O
caso das sanções, em que a direita se colocou desabridamente do lado da
Comissão Europeia contra Portugal, cimenta a resposta do governo e da esquerda
que o apoia.
Parece
que Passos Coelho terá anunciado aos dirigentes do seu partido que em setembro
o diabo aterrorizará este cantinho à beira mar plantado. É de supor que os
ditos dirigentes deliraram com o anúncio, já lhes faltou o Armagedon do
primeiro mês do governo, depois faltou-lhes o colapso do Orçamento, depois
desvaneceu-se-lhes a encrenca parlamentar e ficaram com esta triste normalidade
a que o país se vai habituando para horror dos chefes do PSD.
Passos
Coelho funciona um pouco como Arnaldo Matos, o seu charme é garantir o
apocalipse. Não para hoje, mas amanhã é certo. Será em setembro. Serão os
bancos a pedir mais gastos ou será a Comissão Europeia a pedir menos gastos,
alguém tem que por isto na ordem e o diabo de Passos Coelho chega na certa pelo
equinócio.
Mas,
como o líder do PSD não teve oportunidade de ir na 2ªf explicar a teoria da
hecatombe ao Presidente, que pelo contrário proclama a bonança todos os dias, e
a representante do PSD entreteve Marcelo Rebelo de Sousa com tranquilizantes
garantias de paz e sossego, o país só pode ter ficado algo perplexo com este
toca e foge, aliás repetido no fim de semana por Passos num lugar sempre
propício a cantaroladas, o Chão da Lagoa. Temos portanto o diabo à solta, mas
talvez: depende de quem o diz e pode ser que mais lá para o fim do verão que
entretanto vamos de férias.
Marques
Mendes, subtil como só ele, apresentou no domingo na SIC uma outra versão. Mais
conspirativa, mais saborosa. É assim: António Costa, malandrim, quer eleições
para se antecipar às dificuldades e para correr com o PCP, antes que seja
tarde. Só que o PCP não vai na tramoia e, zás, aprova o Orçamento que Costa
queria ver chumbado. Entendido? É um pouco sinuoso, mas a vida é assim. Temos
portanto que, na versão Mendes, o diabo está na mão de Costa, mesmo que seja
Passos quem o anuncie; em todo o caso, tanto Costa como Passos querem o tal do
diabo, ou uma crise política das antigas, com intrigalhada, drama e gritos. Mas
como não se passará nada, o diabo ficará retido dentro da sua lâmpada, para
confirmação do augúrio do Dr. Marques Mendes, pois assim existe e não existe ao
mesmo tempo.
Não
estão a ver o filme, como diria um certo candidato a presidente, agora
empossado. O caso das sanções, em que a direita se colocou desabridamente do
lado da Comissão Europeia contra Portugal, cimenta a resposta do governo e da
esquerda que o apoia – fornece uma “narrativa”, um adversário, uma causa e até
promove uma alternativa. O calendário é excelente, pois em cada dia que passa
até setembro, com o arrastamento da questão e o adiamento das sanções e multas
e afins, a opinião pública só se pode aborrecer deste desígnio e desta
perseguição e lastimar o desespero de quem quer repor a austeridade por via de
cacete alheio. Se algum partido que apoia a maioria governamental se dedicasse
agora a jogos florais, seria incompreendido.
O
Dr. Mendes está portanto enganado, na opinião deste modesto escritor com poucos
dotes para a demonologia: o governo não pode encenar uma saída do palco, tem
pelo contrário que mostrar consistência e preparação, ou seja, tem que buscar
alternativas consistentes para o Orçamento e é isso que o vai definir para os
próximos anos.
*Bloco
de Esquerda - Francisco
Louçã - Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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