Ver
um procurador da República arguido num processo de corrupção é um choque para o
país.
Ana
Sá Lopes – jornal i, opinião
A
justiça é um dos pilares do regime democrático e só existe Estado de direito -
que vive da separação de poderes - quando a justiça é incorruptível. Orlando
Figueira tinha feito uma estranha mudança de emprego quando passou de
procurador arquivador de processos de altas personalidades do regime angolano
para alto funcionário de uma entidade angolana. Essa instituição, o BCP, foi
mantida pelo procurador durante muito tempo em segredo. Agora, o Ministério
Público encontrou provas capazes de o constituir arguido num processo de
corrupção. Do outro lado, indiciado por corrupção ativa, está o número dois do
Estado angolano, Manuel Vicente.
A
questão toca no coração dos dois regimes: o português e o angolano. À justiça o
que é da justiça, à política o que é da política mas, politicamente, não vai
ser um novelo fácil de desenrolar, tendo em conta as complexas relações entre
os dois países e o estatuto de Vicente como braço-direito de José Eduardo dos
Santos. É provável que só estejamos a ver a ponta do icebergue.
O
Ministério Público teve coragem política ao enfrentar aquilo que parece ser um
cancro dentro do seu próprio sistema - que é, afinal, o nosso sistema
democrático.
Resta
saber como é que todos os “bons portugueses” que consideram que a corrupção só
existe em Angola e que, em Portugal, o Ministério Público acusa políticos sem
fundamento vão reagir a este caso. É verdade que esse contingente é numeroso, o
dos comentadores que saltam de alegria à primeira suspeita de corrupção
envolvendo Angola e fecham os olhos se estiver em causa algum português - como,
por exemplo, Sócrates.
Este
é um bom processo para se entender a teoria dos dois pesos e duas medidas que
tem feito o seu caminho perverso na sociedade portuguesa.
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