Martinho Júnior | Luanda
1-
As espectativas africanas em relação à paz em pleno século XXI, não são neste
momento as dominantes em África, por que o agenciamento neocolonial, avassalado
aos expedientes da hegemonia unipolar, típicos da “civilização
judaico-cristãocidental”, obrigam uma parte importante do continente a
mergulhar na barbárie inerente à completa dependência dos interesses inscritos
nessa matriz de domínio no absoluto e nas ramificações derivadas de feição
táctica e tácita.
Os
interesses gerais africanos são contraditórios a esse processo retrógrado, pois
essa matriz para dominar agencia caos, terrorismo, tensões, conflitos e
guerras, assim como toda a espécie de divisionismos, porém só com a paz em
busca de diálogo, de consensos e com participações abrangentes é capaz de
encontrar formas de luta contra o subdesenvolvimento que irão favorecer nos
imensos resgates que há que realizar num continente que é ultraperiférico em
relação à economia global e cujas culturas vegetam fora do que pode e deve ser
aplicado em termos de revolução industrial e da nova revolução tecnológica ao
continente e por conseguinte obriga-o a ocupar a cauda dos Índices de
Desenvolvimento Humano.
As
confluências no sentido da paz encontram-se em vias de consolidação na África
Austral, até por que a África do Sul é o expoente maior da aplicação dos termos
da revolução industrial e da nova revolução tecnológica e o único membro
africano nos BRICS, alimentando uma visão de África abrindo-se do cone sul à
amplidão do Sahel…
A
África do Sul deve no entanto abandonar as formas elitistas de pensamento e
acção estimuladas desde o fim do século XIX desde logo por via de Cecil John
Rhodes, formas elitistas eminentemente anglo-saxónicas, que têm vindo a
suplantar o seu próprio processo multicultural extensivos, algo que implica
alterações muito sensíveis no carácter da sua sociedade, dos expedientes
produtivos da sua economia e dos processos sócio-políticos inerentes.
A
SADC é uma “via aberta” que poderá influir no abandono progressivo
dos termos da inteligência elitista enquanto expediente de supremacia
sócio-política, pois o peso da multiculturalidade nesse espaço obriga ao “win-win”,
ao diálogo, à incessante busca de consensos e à participação cada vez mais
alargada, que caracteriza a multipolaridade que é factor integrante da
expressão da globalização inclusiva.
Uma
África do Sul capaz de intensificar alterações culturais internas tão
importantes, irá reforçar a paz na África Austral e reforçar nesse sentido o
papel de Angola como um sério agente de paz em relação às tensões a norte e
nordeste do seu território (Golfo da Guiné, África Ocidental, África Central e
Grandes Lagos), tensões estimuladas pelos vínculos da hegemonia unipolar,
típicos da “civilização judaico-cristão cidental”, cronicamente capaz de
rapina e de instauração de processos de vassalagem agora sob conteúdos
implicados em conceitos neoliberais e neocoloniais.
Por
outro lado, há ainda insuficiências gritantes na estruturação e conjugação de
esforços em relação a duas bacias: a do Congo e a do Zambeze, que com as do
Níger (África Ocidental) e do Nilo (África do Leste), constituem as 4 bacias
decisivas do interior de África, conjuntamente com os Grandes Lagos.
O
rio Congo tem um comprimento de 4.667 km e a sua bacia cobre uma área de 3.680.000
km2, enquanto o rio Zambeze tem uma extensão de 2.574 km e sua bacia uma área
de 1.390.000 km2.
Precisam-se
urgentemente vitalizar as “Congo Basin Initiative” e a “Zambezi
Basin Initiative”enquanto iniciativas aglutinadoras que reforçarão as
geoestratégias da paz na periferia norte do espaço físico-geográfico da SADC em
direcção aos Grandes Lagos (onde nasce a bacia do Nilo), conjugando todos os
esforços no cômputo do conjunto.
2-
A norte do continente só o Egipto se apresta a estimular uma cultura
perseguindo a lógica com sentido de vida e em busca de paz, ultrapassada que
foi a crise da “primavera árabe”, mas em luta contra suas sequelas, (dando
combate ao Estado Islâmico emanação dos Irmãos Muçulmanos, no Sinai e em todas
as “transversalidades” do seu complexo corpo social).
Os
cristãos coptas do Egipto têm sido ultimamente vítimas das acções terroristas
do Estado islâmico, que actua a partir do leste da Líbia.
