O
mundo precisa, cada vez mais, de gente criativa, crítica, colaboradora. Mas o
sistema de ensino continua a estimular a repetição, a disputa, a hierarquia.
Por que? Quais as saídas?
George
Monbiot | Outras Palavras | Tradução: Inês
Castilho
No
futuro, se você quiser um emprego deve diferenciar-se o mais possível de uma
máquina: ser criativo, crítico e capaz de bons relacionamentos sociais. Por que
razão, então, as crianças estão sendo ensinadas a comportar-se como máquinas?
As
crianças aprendem melhor quando o ensino alinha-se à sua exuberância, energia e
curiosidade naturais. Então, por que elas estão sendo alinhadas em filas e
obrigadas a sentar-se quietas, enquanto são entupidas de fatos?
Durante
a vida adulta, é a colaboração que nos possibilita ser bem sucedidos. Por que,
então, considerar trapaça a colaboração em testes e exames?
Os
melhores professores usam sua personalidade, criatividade e inspiração para
atiçar o instinto infantil à aprendizagem. Por que razão, então, personalidade,
criatividade e inspiração são anuladas por um regime asfixiante de
microgerenciamento?
Como Graham Brown-Martin explica, em
seu livro Learning {Re}imagined [Aprendizagem [Re]imaginada], há uma razão
comum para essas perversidades. Nossas escolas foram desenhadas para produzir a
força de trabalho requerida pelas fábricas do século 19. O produto desejado
eram trabalhadores que ficassem sentados em seus lugares o dia inteiro em
silêncio, comportando-se identicamente para produzir produtos idênticos,
punindo-os se falhassem em assimilar os padrões exigidos. Colaboração e
pensamento crítico eram exatamente o que os donos das fábricas desejavam
desencorajar.
No
que se refere a utilidade e relevância, podemos também treinar crianças a
operar um tear mecânico. As escolas ensinam aptidões que são não só redundantes
como contraprodutivas. As crianças sofrem com esse sistema desumanizador, que
desafia a vida, para nada.
Quanto
menos relevante o sistema se torna, mais duramente as regras precisam ser
impostas, e maior o estresse causado. Um anúncio de
emprego numa escola, publicado no Times Educational Supplement pergunta:
“Você gosta de ordem e disciplina? Você acredita que as crianças devem ser
sempre obedientes?… Se sim, o papel de diretor de detenção pode ser para você.”
Sim, muitas escolas têm problemas de disciplina. Mas não é surpreendente que
crianças, explodindo de energia e excitação, sejam confinadas num lugar como
frangos numa granja?
Os
professores estão agora deixando
a profissão aos montes — seu treinamento desperdiçado e suas carreiras
destruídas pelo excesso de trabalho, por um regime de padronização que tritura
a alma, por testes e controle de cima para baixo. Quanto menos autonomia eles
têm, mais são acusados pela falência do sistema. Uma grande crise de
recrutamento está à vista, em especial em matérias cruciais.
Isso é o que o Estado chama de eficiência.
Qualquer
tentativa de mudar o sistema, de capacitar as crianças para as prováveis
demandas do século 21, e não as do século 19, é demonizado pelos governos e
jornalões como “engenharia social”. Bem, é claro. Qualquer ensino é engenharia
social. Neste momento, uma era pós-industrial, estamos presos à engenharia
social de uma força de trabalho industrial.
Quando
lhes permitem aplicar sua criatividade e curiosidade naturais, as crianças
adoram aprender. Elas aprendem espontaneamente
a andar, a falar, a comer e a brincar, pela observação e experimentação. Então
vão para a escola e nós anulamos esse instinto, ao sentá-las e alimentá-las à
força com fatos inertes e testes que nada têm com sua vida.
Não
existe apenas um sistema para ensinar bem as crianças, mas os melhores têm algo
em comum: abrem ricos universos que as crianças podem explorar a seu próprio
modo, desenvolvendo seus interesses com apoio, ao invés de doutrinação. Por
exemplo, a escola Essa, em
Bolton (Inglaterra), dá a cada aluno um tablet no qual eles criam projetos,
partilham o material com seus professores e uns com os outros, e podem contatar
seus professores com perguntas sobre suas tarefas de casa. Reduzindo os
trabalhos de rotina, esse sistema possibilita que os professores deem ajuda
individual às crianças.
Outras
escolas foram em direções opostas, levando as crianças para o ar livre e usando
a natureza para envolver seus interesses e desenvolver suas capacidades físicas
e mentais (o movimento Forest School usa
esse método). Mas não se trata de alta ou baixa tecnologia; o ponto é que a
criança entre num mundo suficientemente rico e diverso para libertar sua
curiosidade e permitir que descubra um modo de aprender que melhor reflita sua
personalidade e talentos.
Há
um monte de programas de ensino desenhados para funcionar com as crianças, e
não contra elas. Por exemplo, o Mantle
of the Expert as encoraja a formar equipes de investigação para
resolver problemas imaginários – tais como a gestão de um porto de containers,
escavar um túmulo ou resgatar pessoas de um desastre – tudo o que atravessa as
fronteiras das disciplinas tradicionais. Uma abordagem similar, denominada Quest to Learn, está baseada no modo como as
crianças se ensinam a brincar em jogos. Para resolver as complexas tarefas que
lhes são dadas, elas precisam adquirir um monte de informações e competências.
Fazem isso com a excitação e tenacidade de verdadeiros jogadores.
A
abordagem Reggio
Emilia, desenvolvida na Itália, permite às crianças desenvolver seu próprio
curriculum, com base naquilo que mais lhes interessa, desvendando os assuntos
que encontram pelo caminho com a ajuda de seus professores. As escolas Ashoka Changemaker tratam
a empatia como
uma “capacidade fundamental, ao lado da leitura e da matemática”, e a usam para
desenvolver um tipo de colaboração aberta e fluida que, acreditam, será a
aptidão chave do século 21.
A
primeira escola multirracial da Africa do Sul, Woodmead,
desenvolveu um método inteiramente democrático de ensino, cujas regras e
disciplina eram supervisionadas por um conselho de estudantes. Seu programa de
estudos integrados, como o novo sistema da
Finlândia, inutilizou matérias tradicionais em favor da exploração, pelos
estudantes, de temas como ouro, ou relacionamentos, ou o oceano. Entre seus alunos
estão alguns dos principais pensadores, políticos e empresários da África do
Sul.
Em
países como a Grã Bretanha, os Estados Unidos e o Brasil, tais programas são
bem sucedidos a despeito, e não por causa do sistema. Se esses governos
estivessem preocupados em garantir que as crianças achassem o ensino difícil e
doloroso, não poderiam ter feito um trabalho melhor. Sim, vamos praticar um
pouco de engenharia social. Vamos projetar nossos filhos para fora da fábrica e
para dentro do mundo real.
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