Hoje
não lhe trazemos o Expresso Curto e a respetiva cafeína, preferimos substituir
pelos Panamá Papers do Pedro Santos Guerreiro, do Expresso. Os tais papéis do
Panamá estão “à disposição de todos os cidadãos do mundo”, declara o jornalista
do Expresso. Claro como água, parece. Também parece que o tal Saco Azul do GES é
conversa fiada e sardinhas a dez. Um boato do tamanho do Cristo Rei. Ámen e que
os deuses nos salvem. E então, não há avenças a jornalistas? No Expresso não. Hem? Que está no Ministério Público. Hem? E… Não. E… Nunca. E…
Pois. Sim, senhor Balsemão & Associados. Raios partam os boateiros.
Oh senhores do Ministério Público, e então desrefundam lá essa lista se é que acham que devem cumprir as leis... A não ser que essa coisa da lista e dos subornos (subornos?) não seja crime. Pois, pois. Se calhar não é. Será que a lista estava inserida numa pedra de gelo... que já derreteu. Credo, grandes baralhadas. Mas o Expresso explica pelo teclado de Pedro Santos Guerreiro, para acabar com a baralhada. Ah, e fica claro que tem as mãos limpas. Não tem a lista da porcalhota. Sim senhor.
Leia a seguir. Está tudo explicadinho... Está? Estimule os neurónios, a massa encefálica e todo esse conteúdo precioso que tem na carola e a que chamam miolos.
Bom
resto de dia, se conseguir.
Mário
Motta / PG
Então
e os Panama Papers?
Pedro Santos Guerreiro – Expresso
A base de dados dos “Panama
Papers” é
pública desde 9 de maio, está à disposição de todos os cidadãos do
mundo. Simples, não é? Não. Porque a pergunta detrás do título deste artigo é
na verdade outra: o que é feito da lista de pagamentos que
o Expresso noticiou?
Nenhuma
destas perguntas é uma pergunta, é uma acusação. Uma acusação que parte de um
boato falso, que leva a este exercício contranatura de o desmentir, replicando
perguntas-acusação de quem tem voz mas não tem cara. Este texto nem sequer
pretende convencer ninguém, nem vai acabar com o boato, pretende informar quem
queira ser informado.
“Então
os ‘Panama Papers’?” é a expressão nas redes sociais que pretende significar o
seguinte: o Expresso escondeu a lista de pagamentos do “saco azul” do GES e
protegeu os políticos e os jornalistas que lá estão. Desvalorizámos no início o
boato, pelo absurdo óbvio para nós de que quem revela não esconde — e o Expresso vem
revelando. E pelo ridículo de perguntar-se pelo segredo de uma base de
dados que é pública. Mas o boato deixa de ser a mentira que é se for
reproduzido como a verdade que não é. E ele cresceu de tal forma, alimentado
sobretudo por blogues anónimos, que há políticos, advogados e empresários a
credibilizar a pergunta, repetindo-a. Muitos deles estão, não estranhamente,
nos “Panama Papers” e por isso foram notícia. É um truque comum, o de
descredibilizar o investigador para descredibilizar a investigação. E a quem
interessa mais descredibilizar uma investigação do que aos investigados?
1.
UMA INVESTIGAÇÃO EM CURSO
Os
“Panama Papers” são a
maior fuga de informação de sempre, foram noticiados à escala global a
partir de 3
de abril e a base de dados foi entregue à sociedade a 9
de maio, quando foi tornada pública, ainda que sem os e-mails e documentos
internos da Mossack Fonseca, por
decisão do consórcio de jornalistas. Entre as duas datas, concentrou-se a
publicação do trabalho jornalístico em todo o mundo. A investigação continuou,
mesmo depois de 9 de maio, com a publicação de notícias que
podem ser lidas ou relidas no site do Expresso. Assim continuará a ser, à
medida que as investigações aos casos mais complexos superem os becos que
sempre existem nas investigações.
Há
um grande escândalo nos “Panama Papers” em Portugal: o
Grupo Espírito Santo (GES). O impacto público desse escândalo não é maior
porque o GES colapsou em 2014, dando a perceção de caso arrumado. Não está
arrumado, até pelo julgamento, pela condenação ou pela absolvição dos
envolvidos, num processo que teve um prejuízo gigante para Portugal e
benefícios seletivos de algumas pessoas, muitas das quais não serão apanhadas.