Berço
duma civilização milenária que tem no vale do rio Nilo (nascido nos Grandes
Lagos) um eixo antropológico e físico-geográfico exponencial, o Egipto moderno
é incontornável para as realizações do único projecto digno do século XXI: o “Belt
and Road”, ramal africano:
-
Pelo Canal do Suez transita uma das mais frequentadas “rotas da seda” marítimas
entre a costa do Pacífico chinesa e o Atlântico (Europa Ocidental e Estados
Unidos) via Índico-Mar Vermelho-Mediterrâneo; o Canal de Suez continua suas
obras de melhoramento com vista a possibilitar serviços a navios com maior
calado e capacidade de transporte;
-
Pela sua posição geoestratégica o Egipto é incontornável para uma deriva para
dentro de África do “Belt and road” terrestre, capaz de alimentar um sonho
secular, a ligação do meridiano do Cabo ao Cairo, desta feita por via
multipolar e no quadro duma globalização inclusiva, já que antes, mesmo com as
capacidades da revolução industrial acrescidas das capacidades da nova
revolução tecnológica, as inteligências elitistas que potenciaram a hegemonia
unipolar a partir das culturas anglo-saxónicas conforme Cecil John Rhodes, pelo
seu carácter não o permitiram, apesar do lúcido enunciado geoestratégico que
propuseram na sua visão vanguardista;
-
Por via da “Nile Basin Initiative”, que reúne para além do Egipto os
países da maior bacia hidrográfica em comprimento de África (o mais comprido
rio do mundo, com 6.853 km e uma bacia com 3.400.000 km2 de área total), como o
Sudão, o Sudão do Sul, o Uganda, o Quénia, o Ruanda, o Burundi, a Etiópia, a
Tanzânia e a RDC, é o Egipto que pode estimular as políticas de paz em
conjugação com a África Austral e com Angola na parte norte da “Belt and
road” que vai do Cairo ao Cabo, apesar da aguda crise no Sudão do Sul;
-
Pelo potenciamento da luta contra as correntes simultaneamente estimuladas
desde o colonialismo britânico e francês, crónicos aliados das monarquias
arábicas wahabitas-sunitas que ficam a leste do seu território, correntes que
tendo origem nos Irmãos Muçulmanos, derivam para o caos e o terrorismo dos
fundamentalistas conforme o exemplo do Estado Islâmico; nesse sentido o Egipto
permite consolidar as linhas da “rota da seda” para dentro de África,
que vençam o espaço de ninguém do Sahel e confluam em direcção ao potenciamento
da paz na África austral.
Essa
posição privilegiada do Egipto no âmbito da “Nile Basim Initiative” joga
também em contraste com o domínio da “FrançAfrique” sobre o paralelo
e meridiano da bacia do Níger, no espaço ocidental de África.
O
Egipto está assim claramente identificado como um aliado das aspirações da
África Austral (espaço SADC, desde que potenciando a “Congo Basin
Initiative” e a “Zambezi Basin Initiative”), confluente nos
interesses do “Belt and road” do Cairo ao Cabo e como uma potência
africana capaz de inscrever suas capacidades no contrabalanço aos processos da
hegemonia unipolar neste momento dominantes na África do Oeste (Marrocos como “correia
de transmissão”) e no Sahel, que são também correntemente dominantes nas instituições
da União Africana.
Os
países da África Austral ciosos de paz e de desenvolvimento numa trilha de
multipolaridade motivada pela luta contra o subdesenvolvimento, devem
incrementar relações e esforços com o Egipto que, por via do eixo do meridiano
do curso do Nilo e apesar do pântano de crises no Sudão, pode tornar-se um
factor em reforço dos estímulos de paz pelo menos na direcção dos Grandes
Lagos, do Sudão do Sul, da República Centro Africana e da RDC, conjugando
esforços com Angola sustentada pela África do Sul e pelos restantes componentes
da África Austral.
Em
relação a África a globalização emergente e inclusiva deve criar assim a sua
visão geoestratégica, aprendendo com o elitismo aplicado ao pensamento
originado por Cecil John Rhodes, mas introduzindo os seus próprios e complexos
relacionamentos sócio-culturais abertos à busca de consensos, à busca de
diálogo e motivados pelas políticas económicas do “win-win”, capazes de
estabelecer plataformas que vençam letargias, atrasos, dependências e o
neocolonialismo de rapina que avassala o corpo inerte de África, imposto
sobretudo pela“civilização judaico-cristã ocidental”, como se ainda
estivéssemos no tempo das cruzadas!
Ilustrações:
A água interior de África (4 principais bacias hidrográficas e os Grandes
Lagos); Bacia do Nilo (componentes da “Nile Basin Initiative”); Bacia do
Congo (componentes da “Congo Basin Initiative”); Bacia do Zambeze
(componentes da “Zambezi Basin Initiative”)
Sem comentários:
Enviar um comentário