Inês
Cardoso* – Jornal de Notícias, opinião
Cerca
de 4,5 milhões de portugueses nasceram - nascemos - depois da madrugada em que
emergimos da noite e do silêncio. Mas continuamos à espera de dias inteiros e
limpos. Sem memórias vividas de um dia 25 longo e frenético. Mas, pior, nem
sempre despertos para uma liberdade eternamente incompleta.
Enquanto
mais de um quinto dos portugueses viver no limiar da pobreza. O desemprego
atingir 622 mil pessoas e milhares de outras mantiverem vínculos laborais
precários, desempenhando funções que não são devidamente remuneradas.
Enquanto
as ruas estiverem habitadas por gente sem rosto, sem abrigo e sem futuro. Ou o
acesso à educação for diferenciado e limitado por razões financeiras.
Enquanto
vítimas de violência doméstica, de bullying ou de qualquer forma de violência
não tiverem respostas adequadas por parte do Estado. Crianças
institucionalizadas não conhecerem o direito a uma família. Idosos forem
abandonados sem assistência. Ou doentes sem recursos não conseguirem aceder a
cuidados de saúde plenos.
Enquanto
houver mulheres com remunerações mais baixas do que as de homens, desempenhando
exatamente as mesmas funções. Houver pessoas discriminadas pela orientação
sexual, o estilo de vida ou seja por que razão for.
Enquanto
gestores, políticos ou banqueiros com comportamentos abusivos e que delapidam
bens comuns não tiverem uma resposta diligente e eficaz da justiça. Enquanto
houver tráfico de influências, compadrio e cunhas.
Enquanto
houver quem não consiga fazer-se ouvir. Mas também enquanto destruirmos o valor
da palavra dos outros. Deixarmos, sem contestação, que nos limitem a liberdade.
Encararmos agressões à democracia e às causas públicas com apatia. Ou perdermos
o respeito pela diferença e a capacidade de debater ideias.
Enquanto
tudo isto for verdade, Abril estará por cumprir. E estará sempre, como um
caminho que exige passos sobre si mesmo.
Celebrar
Abril é recordar que a liberdade é uma conquista permanente. Uma inquietação
que não nos larga. Não uma data, uma cor política ou uma história. Mas uma responsabilidade
tremenda que a todos, a cada um, nos foi aberta. E nos é diariamente entregue.
*Subdiretora
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