terça-feira, 11 de julho de 2017

ALÔ, ALÔ | Portugal Telecom: tragédia com seis capítulos e um fim em aberto



Mariana Mortágua | Jornal de Notícias, opinião

Se fosse preciso escolher uma empresa para contar a história do capitalismo português, seria a Portugal Telecom (PT). A trama é intensa, os suspeitos são os do costume, e o final, ainda em aberto, já é trágico. A história começa pelos anos 90 e introduz-se, simbolicamente, com José Penedos, do Governo Guterres, a dizer, orgulhoso, "por cada empresa que privatizo, abro uma garrafa de champanhe".

Capítulo primeiro: "Os centros de decisão nacional". O Governo esforça-se para atrair investidores nacionais, sendo o maior o Grupo Espírito Santo.

Capítulo segundo: "A loucura da Bolsa". Belmiro de Azevedo lança-se numa tentativa de compra hostil, com o plano de fundir a Optimus com a TMN. Os acionistas dividem-se, mas acabam por impedir a operação, com apoio do BES e também do Governo de Sócrates.

Capítulo terceiro: "A descapitalização". A PT paga o apoio contra a venda com dividendos chorudos e instrumentalizações políticas.

Capítulo quarto: "O supergestor". Zeinal Bava, estrela em ascensão, apresenta ao país os maiores negócios do século: a venda da brasileira Vivo por uma fortuna e a gigantesca fusão da PT com a brasileira Oi.

Neste ponto paramos para introduzir uma outra personagem - a Comissão Europeia - que, em 2011, pressionou Vítor Gaspar para vender a última participação do Estado na PT.

No capítulo cinco - "A crise" - tudo complica. Os acionistas nacionais tinham canibalizado a empresa. O BES cai e a PT perde todo o dinheiro que tinha emprestado ao seu acionista. A Oi aproveita para ganhar poder e anuncia que vai vender a PT Portugal à Altice. O Governo de Passos Coelho podia ter travado a venda, usando a participação do Novo Banco, mas não o fez.

Capítulo sexto - "Os fundos abutre". É aqui que estamos. A Altice, para além de acabar com as marcas Portugal Telecom e Meo, dedica-se agora a uma operação de razia de direitos laborais, com o objetivo de expulsar centenas de pessoas. Para isso ficciona "transmissões de estabelecimento", ou seja, envia trabalhadores para empresas falidas, alegando depois que não pode pagar as indemnizações. É a selvajaria total.

Ainda sem fim, história da PT já é uma tragédia, enredada nas mentiras da nossa economia, das privatizações à mistificação dos "investidores externos". Estamos a tempo, no entanto, de travar esta afronta da Altice e impedir o despedimento fraudulento. Não será um final feliz, mas terá, pelo menos, dignidade.

* Deputada do BE

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