domingo, 24 de dezembro de 2017

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE | Corrupção no seio da Justiça de São Tomé e Príncipe


Presidente do STJ denunciou tentativa de corrupção para reabertura do processo contra cervejeira Rosema. Governo diz que irá apoiar investigações. Dono da fábrica da Rosema, renunciou ao cargo de deputado pelo MLSTP/PSD.

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de São Tomé e Príncipe, Manuel Silva Gomes Cravid, deu - na semana passada - uma conferência de imprensa durante a qual se referiu ao escândalo da cervejeira Rosema, dando conta da tentativa de suborno, com um montante de 100 mil euros, para a reabertura do processo da cervejeira Rosema - entretanto transitado em julgado. As denúncias do juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe são graves.

"Há sensivelmente quinze dias, um dos meus colaboradores teve um ato de tentativa de corrupção, tentando trazer para mim dois envelopes contendo dinheiro, dizendo que era mandado por certas pessoas. Como devem calcular, o processo está a correr nos tribunais. Entretanto eu, ao saber disto, repudiei automaticamente a atitude do meu colaborador  e pedi a ele que devolvesse aquilo que trazia a quem tivesse mandado trazer", revelou Silva Cravid.

Segundo o juiz presidente do STJ, a ação por ele desencadeada não foi bem acolhida em vários quadrantes da sociedade são tomense.

"Há até algumas organizações que se estão a estruturar para fazer manchar a imagem do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Inclusive, algumas organizações que pretendem até sair à rua em manifestação contra o órgão de soberania. Ou seja, francamente, eu começo a pensar que nós, em São Tomé e Príncipe, não estamos vocacionados para termos instituições sérias e pessoas sérias à frente das instituições", criticou.

Reações

O Governo pediu a clarificação da alegada tentativa de corrupção dos magistrados devido ao processo da cervejeira Rosema, que foi reaberto nos tribunais. A fábrica está na posse de Nino Monteiro, deputado do MLSTP/PSD [Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata] - visto como lobista do partido no poder no seio dos sócias-democratas.  O chefe do Governo, Patrice Trovoada, foi peremptório, ao reagir à polémica.

"É um caso que nós queremos acompanhar e dar todos os meios necessários que forem solicitados pelo Ministério Público para que se chegue à verdade", declarou.

Osvaldo Vaz, vice-presidente do MLSTP/PSD, indiciado no caso de suborno de magistrados, demitiu-se do cargo e denunciou a ingerência da Ação Democrática Independente (ADI), partido no poder, nos assuntos internos do partido histórico de São Tomé.

Já António Quintas, um dos membros do grupo de revitalização do MLSTP/PSD, exige a realização de um congresso extraordinário para legitimar uma nova direção para as eleições de 2018.

"O nosso vice-presidente pôs preto no branco essas querelas, trouxe à luz da praça pública, de forma quase formal, uma questão que, no meu ponto de vista, as estruturas do MLSTP devem deitar um olhar analítico sobre esta mensagem do vice-presidente. Porque é alguém que esteve lá e é alguém que mais colabora com esta direção," defendeu.

Mas a ideia parece ter perdido força, depois da reunião do conselho nacional, no passado fim de semana.

Críticas à posição do Governo

Olegário Tiny, jurista e professor universitário, tem outra leitura de todo este processo. 

"No meu entender, o que esta em causa é a arquitetura daquilo que chamo do golpe institucional que está em preparação em STP. Parece haver também a intenção de enfraquecimento do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A seguir, entra o primeiro-ministro em cena, fazendo acusações a fazer referência à suposta máfia, prometendo coisas que não são da sua competência - que vai trazer magistrados inspetores judicias para dizerem Justiça em São Tomé e Príncipe. Isto não é da competência do primeiro-ministro", considerou o jurista.

"Mas o primeiro-ministro esqueceu-se de uma coisa. Porque nessas coisas, lança-se muitas achas e depois esquece-se daquilo que é fundamental. O primeiro-ministro tem contra si - nos tribunais, nomeadamente no Ministério Público – várias queixas, indícios de crimes gravíssimos contra ele, e esqueceu de dizer quando é que vem trazer a público os esclarecimento devidos sobre essas matérias", acrescentou.

Numa altura em que os tribunais vêm a sua credibilidade ferida, o Governo decidiu avançar com medidas concretas: a criação do Tribunal Constitucional.

"O Governo quer a separação [dos poderes], mas advoga-se para a eleição do juiz - que deve ser apontado pela Assembleia Nacional - por maioria simples de votos dos deputados na Assembleia  - o que contraria frontalmente a Constituição da República. A Constituição diz claramente que essa maioria deve ser de dois terços, ou seja, a maioria qualificada", concluiu Olegário Tiny.

Ramusel Graça (São Tomé) | Deutsche Welle

Foto: Tribunal de Justiça em São Tomé

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