Esse julgamento não é feito nos jornais, mas nos tribunais.
2.
A LISTA DE PAGAMENTOS DO GES
Eis
a questão. A lista de alegados pagamentos do saco azul do GES a personalidades
poderosas do país.
Há
anos que vários
jornalistas estão a investigar a ES Enterprises, que fez durante
quase 20 anos pagamentos secretos, sendo por isso chamada “saco azul”.
A lista não está nos “Panama Papers”, antes estivesse. A lista está
no Ministério Público português.
Porque
não revela o Expresso os nomes da lista? O Expresso não tem a lista. Não tem.
Ainda não tem. Quer tê-la, como quererão todos os jornalistas envolvidos na
investigação ao caso GES, que dura há mais de três anos. O Expresso confirmou a
sua existência com fontes distanciadas entre si e nem foi o Expresso que a
noticiou. A lista existe, tem mais de uma centena de nomes, e houve pessoas que
tiveram a lista e que andaram com guarda-costas depois de serem ameaçadas. Tudo
isto o Expresso já noticiou.
O
Expresso sabe que há na lista nomes de vários políticos, gestores e
jornalistas. Desconhece-se se o Ministério Público a está a investigar, mas
sabe-se de antemão que a prova é difícil, porque há transferências elevadas
através de offshores e pagamentos regulares pequenos feitos por envelope.
Porque
não revela o Expresso os nomes que conhece? Sem a prova documental, a
publicação pode ser comprometida e não apenas por desmentidos, mas também por
processos judiciais. A direção do jornal debateu a fundo esta questão e decidiu
publicar a informação, mas também discutiu se, mesmo tendo a lista, a
publicaríamos até termos confirmação da veracidade dos nomes, para garantir que
a lista não tem nomes forjados.
Foi
o cruzamento de informação dos “Panama Papers” com a investigação ao caso GES
que nos permitiu conseguir que Zeinal
Bava confessasse ter recebido 18,5 milhões de euros do “saco azul”,
que justificou como sendo um empréstimo. Também o nome de Manuel Pinho foi
revelado, pelo
jornal “Público”. E foi esse trabalho que conseguiu fazer com que Hélder
Bataglia revelasse ao Expresso que houve dinheiro do caso Sócrates que veio do
“saco azul”, assim ligando o caso GES à “Operação Marquês”, o que está
neste momento em investigação no Ministério Público.
Foi
a notícia da lista de pagamentos (que originalmente nem foi publicada pelo
Expresso, mas pelo
“Observador”) do “saco azul” (cuja existência foi revelada há quase dois
anos pelo
“Público”) que gerou o boato de que estaríamos a esconder o que na verdade
temos vindo a revelar. Com um pormenor relevante: o facto de haver jornalistas
na lista, o que levou a uma crítica
do Sindicato dos Jornalistas mas também de colunistas do Expresso,
como Daniel Oliveira e Miguel
Sousa Tavares, com o argumento de que não se publica a existência de nomes
sem revelar os próprios nomes, por assim estar-se a lançar suspeita sobre uma
classe.
É
um argumento válido que merece discussão e a opção da direção do Expresso
sujeita-se à crítica, mesmo sendo de notar que a preocupação de jornalistas
consigo mesmos não se aplica a outros casos e profissões. O Expresso decidiu
identificar profissões dos nomes (entre os quais também estão
ex-administradores do BES, que terão recebido dinheiro fora do país durante
anos), pelo interesse público de saber como o GES exerceu a sua influência,
tornando-se o grupo mais poderoso de Portugal até colapsar clamorosamente. E
essa influência também foi tentada na comunicação social, quer através da
Ongoing, quer através da PT (que era controlada pelo BES) quando quis comprar a
TVI. Façamos o exercício contrário: se o Expresso tivesse ocultado a existência
de jornalistas na lista (e é um número reduzido), não seria depois acusado de
ter protegido a classe dos jornalistas?
Foi
por esta mesma razão que o Expresso decidiu publicar que a lista está no
Ministério Público, por não duvidar do interesse público de saber-se não só que
a lista existe e indicia uma forma de disseminação de poder, mas que os órgãos
de investigação criminal a têm. Não é um polvo nem uma hidra, é muito mais
complicado, porque a um polvo ou a uma hidra cortam-se as cabeças. É, usando
uma imagem que não é minha, um Mikado, com milhares de paus, uns mais valiosos
do que outros, tocando-se, sendo quase impossível mexer num sem mexer noutros.
