Autoridade
Tributária admite ter várias ações em curso resultantes das revelações dos
“Panama Papers”
Passou-se
um ano. Em abril de 2016 uma das maiores fugas de informação de sempre revelava
algumas das dezenas de milhares de empresas criadas no Panamá pela firma
Mossack Fonseca, tendo como beneficiários clientes em todo o mundo, incluindo
Portugal. O então primeiro-ministro islandês, Sigmundur Gunnlaugsson, caiu após
saber-se que tinha ocultado no seu registo de interesses um offshore comprado à
Mossack em 2007. E em Portugal? Dezenas de cidadãos nacionais tinham interesses
naquele paraíso fiscal. E?
O
Expresso questionou o Ministério das Finanças sobre se a Autoridade Tributária
realizou, a partir das revelações dos “Panama Papers”, diligências sobre
cidadãos com residência fiscal no nosso país. A resposta é afirmativa. “Dos
estudos efetuados foram estabelecidos graus de prioridade para atuação,
encontrando-se atualmente em curso várias ações junto de sujeitos passivos
nacionais”, afirma o Ministério das Finanças.
As
Finanças não fornecem pormenores sobre quem está a ser investigado nem sobre o
número de casos. Mas confirmam que persistem dúvidas sobre a situação fiscal de
alguns dos implicados. “Desde as primeiras notícias vindas a público, há cerca
de um ano, sobre a existência de um esquema de facilitação de situações de
evasão fiscal e eventual fraude, através do recurso à constituição de
sociedades offshore, e envolvendo sujeitos passivos de várias nacionalidades,
que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem desenvolvido um trabalho de
pesquisa e análise, incidente sobre um conjunto de indivíduos ligados a
Portugal”, explica o Ministério das Finanças.
Um
dos casos que o Expresso investigou nos “Panama Papers” foi o chamado “saco
azul” do Grupo Espírito Santo, um esquema de distribuição de benefícios através
de sociedades offshore, como a Espírito Santo Enterprises, que veio a estar no
centro da ‘Operação Marquês’ e das suspeitas de corrupção que pendem sobre o
antigo primeiro-ministro José Sócrates.
Noutros
países, as administrações tributárias têm estado igualmente a inspecionar
contribuintes referidos nos “Panama Papers”. Em França, revelou esta semana o
jornal “Le Monde”, as autoridades identificaram 415 clientes da Mossack Fonseca
em situação de possível fraude fiscal. No Panamá, em fevereiro foram detidos
Jürgen Mossack e Rámon Fonseca, acusados de branqueamento de capitais.
Em
Portugal a AT tem trabalhado com base na informação disponibilizada pelo ICIJ
(o consórcio internacional de jornalistas de investigação que trabalhou os
dados obtidos pelo jornal alemão “Süddeutsche Zeitung”). A AT cruzou essa
informação com as suas bases de dados e tem recorrido a troca de informação
obtida de outras jurisdições envolvidas no grupo de trabalho da plataforma
Joint International Task Force on Shared Intelligence and Collaboration, da
OCDE, a que Portugal aderiu em maio de 2016.
O
CETICISMO
Recuemos
então a 2016. Dois dias após as primeiras revelações dos “Panama Papers”, o
Parlamento português debate o tema, a pedido do Bloco de Esquerda. Na
intervenção inicial, a deputada Mariana Mortágua joga ao ataque. “Milionários,
jogadores de futebol, políticos, estrelas de cinema, prestigiados bancos,
traficantes, terroristas ou simples e respeitados homens de negócios, todos
eles se encontram no Panamá, nas Baamas ou nas ilhas Caimão, mas também na
Suíça, no Luxemburgo ou na ilha da Madeira. Todos com o mesmo objetivo: fugir
aos impostos e à lei”, afirma a parlamentar do Bloco. E prossegue: “Neste
sistema paralelo de segredo bancário, de empresas fictícias e de
contas-fantasmas não há distinção entre o bem e o mal, não há distinção entre o
que é moral e o que é imoral”.
Um
ano volvido, como olham os deputados portugueses para os “Panama Papers”?
Mariana Mortágua admite que os trabalhos nos media sobre offshores têm
transformado a consciência coletiva, mas nota que “o problema não está a ser
resolvido”. “Tenho alguma esperança de que a pressão social obrigue a que
alguma coisa vá sendo feita”, diz ainda Mariana Mortágua, lamentando, todavia,
que a publicação dos “Panama Papers” não tenha ido mais longe na informação
revelada aos portugueses.
O
deputado comunista Miguel Tiago acentua a crítica. Afirma que o dossiê dos
“Panama Papers” “não passou de um flop”. “Foi mais um evento mediático que teve
uma tremenda cobertura global e que acabou por não ter nenhuma consequência”,
comenta o deputado do PCP.
Já
o deputado Eurico Brilhante Dias sublinha que “a generalidade dos cidadãos e
políticos está muito mais sensibilizada e alerta em relação às questões dos
offshores”. O parlamentar do PS acredita que investigações como os “Panama
Papers” e “LuxLeaks” são “um ganho” por deixarem a sociedade mais alerta para a
problemática da ocultação de fluxos financeiros.
COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL
Eurico
Brilhante Dias está ciente de que tem de haver cooperação política
internacional. “A solução tem de ter uma base multilateral”, reconhece. Mas,
admite, “este é um tema muito difícil, porque há Estados-membros que vivem
disso [regimes fiscais especiais]”.
O
eurodeputado Nuno Melo, do CDS, por seu turno, afirma que os “Panama Papers”
criaram uma expectativa que depois não teve grandes consequências. Nuno Melo
concede que aquele dossiê teve o mérito de “relançar a necessidade de um
trabalho legislativo” sobre o tema dos offshores, mas assume estar “muito
cético” quanto à capacidade do Parlamento Europeu de convencer os envolvidos
nos “Panama Papers” a falarem dos seus casos.
Para
já, a comissão de inquérito do PE sobre evasão fiscal prevê ouvir em setembro o
empresário português Jorge Mendes e o presidente da FIFA, Gianni Infantino, a
propósito das revelações da investigação “Football Leaks”.
Nuno Melo quer ouvir na referida comissão o secretário de Estado português dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, sobre a recente polémica em torno das estatísticas das transferências de dinheiro de Portugal para o Panamá. E a eurodeputada Ana Gomes já revelou que a missão que a comissão de inquérito realizará a Portugal (ainda sem data marcada) deverá ouvir antigos ministros das Finanças.
Miguel
Prado - Expresso
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