quinta-feira, 31 de março de 2016

Angola. Quer Santos fazer dos “Revus” exemplo, ou vai no final mostrar-se magnânime?



Paulo Guilherme – África Monitor, opinião

Num sistema de poder altamente centralizado como o de Angola, poucos duvidam de que foi José Eduardo dos Santos, e/ou alguns dos seus mais próximos e fiéis, a decidir e/ou assentir à condenação dos 17 “jovens revolucionários”. Tanto mais que as instituições da Justiça são manifestamente débeis. Depois da fase dos recursos, o regime pode decidir levar o processo até ao fim e fazer dos “revus” um exemplo para instalar o medo. Ou despachar tudo num perdão - e magnanimidade – presidencial.

A curto prazo, Angola vai expor-se ainda mais a críticas das ONG, sobretudo daquelas que mais atenção têm dado ao processo, caso da Amnistia Internacional ou Human Rights Watch. E, claro, de angolanos independentes, dentro e fora do país. Particularmente interessante de seguir será a reação das agências das Nações Unidas, onde Angola detém atualmente a influente posição de membro do Conselho de Segurança, exercendo mesmo a presidência no mês de Março.

O coro de protestos já começou. Quase imediatamente depois do anúncio da sentença, ativistas angolanos convocaram através das redes sociais uma concentração hoje em Lisboa “pela libertação dos presos políticos”.

Será chave também a posição a assumir por alguns dos principais parceiros angolanos – os Estados Unidos serão particularmente criticados por organizações da sociedade civil, caso optem pelo silêncio. Também será o caso de alguns países da União Europeia, e da Comissão como bloco. Até porque figuras influentes da sociedade civil angolana, respeitadas no estrangeiro, têm vindo continuamente a chamar a atenção para a pouca credibilidade de todo o processo. É o caso do exprimeiro-ministro Marcolino Moco.

Para Moco, os jovens “foram detidos ilegalmente, tiveram uma série de dias em prisão preventiva com ilegalidades sucessivas e encontram-se agora em prisão domiciliária atípica, como muitas coisas atípicas que têm acontecido no nosso país, alguns anos para cá”. O processo que “pouco tem de judicial mas mais de injustamente político”.

“Não estou disposto a participar na `carnavalização da justiça´ que temos vivido, sobre tudo quando está em jogo o sofrimento de pessoas, em tempo de paz e democracia para as quais tenho contribuído”, afirmou Moco, na sequência da convocatória para depor. Também Rafael Marques, Ngola Kabango e Justino Pinto de Andrade foram chamados a testemunhar.

Pinto de Andrade, presidente do Bloco Democrático (BD), acusou o Tribunal de Luanda de ter violado os seus direitos, por o ter convocado para testemunhar através de um edital. ''A via edital é o ultimo recurso e só deve ser utilizada para pessoas com paradeiro incerto, o que não é o meu caso, o tribunal falhou e violou os meus direitos, por isso reservo-me no direito de intentar uma acção para ver reposta a minha dignidade''.

O depoimento relacionava-se com uma lista de um suposto “governo de salvação nacional”, que circulou nas redes sociais, em que diversas personalidades angolanas eram apresentadas com cargos específicos. O jurista angolano Albano Pedro admitiu publicamente a autoria da lista, mas o tribunal recusou ouvi-lo.

Em comentário à decisão, o investigador angolano Eugénio Costa Almeida defendeu a necessidade de “aguardar os recursos e, o que por certo irá acontecer, o recurso final ao Tribunal Constitucional”. “Como vamos, também, aguardar o que governantes e ex-governantes portugueses dirão deste processo onde parece haver uma sobreposição de factos jurídicos com posições políticas”. “Até lá pode ser que haja uma amnistia…”, realçou.

“Como em tudo na vida haverão os que consideram ter havido e sido feita Justiça e bem condenados; enquanto outros, talvez uma parte bem significativa face ao que se tem lido em páginas sociais e dentro dos vários quadrantes políticos que vão do MPLA a pessoas que se não se identificam politicamente, consideram que este processo estava inquinado desde o início e que nunca deveria ter ido até ao fim”, afirmou Costa Almeida.

“Sejamos honestos, é difícil, senão problemático, aceitar a ideia de que os activistas angolanos representavam – ou representam – uma ameaça objectiva ao Estado angolano. Actos e acórdãos como estes só dão força aos que consideram que o regime político que está no País não conhece devidamente o que é democracia e, por esse facto, não mais é que um regime musculado”.

Os 17 ativistas estão acusados, em coautoria, de atos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente. Foram agora condenados a penas que vão dos 2 aos 8 anos e seis meses. Domingos Cruz, considerado pelo Ministério Público o líder do movimento e o ativista e músico Luaty Beirão foram os que tiveram penas mais elevadas - respetivamente 8 anos e seis meses e 5 anos e seis meses. Os restantes entre 2 e 3 anos.

O processo vai prosseguir, agora com os recursos. E assim arrastar-se mais alguns meses na opinião pública. Enquanto “distração” interna – de problemas mais agudos como a crise de febre amarela em Luanda (quase 200 mortos, e faltam vacinas) ou o arrastar da crise económica – este prolongamento tem utilidade para o governo do MPLA. Internamente, a imagem de “mão de ferro” perante contestatários tem um efeito dissuasor na opinião pública, conjugada com ações sobre a imprensa e iniciativas/propostas para "disciplinar" as redes sociais.

Quando chegar o momento da decisão – que será quando o regime quiser que seja – aí colocam-se duas opções: ou prisão de facto para os contestatários, impondo de facto “mão pesada” e assim “pondo em sentido” as oposições; um aligeirar e até um perdão efetivo – cenário de que o presidente sairia como magnânime (tolerante para com os que o criticam).

Ir por uma ou outra via pode ser decido consoante as conveniências do momento. É que, com pressão de tantos lados, os próximos meses são de grande imprevisibilidade mesmo para o regime. E, cada vez mais, o executivo parece navegar à vista.

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