3.
O TRABALHO DO EXPRESSO
É
estranho ter de listar o trabalho publicado para provar que ele existiu, que
continua e que continuará. O Expresso revelou
dezenas de nomes de portugueses envolvidos em offshores, muitos deles
poderosos. Dezenas de nomes. Está tudo no site do Expresso (veja o dossiê AQUI).
Não há denúncias de ilegalidade, isso compete aos órgãos de investigação
criminal, os jornais não são tribunais. Mas os jornais são um poder constituído
contra os poderes que no abuso da sua força prejudicam a sociedade. O poder dos
jornais é o da informação e é nossa responsabilidade usar esse poder e saber
usá-lo. Nessa luta contra os poderes, a palavra independência é quase uma
tautologia, mas também o é a coragem. Quando Ricardo Salgado foi à comissão de
inquérito ao colapso do BES, levou um gráfico que relacionava notícias do
Expresso com as cotações do BES e disse que o Expresso teve a intenção de destruí-lo.
Não é verdade, mas é verdade que vários jornais portugueses estiveram durante
quase dois anos sozinhos no apuramento dos factos e na revelação do que era
todos os dias desmentido pelo GES. Fomos desmentidos, pressionados, processados
nos tribunais portugueses e ingleses, por difamação e violação de segredo de
justiça. Ganhámos todos os casos, não só porque tínhamos a razão do nosso lado
mas porque soubemos comprovar as nossas investigações. Nunca o dissemos porque
isso faz parte do nosso trabalho, só o digo hoje pela injustiça do boato e o
que ele significa.
Aceitamos
a crítica de que não devia ter sido noticiada a existência de jornalistas na
lista, mas ainda assim a direção do Expresso manteria a decisão. Aceitamos a
crítica de que foi criada demasiada expectativa sobre os “Panama Papers”,
embora essa expectativa não tenha sido criada unicamente pelo Expresso, mas por
um conjunto de jornais (e sobretudo TV) internacionais e portugueses
entusiasmados com a investigação. Mas não aceitamos a mentira. Mas não
aceitamos a acusação sobre a seriedade. Não precisamos de escrever mais quando
o que foi escrito — e publicado — durante os últimos anos serve de mostra. O
trabalho de vários jornalistas, entre os quais jornalistas do Expresso, foi
determinante na revelação de casos que estão hoje sob investigação. E na
prevenção do que pior teria acontecido sem essa revelação.
4.
O QUE SE SEGUE
O
Expresso é o jornal português envolvido em mais projetos internacionais de
investigação jornalística. Jornalistas do Expresso estiveram envolvidos nos
trabalhos em rede do “WikiLeaks”, do “Offshoreleaks”, dos “Panama Papers”,
trabalhámos em parceria com o African Network of Centers for Investigative
Reporting e participamos noutros projetos em curso. Em todos estes casos há um
padrão, o de haver fugas de informação e o de abrangerem negócios alegadamente
ilegais através de várias jurisdições, o que torna a sua investigação muito
complexa. É crime profissional, sofisticado e aninhado nos buracos legais, que
só investigações em rede de cooperação podem tentar desmontar.
O
trabalho de investigação a offshores vai continuar. Chamei a este mecanismo do
sistema financeiro “o
maior crime de sempre”, porque ele permite ocultar dinheiro, património e
atos para fins criminosos ou para não pagamentos de impostos. Só a alteração de
regras globais pode capturar o poder incontrolado dos offshores. Mas só a
pressão das opiniões públicas informadas pode obrigar à força política
necessária para regular a vergonha dos offshores. Porque é ela que faz com que,
mesmo em Portugal, se esteja a discutir o poder de vasculhar as contas
bancárias de quem tem mais de 50 mil euros quando se abdica de perseguir quem
tem fortunas e empresas em paraísos fiscais para não pagar impostos; ou que se
esteja a discutir um imposto sobre património imobiliário quando é impossível
taxar quem tem as casas milionárias com morada em Portugal mas sede nas Ilhas
Virgens.
Resignamo-nos
a isto? Nós, o Expresso, não. Não é por missão, é por função, a função do
jornalismo. Seriamente.
Imagem: Cartoon de António
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