segunda-feira, 25 de abril de 2016

Portugal. 25 de Abril. MADRUGADA INCOMPLETA



Inês Cardoso* – Jornal de Notícias, opinião

Cerca de 4,5 milhões de portugueses nasceram - nascemos - depois da madrugada em que emergimos da noite e do silêncio. Mas continuamos à espera de dias inteiros e limpos. Sem memórias vividas de um dia 25 longo e frenético. Mas, pior, nem sempre despertos para uma liberdade eternamente incompleta.

Enquanto mais de um quinto dos portugueses viver no limiar da pobreza. O desemprego atingir 622 mil pessoas e milhares de outras mantiverem vínculos laborais precários, desempenhando funções que não são devidamente remuneradas.

Enquanto as ruas estiverem habitadas por gente sem rosto, sem abrigo e sem futuro. Ou o acesso à educação for diferenciado e limitado por razões financeiras.

Enquanto vítimas de violência doméstica, de bullying ou de qualquer forma de violência não tiverem respostas adequadas por parte do Estado. Crianças institucionalizadas não conhecerem o direito a uma família. Idosos forem abandonados sem assistência. Ou doentes sem recursos não conseguirem aceder a cuidados de saúde plenos.

Enquanto houver mulheres com remunerações mais baixas do que as de homens, desempenhando exatamente as mesmas funções. Houver pessoas discriminadas pela orientação sexual, o estilo de vida ou seja por que razão for.

Enquanto gestores, políticos ou banqueiros com comportamentos abusivos e que delapidam bens comuns não tiverem uma resposta diligente e eficaz da justiça. Enquanto houver tráfico de influências, compadrio e cunhas.

Enquanto houver quem não consiga fazer-se ouvir. Mas também enquanto destruirmos o valor da palavra dos outros. Deixarmos, sem contestação, que nos limitem a liberdade. Encararmos agressões à democracia e às causas públicas com apatia. Ou perdermos o respeito pela diferença e a capacidade de debater ideias.

Enquanto tudo isto for verdade, Abril estará por cumprir. E estará sempre, como um caminho que exige passos sobre si mesmo.

Celebrar Abril é recordar que a liberdade é uma conquista permanente. Uma inquietação que não nos larga. Não uma data, uma cor política ou uma história. Mas uma responsabilidade tremenda que a todos, a cada um, nos foi aberta. E nos é diariamente entregue.

*Subdiretora

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