de corrupção. Do outro lado, indiciado por corrupção ativa, está o número dois do Estado angolano, Manuel Vicente.

A questão toca no coração dos dois regimes: o português e o angolano. À justiça o que é da justiça, à política o que é da política mas, politicamente, não vai ser um novelo fácil de desenrolar, tendo em conta as complexas relações entre os dois países e o estatuto de Vicente como braço-direito de José Eduardo dos Santos. É provável que só estejamos a ver a ponta do icebergue.

O Ministério Público teve coragem política ao enfrentar aquilo que parece ser um cancro dentro do seu próprio sistema - que é, afinal, o nosso sistema democrático.

Resta saber como é que todos os “bons portugueses” que consideram que a corrupção só existe em Angola e que, em Portugal, o Ministério Público acusa políticos sem fundamento vão reagir a este caso. É verdade que esse contingente é numeroso, o dos comentadores que saltam de alegria à primeira suspeita de corrupção envolvendo Angola e fecham os olhos se estiver em causa algum português - como, por exemplo, Sócrates.

Este é um bom processo para se entender a teoria dos dois pesos e duas medidas que tem feito o seu caminho perverso na sociedade portuguesa.

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