Há pouco mais de um ano, o
mercado dos media foi tomado pelo sobressalto do anúncio da intenção
da multinacional de origem francesa Altice de adquirir o importante grupo Media
Capital e, muito especialmente, a estação de televisão TVI, a produtora de conteúdos
Plural e o respectivo grupo de rádios, de grande audiência.
Alfredo Maia | AbrilAbril |
opinião
Por um lado, o grupo espanhol
Prisa, proprietário do «diário global» El País e da Cadena SER,
nomeadamente, necessitava de resolver a pesada dívida acumulada com vários
investimentos, entre os quais se inclui, precisamente, a aquisição da Media
Capital, entre outras empresas do portefólio da sua expansão internacional.
Por outro lado, a Altice, que tem
feito sucessivos investimentos na infra-estrutura de telecomunicações, Internet
e meios de comunicação social em França, Estados Unidos, República Dominicana e
Israel, bem como em Portugal, com a compra da Portugal Telecom, anseia por
possuir conteúdos para a rentabilizar, ao mesmo tempo que somaria um poder de
influência no espaço público que nenhum outro operador possui e que
representaria uma ameaça muito grave para as garantias constitucionais de não
concentração e de diversidade informativa.
Ao longo de 2017, o negócio,
anunciado em meados de Agosto como cifrado em 440 milhões de euros, despertou
vigilância e preocupação. Entre os motivos, estão a concentração manifestamente
excessiva da capacidade de recolher, tratar e difundir informação e
entretenimento, isto é, de condicionar o pluralismo e de formatar as opiniões,
mas também do controlo do próprio mercado publicitário, como analisa a Entidade
Reguladora para a Comunicação Social (ERC), num parecer que não chega a ser um parecer, pelo menos com
decisão assumida, para o bem e para o mal, pelo Conselho Regulador.
A consumar-se, o negócio
permitirá à Altice somar à sua importante colecção de meios (PT, Meo, portal
Sapo e TDT) todos os canais da TVI (um generalista, em sinal aberto, e cinco
por cabo), as estações de rádio com enorme penetração e audiência Radio Comercial,
M80, Cidade, SmoothFM e VodafoneFM, o portal IOL, a produção de conteúdos, a
edição musical e eventos e operações no mercado publicitário. Não está sequer
descartada a hipótese de aquisição de jornais e outras publicações periódicas.
Trata-se de replicar em Portugal
um modelo com lastro preocupante, nomeadamente em França, onde a Altice Media
detém meios como a revista L’Express, o jornal Libération e duas
dezenas de rádios e de canais de televisão (vários da BFM TV e da Sport) –
todos também presentes na Internet, através de portais que controla igualmente.
Para construir este império, as
dívidas contraídas para a acumulação de investimentos ascendem à preocupante soma de 50 mil milhões de euros, que pelos
vistos traz intranquilos os banqueiros, com um volume de crédito tão
significativo.
Mas estão também as práticas
laborais do grupo, com o fito de reduzir custos de produção e potenciar mais
lucros, de que são exemplos os despedimentos e os «emagrecimentos» forçados
nomeadamente na PT, com o recurso a truques como a transmissão de estabelecimentos.
Face à clivagem do fragilizado
Conselho Regulador da ERC, que inviabilizou um pronunciamento formal sobre uma
matéria da sua competência, mas que, apesar de tudo, produziu um quase
parecer elucidativo sobre a avaliação dos riscos da compra e da concentração
para o pluralismo, aguarda-se com grande expectativa o desfecho que a
Autoridade da Concorrência dará ao assunto, assim como a resposta dos restantes
operadores de telecomunicações e de televisão e grupos de media, que se têm
manifestado contra esta operação de concentração.
Há quem avente uma aliança entre
a NOS e o grupo Impresa (SIC, Expresso, etc.), levando a uma operação
semelhante…
A resposta, no entanto, não pode
deixar de ser dada pelos poderes públicos e até pelo poder político, sendo necessário
colocar na ordem do dia a necessidade de travar as operações de concentração em
curso e o sobretudo o regresso da Portugal Telecom ao controlo público, esfera
da qual nunca deveria ter saído.
Um papel decisivo deve caber ao
novo Conselho Regulador da ERC, finalmente empossado no passado dia 14, ao cabo
de um atribulado e comprometedor processo de nomeação, pela Assembleia da
República, dos membros para o novo mandato, na realidade findo há mais de um
ano (8 de Novembro de 2016) mas artificialmente prolongado, agonizante e
gravemente manietado para tomar decisões que exigissem mais do que o consenso
entre os três sobreviventes (de cinco) a que o órgão estava reduzido.
O atraso comprometedor na escolha
da nova equipa, no âmbito da negociata entre os partidos do arco da maioria
qualificada – o PS e o PSD –, e as embaraçosas votações falhadas no Parlamento,
com o número de votos favoráveis inferiores aos necessários para garantir a
designação de quatro elementos, e, sobretudo, a pugna indecorosa pela
«cooptação» do quinto elemento (na prática, agora reiterada, o presidente), ora
reivindicada pelo PSD, ora reclamada pelo PS, confirmam a captura do processo
pelos dois maiores partidos.
Apesar de a Lei da ERC determinar
que é aos quatro elementos do Conselho Regulador designados pelo Parlamento que
cabe cooptar um quinto membro, devendo os cinco escolher de entre si aquele que
presidirá, novamente a escolha envolveu conversações prévias envolvendo as direcções
das bancadas parlamentares, a fazer fé no Público1, o jornal habitualmente bem
informado sobre os bastidores negociais.
Enquanto a lei não mudar e não se
alterar – para melhor – a composição e a forma de extracção dos membros do
Regulador dos media, o Conselho Regulador e, especialmente, o seu
presidente continuam a carregar um ónus pesado: o de demonstrar que não estão
reféns do poder político que os nomeou, mas também o de resistir às pressões do
poder económico (o patronato dos media). Que existem e não são fantasia de
conspiradores…
Nota: 1.Edição
de 29 de Novembro de 2017
Foto: António Pedro Santos /
Agência Lusa
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