Manuel
Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião
O
verão é um período de poucas notícias, mas este ano não está a ser o caso. Há
um denso noticiário em torno de tragédias, com realce para a dos fogos
florestais, temos mais lutas sociais dando origem a algumas notícias e é ainda
significativo o espaço especulativo a propósito de alguns processos judiciais.
No entanto, o debate político que acompanha a agenda noticiosa revela-se muito
pobre, o que não afiança nada de bom para o futuro próximo.
Os
partidos da Direita, atolados num pântano malcheiroso, atiram lama em todas as
direções. Tendo optado por terem como programa político a mera aplicação da
cartilha neoliberal reinante, para estes partidos Portugal é apenas mais um
espaço para prolongamento desses interesses, fator que aprofunda o seu
distanciamento face às realidades concretas que aqui se vivem. O caso da lista
de vítimas em Pedrógão Grande ilustra tristemente esse vazio e mostra que
daquela banda não virá qualquer contributo sério, neste caso sobre o que é
urgente fazer no que toca à floresta nacional, ao ordenamento do território e
ao combate aos incêndios.
As
lutas sociais latentes ou em curso, a baixa qualidade do emprego e das
retribuições, a discussão estruturante sobre o próximo Orçamento do Estado ou o
debate sobre a posição do país na UE não merecem à Direita mais do que
negligência, aqui e ali salpicada por pronunciamentos de oportunismo político.
A Direita entregou-se à chicana política, fazendo uso de quaisquer armas de
arremesso e apoiando-se em alguns grandes meios da comunicação social que, sem
escrúpulos, se alimentam do alarme social.
O
arrastar da política para o patamar da lama pode ter efeitos espúrios vários:
i) enfraquece a democracia ao acentuar a sua descredibilização e ao não trazer
conteúdos para o debate das ideias e para a formulação de propostas; ii) amplia
no Partido Socialista (PS) a ideia de que, a este, basta o Governo ir gerindo a
situação para ter garantida a continuidade no poder, o que pode matar mudanças
de políticas tenuemente iniciadas em algumas áreas; iii) coloca dificuldades
acrescidas aos partidos da Esquerda que dão apoio parlamentar ao Governo,
porque estes têm de ser ofensivos face à Direita, mas não podem pactuar com um
PS acomodado.
O
atual Governo, perante um debate político concentrado na "espuma dos
dias" que emerge de uma agenda de retrocesso económico e social e de
esvaziamento de valores, se optar por empurrar os problemas com a barriga,
deixará atrás de si verdadeiros alçapões que poderão transformar-se em
perigosas armadilhas para os trabalhadores, para a maioria dos portugueses e
para o país.
Por
exemplo, o caso "Altice" reproduz-se, mesmo que parcelarmente, em
muitas outras empresas, e perante isso não pode haver silêncios. São muito
importantes as inspeções da Autoridade das Condições de Trabalho, instituição
de grande mérito mas com crónica falta de meios, contudo os seus
pronunciamentos não são decisões de tribunais transitadas em julgado, ou seja,
o efeito da sua ação (importante) pode chegar quando o emprego e os direitos de
quem trabalha já foram cilindrados. A incapacidade de agir sobre estas
situações alia-se, de facto, a uma vontade fortemente impulsionada por Bruxelas
que vai no sentido de compatibilizar a legislação laboral com essas subversões
das relações de trabalho e não de se fazerem os ajustamentos - talvez bem
pequenos se cirúrgicos e acompanhados por sinais motivadores - para dar combate
eficaz às precariedades e promover a negociação coletiva.
Por
outro lado, a justiça é ela própria um grande alçapão, se continuar prisioneira
de uma enorme desconexão entre o estardalhaço na comunicação social provocado
pelo início de alguns processos e o que fica no final desses mesmos processos.
Esta realidade tolhe a sociedade e contribui para a secundarização do trabalho
na justiça.
O
Governo tem que ser coerente com a sua plataforma política. Cometerá um erro
estratégico grave se no próximo Orçamento do Estado inscrever compromissos
limitadores por longo tempo da reposição de direitos, da criação de emprego
digno, da requalificação de emprego e da melhoria dos salários. Há condições
para o desenvolvimento, haja coragem e bom senso.
*
Investigador e professor universitário
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