Paula
Ferreira* - Jornal de Notícias, opinião
Estranho
Mundo este que trata milhares de refugiados - homens, mulheres, crianças - como
portadores da peste, os encurrala junto a fronteiras de arame farpado e os
manda de volta para a guerra de onde fugiram. Uma realidade trágica a coabitar
com esquemas de fraude fiscal, branqueamento de capitais, legitimados pelas
grandes empresas de advogados que atuam à escala planetária.
São
uma espécie de tremor de terra, como se ninguém ou quase ninguém tivesse
escapado, as informações conhecidas nas últimas horas. Uma investigação de um
grupo de jornalistas fez emergir um verdadeiro polvo com tentáculos em
múltiplos países. Difícil encontrar, parece, entre os senhores de muito
dinheiro, quem não tente ludibriar o Estado. Mais: representantes máximos de
alguns estados, assegura a investigação, estão alegadamente envolvidos neste
escândalo sem precedentes.
O
que se soube agora deve fazer pensar. Sobretudo os cidadãos. Não tardaram vozes
oficiais, vindas um pouco de todo lado, a lamentar e dizer que vão investigar.
Mas já ouvimos isso tantas vezes. Demasiadas vezes para que consigamos
acreditar na bondade dos lamentos. Contudo, se nada acontece, algo de muito
grave está, de facto, a minar o explosivo Mundo em que vivemos.
No
escândalo conhecido como "Panama Papers" estão lá (quase) todos.
Artistas, jogadores de futebol, traficantes de armas e droga, referenciados em
listas negras internacionais. Também políticos: chefes de Estado, atuais e
ex-primeiros-ministros e alguns dos seus familiares. E este subgrupo é, talvez,
o que provoca a grande náusea. Enquanto se entretém a escolher a offshore que
melhor esconde os seus proveitos ilícitos, o povo perece à míngua, em muitas
situações, do mais básico.
As
campainhas soaram. As palavras ditas ontem por muitos dirigentes políticos
terão de ter consequências. E a primeira, para além de todas as investigações
sobre o crime a que estamos a assistir, será pôr termo aos paraísos fiscais.
Depositar dinheiro em offshore, refira-se, não é por si só sinónimo de
vigarice. Mas quem o faz tem, com certeza , o propósito de esconder algo.
A
Mossack Fonseca é apenas uma entre muitas empresas de advocacia ao serviço na
próspera área. E isso deve também fazer-nos pensar. Se uma só empresa provoca
tal terramoto, o que será se, um dia, toda a verdade vier à superfície?
O
"Panama Papers" mostra outra coisa importante para a manutenção da
democracia, da sociedade livre: o jornalismo cumpre o seu papel, quando vai além
da voragem da espuma dos dias.
*Editora-executiva-adjunta
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