Em
Moçambique, a secreta goza de privilégios legais que nem sequer ao Parlamento
presta contas. Não pelo menos sobre a natureza das suas atividades. Acima da
lei para o SISE está apenas o Presidente do país.
Acima
da lei para o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) está apenas o
Presidente da República.
Uma
situação que põe em causa o sistema de governação, neste caso em particular,
quando o assunto é transparência e prestação de contas.
SISE
acionista
Os
serviços secretos moçambicanos têm sido assunto desde que as dívidas ocultas
vieram ao de cima. Afinal, tratam-se de 1,4 mil milhões de dólares de
empréstimos contraídos pelo Governo moçambicano entre 2013 e 2014 e não
revelados à Assembleia da República e às organizações financeiras
internacionais.
A
pergunta que se coloca, e cuja resposta não chega, é como e porquê a secreta
entrou como acionista nas empresas suspeitas que originaram essas dívidas.
Mas
há também outras questões sobre a natureza e legislação que regulamenta o SISE.
A
DW África ouviu o jurista Télio Chamuço sobre as bases que norteiam esta
instituição:
"O
instrumento normativo que rege as atribuições do SISE é a lei n° 12/2012 que
tem a incumbência de zelar contra, e investigar, crimes contra a segurança do
Estado ou crimes transnacionais; e também quanto a sua subordinação orgânica,
digamos assim. O SISE costuma ser um órgão dependente do Presidente da
República. Isso é corolário de um sistema político. Moçambique tem um sistema
presidencialista".
Como
é em outros países?
Na
Alemanha, por exemplo, existe um comité parlamentar que monitoriza a secreta.
Ele tem o direito a visitar os seus escritórios e a acessar os arquivos e atas,
embora não tenha permissão de divulgar qualquer tipo de informação. Assim,
estão salvaguardados, minimamente, os princípios de transparência e impõem-se
certos limites ao poder desta entidade. E no caso de Moçambique, a quem presta
contas o SISE?
Chamuço
explica que anualmente, o SISE deve prestar contas à Assembleia da República.
“Existe uma comissão específica [da Assembleia da República] à qual o SISE
presta informação. Trata-se da Comissão para os Assuntos de Defesa e Segurança.
As fontes, registos, documentos e arquivos do SISE são considerados protegidos
e a informação produzida pela secreta é informação classificada".
Acionista
e agora?
Por
um lado, a secreta moçambicana está protegida pela lei no que se refere à
prestação de contas quanto à natureza das suas atividades, e com isso deixa a
referida comissão do Parlamento desprovida de qualquer poder de pedir contas.
Por
outro lado, na qualidade de acionista de uma empresa, ela deve e pode prestar
contas.
Contudo,
no caso das dívidas ocultas de Moçambique, a secreta também não o pode fazer no
Parlamento, como explica Fernando Bismarque, porta-voz do Movimento Democrático
de Moçambique (MDM), a segunda maior força da oposição:
"O
regimento diz que não pode vir um diretor para falar dessa matéria. Tem de ser
um membro do Governo, e diretor não é membro do Governo. Um diretor pode ser
chamado no âmbito de uma comissão parlamentar de inquérito, como acompanhante
de um ministro como aconteceu quando o Governo veio esclarecer sobre a dívida
em sede de duas comissões (a do plano de orçamento e a de defesa e ordem
pública)".
Quanto
ao diretor-geral do SISE ser chamado para fazer declarações às comissões, isso
ainda não aconteceu, esclarece Bismarque.
"Só
ouvimos o diretor-geral da EMATUM, Proíndicus e MAM - que é a mesma pessoa. Ele
é um operativo do SISE. Mas, obviamente, que uma comissão parlamentar de
inquérito que quer aquele projeto submetido pelo MDM no Parlamento, em abril,
vai alargar o âmbito e poderá ouvir os membros do antigo Governo, assim como o
diretor-geral do SISE, que é uma empresa que detem ações nessas empresas que
foram criadas e endividaram o país".
Portanto,
uma posição de quase intocável à custa de leis e regulamentos. E como o SISE só
se curva perante o Presidente da República, que por sua vez concentra muitos
poderes, a prestação pública de contas, de qualquer natureza, é neste contexto
um conceito vazio.
Nádia
Issufo – Deutsche Welle
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