IGAI,
que tem poder disciplinar sobre os agentes, salienta que corporação e o MP não
fizeram aquilo a que estavam "obrigados". Organismo soube, quatro
anos depois, pelo PÚBLICO, do caso de agente que baleou cigano.
O
Ministério Público (MP) e a PSP omitiram à Inspecção-Geral da Administração
Interna (IGAI) o caso noticiado recentemente pelo PÚBLICO relativo a um agente
da PSP de Beja condenado a uma pena suspensa de um ano e três meses de prisão
por balear com uma espingarda um
jovem cigano. O juiz deu como provado que tal se deveu a “ódio racial”. A
IGAI, que tem competências disciplinares sobre agentes da PSP e da GNR,
descobriu a situação só na sexta-feira, quando o PÚBLICO a questionou e avançou
detalhes do caso ocorrido em 2012. Durante quatro anos, o organismo, ao qual a
PSP e o MP estavam obrigados a comunicar o sucedido, de nada soube.
Os
processos disciplinares podem resultar, entre outras sanções, na suspensão de
serviço ou na expulsão. Mas agora, mesmo que a IGAI avoque o processo
disciplinar ao agente que está em fase de conclusão nos serviços da inspecção
da PSP, as provas estarão comprometidas devido ao passar do tempo, segundo
fonte da inspecção.
Na
sexta-feira, face a dados fornecidos pelo PÚBLICO, a IGAI, apanhada de
surpresa, faz perguntas ao Tribunal de Beja e à PSP. “O MP e a PSP estão
obrigados a comunicar estas situações à IGAI, mas não o fizeram”, lamentou
então, numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, o subinspector-geral da
Administração Interna, Paulo Ferreira. A IGAI decidiu “abrir um processo de
natureza administrativa” para averiguar “os motivos que levaram à omissão das
comunicações”.
PGR
investiga
A
falha, que tanto tempo demorou a ser revelada, será também investigada pela
Procuradoria-Geral da República (PGR). “Tendo-se verificado que não houve
oportuna comunicação à IGAI — a qual não é obrigatória por lei mas que se
encontra prevista em normas internas —, a PGR vai averiguar por que motivo tal
não sucedeu”, explicou a procuradoria.
Os
procuradores que lideraram o inquérito-crime e mais tarde defenderam a
condenação do polícia em tribunal estavam obrigados a comunicar todo caso à
IGAI desde o seu início, em 2012. Uma circular interna da PGR, ainda assinada
pelo ex-procurador-geral da República, Cunha Rodrigues, obriga os magistrados,
desde Maio de 1998, a comunicar à IGAI a instauração de inquéritos-crime “em
que seja arguido” um agente da PSP ou da GNR.
Também
na PSP existem instruções iguais. Um despacho do ex-ministro da Administração
Interna, Miguel Macedo, obriga as polícias, desde 2013, “a dar imediata notícia
dos factos” à tutela e à IGAI nos casos em que agentes sejam suspeitos de
“violação de bens pessoais, designadamente de morte ou ofensas corporais graves
ou da existência de indícios de grave abuso de autoridade ou lesão de elevados
valores patrimoniais”. Neste caso, o polícia foi acusado e condenado por ofensa
à integridade física qualificada.
Versões
contrárias
Em
Outubro de 2012, Igor foi a uma quinta em Beja, explorada por agentes da PSP
nos tempos livres. Queria pedir trabalho. Bateu ao portão e perguntou ao agente
da PSP, Manuel António Santos, de 56 anos, se podia falar com ele sobre a
apanha da azeitona. A resposta surgiu de um cano de uma espingarda “pressão de
ar”. O jovem, desarmado, foi atingido na cara, no lábio, perdeu dentes, caiu no
chão. Ainda hoje não consegue comer nem dormir normalmente e necessita de uma
cirurgia ao maxilar.
O
Ministério da Administração Interna, que diz ainda não ter sido notificado da
sentença recente, alega que, “à data dos factos, a notificação da IGAI só era
obrigatória em relação a casos que envolvessem agentes em serviço e não na sua
vida privada”. Dois despachos do MAI, de 2009, que nunca terão sido publicados
em Diário da República, regulavam a relação entre a IGAI e a PSP e não
obrigariam à comunicação de ilícitos cometidos por polícias na sua vida
pessoal, garantem algumas fontes policiais, enquanto outras, judiciais,
salientam o contrário.
Certo
é que a IGAI disse ter iniciado esta segunda-feira “diligências” para saber “se
a conduta do elemento policial ocorreu no decurso de uma acção policial ou se
sucedeu no âmbito da actividade privada”. Segundo a sentença, o agente não
estava de serviço. A PSP diz que está “totalmente disponível para prestar
qualquer esclarecimento que a IGAI entenda pertinente”.
Outras
estranhezas deste caso estão igualmente espelhadas na sentença que condenou o
agente a pagar também uma indeminização de dez mil euros à vítima. Após o
disparo, o agente fugiu enquanto os colegas da PSP chamados a tomarem conta da
ocorrência nada terão feito para o localizar ou apreender a arma. Removeram do
local o carro do colega e terão, assim, tentado encobri-lo, acredita o juiz. A
investigação só arrancou com a chegada da Polícia Judiciária. A possibilidade
de serem alvo de um inquérito disciplinar já prescreveu, mas podem ainda,
lembrou fonte judicial, ser acusados pelo crime de favorecimento pessoal na
sequência do que foi dado como provado no julgamento de Manuel António Santos.
Pedro
Sales Dias - Público
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