Paulo
Guilherme – África Monitor, opinião
Num
sistema de poder altamente centralizado como o de Angola, poucos duvidam de que
foi José Eduardo dos Santos, e/ou alguns dos seus mais próximos e fiéis, a
decidir e/ou assentir à condenação dos 17 “jovens revolucionários”. Tanto mais
que as instituições da Justiça são manifestamente débeis. Depois da fase dos
recursos, o regime pode decidir levar o processo até ao fim e fazer dos “revus”
um exemplo para instalar o medo. Ou despachar tudo num perdão - e magnanimidade
– presidencial.
A
curto prazo, Angola vai expor-se ainda mais a críticas das ONG, sobretudo
daquelas que mais atenção têm dado ao processo, caso da Amnistia Internacional
ou Human Rights Watch. E, claro, de angolanos independentes, dentro e fora do
país. Particularmente interessante de seguir será a reação das agências das
Nações Unidas, onde Angola detém atualmente a influente posição de membro do
Conselho de Segurança, exercendo mesmo a presidência no mês de Março.
O
coro de protestos já começou. Quase imediatamente depois do anúncio da
sentença, ativistas angolanos convocaram através das redes sociais uma
concentração hoje em Lisboa “pela libertação dos presos políticos”.
Será
chave também a posição a assumir por alguns dos principais parceiros angolanos
– os Estados Unidos serão particularmente criticados por organizações da
sociedade civil, caso optem pelo silêncio. Também será o caso de alguns países
da União Europeia, e da Comissão como bloco. Até porque figuras influentes da
sociedade civil angolana, respeitadas no estrangeiro, têm vindo continuamente a
chamar a atenção para a pouca credibilidade de todo o processo. É o caso do
exprimeiro-ministro Marcolino Moco.
Para
Moco, os jovens “foram detidos ilegalmente, tiveram uma série de dias em prisão
preventiva com ilegalidades sucessivas e encontram-se agora em prisão
domiciliária atípica, como muitas coisas atípicas que têm acontecido no nosso
país, alguns anos para cá”. O processo que “pouco tem de judicial mas mais de
injustamente político”.
“Não
estou disposto a participar na `carnavalização da justiça´ que temos vivido,
sobre tudo quando está em jogo o sofrimento de pessoas, em tempo de paz e
democracia para as quais tenho contribuído”, afirmou Moco, na sequência da
convocatória para depor. Também Rafael Marques, Ngola Kabango e Justino Pinto
de Andrade foram chamados a testemunhar.
Pinto
de Andrade, presidente do Bloco Democrático (BD), acusou o Tribunal de Luanda
de ter violado os seus direitos, por o ter convocado para testemunhar através
de um edital. ''A via edital é o ultimo recurso e só deve ser utilizada para
pessoas com paradeiro incerto, o que não é o meu caso, o tribunal falhou e
violou os meus direitos, por isso reservo-me no direito de intentar uma acção
para ver reposta a minha dignidade''.
O
depoimento relacionava-se com uma lista de um suposto “governo de salvação
nacional”, que circulou nas redes sociais, em que diversas personalidades
angolanas eram apresentadas com cargos específicos. O jurista angolano Albano
Pedro admitiu publicamente a autoria da lista, mas o tribunal recusou ouvi-lo.
Em
comentário à decisão, o investigador angolano Eugénio Costa Almeida defendeu a
necessidade de “aguardar os recursos e, o que por certo irá acontecer, o
recurso final ao Tribunal Constitucional”. “Como vamos, também, aguardar o que
governantes e ex-governantes portugueses dirão deste processo onde parece haver
uma sobreposição de factos jurídicos com posições políticas”. “Até lá pode ser
que haja uma amnistia…”, realçou.
“Como
em tudo na vida haverão os que consideram ter havido e sido feita Justiça e bem
condenados; enquanto outros, talvez uma parte bem significativa face ao que se
tem lido em páginas sociais e dentro dos vários quadrantes políticos que vão do
MPLA a pessoas que se não se identificam politicamente, consideram que este
processo estava inquinado desde o início e que nunca deveria ter ido até ao
fim”, afirmou Costa Almeida.
“Sejamos
honestos, é difícil, senão problemático, aceitar a ideia de que os activistas
angolanos representavam – ou representam – uma ameaça objectiva ao Estado
angolano. Actos e acórdãos como estes só dão força aos que consideram que o
regime político que está no País não conhece devidamente o que é democracia e,
por esse facto, não mais é que um regime musculado”.
Os
17 ativistas estão acusados, em coautoria, de atos preparatórios para uma
rebelião e um atentado contra o Presidente. Foram agora condenados a penas que
vão dos 2 aos 8 anos e seis meses. Domingos Cruz, considerado pelo Ministério
Público o líder do movimento e o ativista e músico Luaty Beirão foram os que
tiveram penas mais elevadas - respetivamente 8 anos e seis meses e 5 anos e
seis meses. Os restantes entre 2 e 3 anos.
O
processo vai prosseguir, agora com os recursos. E assim arrastar-se mais alguns
meses na opinião pública. Enquanto “distração” interna – de problemas mais
agudos como a crise de febre amarela em Luanda (quase 200 mortos, e faltam
vacinas) ou o arrastar da crise económica – este prolongamento tem utilidade
para o governo do MPLA. Internamente, a imagem de “mão de ferro” perante
contestatários tem um efeito dissuasor na opinião pública, conjugada com ações
sobre a imprensa e iniciativas/propostas para "disciplinar" as redes
sociais.
Quando
chegar o momento da decisão – que será quando o regime quiser que seja – aí
colocam-se duas opções: ou prisão de facto para os contestatários, impondo de
facto “mão pesada” e assim “pondo em sentido” as oposições; um aligeirar e até
um perdão efetivo – cenário de que o presidente sairia como magnânime
(tolerante para com os que o criticam).
Ir
por uma ou outra via pode ser decido consoante as conveniências do momento. É
que, com pressão de tantos lados, os próximos meses são de grande
imprevisibilidade mesmo para o regime. E, cada vez mais, o executivo parece
navegar à vista.
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