Luis
Alberto Ferreira | Jornal de Angola | opinião
A
situação artificial-criminosa que involucra a Venezuela destes dias mercadeja
abundância de pano para mangas.
Cuidemos
de arregaçá-las sem poupar na fazenda. História velhíssima: o colono e o
esclavagista contam sempre com os seus descendentes para a reincidência e o
regresso ao lugar do crime. Assim, na América Latina, da Colômbia ao México, da
Venezuela ao Chile, do Perú ao Equador, da Argentina à Bolívia ou às Honduras,
as “veias” de que nos falava o já malogrado Eduardo Galeano continuam
“abertas”. Expurgar esses países da tumorosa influência dos descendentes da
“Conquista” é o dramático e complexo desafio colocado às grandes maiorias
populacionais. Sabem-no os sobreviventes do massacre em Mato Grosso, no Brasil,
onde a lei dos senhores do latifúndio – descendentes de espanhóis, alemães,
portugueses, italianos, holandeses –tripudia sobre azinhagas e rodovias de todas
as impunidades: pistoleiros ou “jagunços” contratados, governadores e
presidentes municipais corruptos e opressores, açambarcamento copioso de
terras, florestas, de toda a classe de recursos naturais. Sabem-no os
familiares dos 43 estudantes mexicanos de Ayotzinapa “desaparecidos” em 2015
num quadro indescritível de “desinteresse” das “autoridades” nacionais e
regionais. Ou os resistentes da etnia mapuche, no Chile, desde os tempos da
“colónia” e de Augusto Pinochet fustigados pelo racismo e pela prepotência de
quem pode e manda. Ou as mulheres que, nas Honduras, não desistem de gritar na
praça pública a sua revolta pelo assassinato, há dois anos, de Berta Cáceres,
activista social e defensora dos recursos naturais em zonas de maioria
indígena.
No entanto, o mais actual, o mais premente em toda esta cadeia de despautérios é a ingerência na América Latina dos países europeus que ali deixaram descendência com poderes ilimitados – nos governos centrais, regionais e municipais, nos partidos políticos, no ensino, na economia, no emprego, na saúde. A Venezuela é de facto, agora, o alvo a abater. Contra a Venezuela, a partir de Madrid e do manobrismo do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), funciona a mais tenebrosa, a mais infamante campanha de sabotagem, violência organizada, desmantelamento subterrâneo das estruturas financeiras e comerciais. É a réplica desbragada aos resultados sociais da Revolução Bolivariana. É a vingança “extemporânea” que não puderam praticar na pessoa física de Hugo Chávez. A partir de cujo falecimento estalou, no país– e em jornais de Espanha e Portugal–uma tortuosa vaga de “argumentos” restauracionistas.
Neocolonialismo e neoliberalismo, num mesmíssimo tabuleiro, movidos pela
mesmíssima sanha infrene contra a Revolução Bolivariana. Este género de massa
cinzenta desconhece a aritmética da História e das Novas Realidades. Logo, no
seu discernir cabe a ideia de que na América Latina, como em África, nada
deveria mudar. O neofranquista espanhol Felipe González, arrastando os pés num
espectáculo lastimoso de decadência física e intelectual enquanto, no aeroporto
de Caracas, recebia abraços da parentela de fascistas “venezuelanos” como
Enrique Capriles, Leopoldo López, Julio Borges e Richard Blanco, subsistirá
para sempre como imagem das várias indignidades do seu campo ideológico. Seis
mortos e vandalismo bestializado contrahospitais materno-infantis, bibliotecas
públicas, clínicas, centros de abastecimento da população (CLAP), escolas e
outros organismos da capital venezuelana (prejuízos avaliados em 50 mil milhões
de bolívares), são o retrato-síntese da actuação dos pistoleiros e vadios que
desde a ascensão do chavismorecebem das “democracias” ibéricas o nominativo de
“oposição democrática”. Na Venezuela, os CLAP (centros de abastecimento da
população) respondem à crueza das inúmeras sabotagens internas e externas
apontadas à desestabilização do país e tendo como objectivo supremo o derrube
de Nicolás Maduro e a “ascensão” ao poder do fascista Caprilese do partido “Primeiro
Justiça”, designação que sobreleva os limites do cómico e do absurdo.
O arrepiante, nesta farsa, é que alguns dos criminosos detidos confessaram ter sido “pagos” pelos cabecilhas do “Primeiro Justiça” para agirem como franco-atiradores terroristas e causarem o caos por meio de saqueios e incêndios em Caracas e noutros centros urbanos da Venezuela. Uma vez mais, o Exército e a Milícia Nacional Bolivariana optaram por não recorrer ao extremismo. (Mais de 300 polícias e militares foram assassinados, na Venezuela, nos últimos dois anos, por “esquadrões da morte” sustentados pela direita política e empresarial). Reconheça-se que a tolerância, da parte do regime, das Forças Armadas em particular, vem sendo incomensurável e sem precedentes na Venezuela e na turbulenta história das “Veias Abertas da América Latina”.
Não é essa a interpretação do “submarino” que neste momento ocupa na Organização dos Estados Americanos (OEA) o cargo de secretário-geral. Tão pouco de um sector da Igreja católica venezuelana que, agora mesmo, promove o regresso ao colaboracionismo que noutros tempos deu origem a milhares de mortos nas ruas e em prisões e campos de concentração. O diário “El País”, familiarizado em Espanha com a impunidade neofranquista, não hesita, contudo, em “festejar” a muito recente “reabertura” de Cuba à instauração de um paradigma mais favorável às apetências comerciais da Espanha.
Quando da visita de Barack Obama a Havana, o “perigo” concorrencial de futuras trocas comerciais Washington-Havana fez repicar em Espanha os sinos do alerta empresarial. Madrid acha interessante, agora, um investimento de 275 milhões em “projectos comuns” Espanha-Cuba! Amanhã, fará o mesmo na Venezuela. Por agora, a “doutrina” é chamar “oposição democrática” aos arruaceiros e aos franco-atiradores camuflados em janelas e terraços do centro de Caracas...
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