terça-feira, 14 de junho de 2016

Portugal. Desigualdades em saúde pioraram em dez anos. Pobres são mais doentes



Alexandra Campos - Público

Observatório de Saúde diz que desigualdades aumentaram entre 2005 e 2014. Risco de adoecer cresce devido aos baixos rendimentos e pouca escolaridade. “Continuam a ser os mais pobres os mais doentes”.

As desigualdades sociais em saúde agravaram-se nos últimos anos em Portugal. “Seja qual for a doença, a desigualdade aumentou claramente entre 2005 e 2014, independentemente do sexo e da idade”, concluem os investigadores do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) no relatório de Primavera que esta terça-feira é apresentado em Lisboa. Os riscos de adoecer aumentam exponencialmente com a ausência de escolaridade, com os baixos rendimentos ou nos idosos, sublinham. “Continuam a ser os mais pobres os mais doentes e os mais doentes os mais pobres”, sintetiza José Aranda da Silva, um dos coordenadores do observatório.

A problemática das desigualdades em saúde é um principais temas em foco no relatório de Primavera deste ano do OPSS - que não se pronuncia sobre as políticas deste Governo por terem passado “apenas sete meses entre a posse” do executivo e a conclusão do documento. O fenómeno das desigualdades é determinante, até porque tem um impacto significativo na esperança de vida, como provou um recente estudo publicado no Journal of American Medical Association - que demonstrou que, entre 2001 e 2014, “os homens mais ricos dos Estados Unidos da América viveram em média mais 14,6 anos do que os homens mais pobres”.

Em Portugal, este tipo de avaliação está por fazer. O que se sabe é que, em 2014 (Inquérito Nacional de Saúde) as pessoas sem formação apresentavam um “risco de ter má saúde” seis vezes superior em comparação com as pessoas com mais educação (ensino secundário ou mais). “Para o mesmo indicador, a desigualdade parece ter aumentado no intervalo de dez anos, tal como para a doença crónica”, sublinham os investigadores. Para se ter uma ideia, o risco de diabetes é mais de quatro vezes superior no grupo sem formação secundária e superior. E enquanto a prevalência desta doença na população em geral com mais de 15 anos era 11,3% em 2014,  passava para 24,1% se analisado o mesmo grupo etário só com formação básica.

Sistematicamente superiores ao observado noutros países europeus (em 2014, o “risco de má saúde auto-reportada” para as pessoas sem educação era 6,5 vezes superior em Portugal quando na Europa era 3,5 vezes superior), as desigualdades em saúde devem ser combatidas através da aposta num sistema de educação de alta qualidade desde os primeiros anos de vida, com programas sistemáticos de prevenção e rastreios, com empregos de qualidade na idade adulta e com impostos e regulação, por exemplo nas gorduras, sal e açúcar, lê-se no relatório.

“Procuram-se novos caminhos”

Começando com uma retrospectiva dos últimos seis anos, os investigadores do OPSS insistem na necessidade da procura de “novos caminhos” -  é esse aliás o título deste relatório -, após os duros anos de crise económico-financeira que o país atravessou.

Na saúde mental, uma das áreas “mais fustigadas” pela crise económica e outro dos temas em foco neste documento – que destaca o aumento dos suicídios, sobretudo nos homens em idade laboral, e o problema da demência que afecta pelo menos 60 mil idosos –, os investigadores preconizam que se passe de uma concepção de cuidados generalizados para “uma concepção de cuidados especializados”,  se reactive o Plano Nacional para a Saúde das Pessoas Idosas e se defina um orçamento nacional para esta área. 

Também é abordada a questão de prescrição excessiva de bezodiazepinas (ansiolíticos e hipnóticos). Recorda-se, a propósito, um recente estudo com doentes internados num serviço de psiquiatria ao longo de um ano e que concluiu que 80% da amostra apresentava valores correspondentes a oito comprimidos diários de diazepam, o que é “deveras preocupante”.  

Foi igualmente avaliada a participação das associações de doentes na definição de políticas de segurança, que parece ser ainda residual - por exemplo, apenas 7,5% das notificações de reacções adversas dos medicamentos são feitas por pacientes.  Seis associações de doentes foram ouvidas e as conclusões também não são animadoras: há múltiplos constrangimentos à sua participação no desenvolvimento de políticas para a segurança e faltam meios humanos e financeiros. Aqui, defende-se a necessidade de definir o estatuto legal do “doente perito”. “Se os doentes não forem envolvidos no sistema, isto vai por água abaixo”, avisa Aranda da Silva.

A falta de unidades de cuidados paliativos, num país em que 62% dos doentes morre nos hospitais (cerca de 65 mil pessoas por ano),  também merece censura. Além dos números de camas e de apoio domiciliário de cuidados paliativos continuar consideravelmente abaixo do recomendado, há muitas assimetrias regionais, lamentam.

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