Como
estadista de elevada craveira, segundo os seus sipaios, José Eduardo dos Santos
vai paulatinamente reforçando aquela que foi a emblemática política colonial
imortalizada no poema Monangambé de António Jacinto: fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares e porrada se refilares.
Orlando
Castro* - Folha 8
E,
pelo sim e pelo não, avisa que o regime não permitirá o direito à indignação
aos que pensam que podem incendiar as ruas, trazer tumultos, rebeliões ou
atentar contra o “querido líder”. Antigamente os angolanos comiam e calavam.
Hoje só calam porque comida… nem vê-la.
Por
deficiência congénita e ancestral, os angolanos são de uma forma geral um povo
sereno e de brandos costumes que, quase sempre, defende a tese de que mais vale
um prato de fuba hoje do que um bife em 2017.
Há,
contudo, alguns sinais de sentido contrário, mas ainda são ténues e compráveis
com um qualquer prato de fuba, farelo ou peixe… mesmo que podre. E é pena. No
entanto, a força que se usa no dedo do gatilho costuma ser a última a finar-se…
Mas,
quem sabe?, talvez um dia acordemos com a barriga de tal modo vazia a ponto de
mostrarmos que estamos fartos de quem em vez de nos servir… nos lixa e nem
sequer paga, pelo contrário.
José
Eduardo dos Santos acredita que consegue pela repressão violanta criar as
condições para que as contestações abrandem ou sejam até anuladas. Esquece-se
que a base da pirâmide demográfica é dominada por jovens, o que pressupõe uma
especial propensão para haver um aumento da contestação.
É
certo que em Angola aumenta o número dos que pensam que a crise (da maioria, de
quase sempre os mesmos) só se revolve a tiro. O rastilho mantém-se aceso porque
isso corresponde à estratégia do regime. Nada melhor para manter o poder
cleptocrático vivo do que ter o cenário de ”guerra” pronto a entrar em combate.
De
uma coisa os angolanos não podem, contudo, esquecer-se. Como dizia Platão: “O
castigo por não participares na política é acabares por ser governado por quem
te é inferior.” E se, mesmo participando, deu no que deu… o melhor é cortar o
mal pela raiz.
E,
convenhamos, se o valor dos angolanos se medisse pelo nível dos actuais
políticos do regime (mas também da oposição), estariam certamente abaixo do
último do lugar do “ranking” mundial.
José
Eduardo dos Santos sabe que Angola apresenta um elevado risco político com a
possibilidade de motins e de comoção civil. Sabe mas não se preocupa. Esse é um
risco calculado que visa, repita-se, a manutenção do regime e que – graças a
essa estratégia – terá a cobertura da comunidade internacional.
Embora,
segundo os analistas internacionais, Angola esteja ainda num patamar de risco
baixo, há indícios crescentes de que a sociedade começa a estar farta do
monopartidarismo camuflado de democracia.
O
legado colonial e a crise do petróleo não chegam, pelo contrário, para
justificar ou explicar a política seguida pelo regime e que, em síntese, mostra
que poucos (quase todos ligados ao clã presidencial) têm cada vez mais milhões,
ao passo que cada vez mais milhões têm pouco nada.
Será
esse legado colonial e essa crise petrolífera que justificam que as fortunas de
personalidades angolanas ligadas ao regime, guardadas em bancos no exterior do
país, sejam superiores às reservas de Angola?
Será
esse legado colonial e essa crise petrolífera que justificam que Angola esteja
no 6º lugar da corrupção mundial, ranking em que a Somália está no 1º lugar, a
Coreia do Norte em 2º, o Afeganistão em 3º, o Sudão em 4º, o Sudão do Sul em
5º, a Líbia em 7º, o Iraque em 8º, a Venezuela em 9º e a Guiné-Bissau em 10º?
Nesta
altura, os angolanos já estão cegos, desdentados e de barriga vazia. E se assim
é, ninguém pode levar a mal que adoptem a política do olho por olho, dente por
dente.
Para
já e por enquanto, na primeira linha dos que saem à rua para dizer “basta”
estão alguns jovens (“frustrados”, segundo o qualificativo de Eduardo dos
Santos). Todavia, na segunda linha estão milhares de desempregados e milhões de
pobres e famintos.
Em
certas áreas urbanas das grandes cidades, nomeadamente nas periferias de Luanda,
as probabilidades de revolta são grandes, e não é só por uma questão de
austeridade, dificuldade do mercado de trabalho e do emprego, porque já não é
possível justificar tudo com a guerra nem com a ideologia do MPLA.
A
isso acresce a existência de largo escalão de jovens (basta var os activistas
detidos) altamente qualificados e que, por isso, demonstram ter coluna
vertebral e pensar pela própria cabeça, mesmo sabendo que dessa forma estão a
cometer um atentado contra a segurança do Estado.
Seja
como for, começa mesmo a ser altura de os angolanos porem os seus políticos a
pão e água ou, talvez, a farelo.
*Diretor-adjunto
do Folha 8
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