Miguel
Guedes* – Jornal de Notícias, opinião
Tráfego
e tráfico confundem-se. O tráfico passou sónico e a voar na maior autoridade da
aviação. Ficou claro como, neste tráfego, se pagam salários milionários e com
retroactivos só para ver aviões: se não é em géneros ou mercadorias, que seja a
soldos. No domínio dos "contos de crianças" de Passos Coelho, até
conseguimos imaginar que a mesma troika que entrou com cortes a pés juntos
Portugal adentro é a mesmíssima troika que a ex-PàF jura ter imposto
unilateralmente um aumento superior a 150% nos vencimentos dos gestores da
Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), com o presidente a passar a
alfândega com mais de 16 mil euros mensais retroactivos, sem nada a declarar.
No domínio da esquizofrenia, até poderíamos imaginar que os burocratas de
Bruxelas escolheram o mês de Outubro, véspera do fim da ex-PàF, para impor
estes aumentos brutais a três mestres gestores da aviação civil, sem limites à
vergonha. Na ANAC, tráfego e tráfico confundem-se.
Nesta
teoria de ultraje e ligações directas ao ajuste, a troika teria obrigado
Portugal a abrir as mãos com largura para adjuntos, assessores e directores
ligados ao Governo de Passos/Portas enquanto fechava o país na espiral da
dívida. É inaceitável que o presidente da Comissão de Economia, Hélder Amaral
(deputado do CDS-PP), assegure, perante este escândalo, que a maioria de
Direita tentou legislar para evitar os aumentos e que a troika não terá
permitido. Sobretudo quando foi essa mesma maioria que - em Julho de 2013 - na
votação em especialidade, recusou a limitação de vencimentos no âmbito da
Lei-Quadro das Entidades Reguladoras. A mentira não tem só perna curta, devia
ter consequências.
A
maioria das pessoas internadas na instituição psiquiátrica que Milos Forman
eternizou no filme "Voando sobre um ninho de cucos" está encarcerada
por livre e espontânea vontade. Desinvestiu da personalidade, esfacelou a
própria pele e assiste com fragilidade ao embate com a realidade exterior. Não
resiste. É convencida a convencer-se. Para aquela psiquiatria dos anos 70, os
abusos de poder até podiam ser encarados com a dose conveniente de desilusão
mas nunca com uma reacção pelo sentido crítico ou pelo oposto. A vergonha
sempre resistiu à despersonalização mas estamos num colete-de-forças. É
imperioso sair deste filme mesmo quando o legado de Passos e Portas não
facilita saídas mais fáceis do que aquelas que eram sucessivamente negadas aos
novos amigos de McMurphy.
O
autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico
e advogado
Sem comentários:
Enviar um comentário