domingo, 24 de dezembro de 2017

NATAL DOS SIMPLES - José Afonso


Vamos cantar as janeiras
Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas solteiras

Vamos cantar orvalhadas
Vamos cantar orvalhadas
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas casadas

Vira o vento e muda a sorte
Vira o vento e muda a sorte
Por aqueles olivais perdidos
Foi-se embora o vento norte

Muita neve cai na serra
Muita neve cai na serra
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra

Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza

Já nos cansa esta lonjura
Já nos cansa esta lonjura
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem anda à noite à ventura

 José Afonso

Portugal | SALÁRIO MÍNIMO SEM REGATEIO

Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

O aumento do salário mínimo nacional (SMN) para 580 euros é uma boa e importante notícia para as centenas de milhares de trabalhadores que estão neste escalão de rendimento. A valorização deste mínimo legal é particularmente significativa no quadro de uma recuperação económica e do emprego muito baseada em trabalho precário e mal pago. Por outro lado, o processo expôs comportamentos patronais retrógrados, bem como défices nas instituições de diálogo e negociação.

O SMN está ainda bastante longe de um patamar que possibilite uma sociedade sem trabalhadores em situação de pobreza, contudo é de importância cimeira para quem chega com dificuldade ao final do mês. Abrangendo hoje mais de 700 mil trabalhadores, representa menos de 11% da massa salarial global do país, mas tem contribuído para a diminuição das desigualdades salariais e da pobreza, desde logo a pobreza infantil. Se não existisse um SMN com um mínimo de dignidade teríamos muito mais crianças pobres, já que a sua condição depende fundamentalmente dos rendimentos dos seus pais e famílias.

Fundamentalistas que reduzem todos os direitos a produtos de mercado e a economia ao funcionamento das curvas da oferta e da procura - as "cassandras" que gritavam contra a atualização do SMN porque provocaria perda de competitividade, empresas sufocadas e aumento do desemprego -, calam-se hoje perante a falácia dos seus argumentos.

Ao contrário do que aconteceu nos dois últimos anos, desta vez não houve acordo em sede da Comissão Permanente da Concertação Social (CPCS), facto que causaria perplexidade se fossem sérias as afirmações bondosas de certos patrões, quando dizem que também gostavam muito de poder pagar mais. Porque é que as confederações patronais - num momento que veem os excedentes brutos de exploração a crescer e há o consenso de que as empresas não devem persistir em políticas de baixos salários e trabalho pouco qualificado se queremos um Portugal desenvolvido - se recusam a contribuir para a dignidade mínima dos trabalhadores e ficam aparentemente a regatear migalhas? A resposta encontra-se em dois factos irrefutáveis: i) a esmagadora maioria dos patrões, mesmo que reconheçam justiça numa proposta vinda dos trabalhadores ou de um governo, se puderem pagar menos é por aí que vão, sendo por isso que o que os trabalhadores e os cidadãos têm hoje, de direitos e dignidade vindos do trabalho, nunca lhes foi oferecido; ii) utilizando a seu favor os enviesamentos do sistema de Concertação Social, as organizações patronais têm sustentado as suas posições numa visão em grande medida parasitária, sobre o que são as negociações entre trabalhadores, patrões e Estado na CPCS, confinando os processos a "trocas de presentes" com o Estado.

Na negociação deste ano, as confederações patronais queriam não só as benesses diretas vindas do Orçamento do Estado, como ainda que o Governo ficasse proibido de qualquer mexida na legislação laboral, sobrepondo escandalosamente o seu poder ao dos órgãos de soberania. A sua recusa do acordo é mau prenúncio para futuras negociações onde as contrapartidas orçamentais estejam ausentes; é sinal de que certos setores patronais retrógrados, embora reconheçam ganhos para a economia vindos do rumo imposto pelo atual Governo e pela maioria parlamentar que o suporta, não estão nada empenhados em modernizar o país e em melhorar a justiça social. A CPCS, já enfraquecida na sua legitimidade em resultado de instrumentalizações nacionais e europeias, corre o risco de esvaziar ainda mais o diálogo social e a negociação - em particular a negociação coletiva - cujo papel é incontornável na regulação das relações laborais.

Impõe-se ao Governo não esquecer a sua legitimidade política. Ele tem de negociar aberta e ofensivamente com todos e respeitar as posições da maioria parlamentar eleita que o sustenta. Só assim foi possível este modesto, mas significativo aumento do SMN, e a reforma do regime de contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores com recibos verdes. Só assim será possível dar vida e eficácia à negociação coletiva, para que não nos tornemos o país onde o salário mínimo é o salário nacional.

* Investigador e professor universitário

Persistem divergências sobre via para acabar com crise política na Guiné-Bissau

Presidente da Guiné-Bissau recebeu representantes dos cinco partidos com assento parlamentar para discutir a implementação de um roteiro para a saída da crise política no país. Desentendimentos persistem.

Na reunião desta quinta-feira (21.12.) esteve em cima da mesa a discussão de um roteiro que o chefe do Estado guineense, José Mário Vaz, desenhou para a saída da crise política que assola o país há mais de dois anos, que levará à implementação do Acordo de Conacri, instrumento patrocinado pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) com o qual se pretende acabar com a crise na Guiné-Bissau.

Mas, os líderes políticos guineenses não se entenderam hoje quanto à proposta de saída da crise política, com uns a criticarem as soluções avançadas pelo chefe do Estado e outros a defenderem-nas. 

À saída do encontro dos cinco partidos representados no Parlamento, o grupo dos 15 deputados expulsos do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), na presença de elementos da sociedade civil e comunidade internacional, foram visíveis as divergências.

A direção do Parlamento também foi representada na audiência, através do primeiro vice-presidente do órgão, Inácio Correia.

Roteiro para a saída da crise?

Os líderes dos partidos PAIGC, Domingos Simões Pereira, do Partido da Convergência Democrática (PCD), Vicente Fernandes, do Partido da Nova Democracia (PND), Iaia Djaló e Agnelo Regala da União para Mudança (UM), foram taxativos nas suas declarações aos jornalistas em como mostraram a José Mário Vaz o seu desacordo com o roteiro. 

Afirmam que o documento é contrário ao espírito do Acordo de Conacri, instrumento patrocinado pelos líderes da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) para saída da crise na Guiné-Bissau.

No essencial, o acordo prevê a nomeação de um primeiro-ministro de consenso dos partidos representados no Parlamento e a confiança do Presidente guineense. 

Os quatro partidos contrários ao roteiro de José Mário Vaz não reconhecem o atual Governo liderado pelo primeiro-ministro, Umaro Sissoco Embaló.

Acordo de Conacri deve ser cumprido

Para Domingos Simões pereira, líder do PAIGC partido vencedor das últimas eleições, mas vedado ao poder diz que não deve haver outro roteiro que não seja o acordo de Conacri. "Nada de especial, ouvimos uma retórica de apresentações que não tem nenhum enquadramento com aquilo que é o Acordo de Conacri e limitamo-nos a lembrar ao senhor Presidente da República que o nosso engajamento é com o acordo e não pode haver roteiro de implementação que contraria o próprio acordo. O PAIGC não reconhece nenhum roteiro que vise essa implementação.

O próprio acordo de Conacri já estabelece um roteiro. Seria completamente inusitado evocar um roteiro para implementar um roteiro". 

Mesma opinião tem o líder do Partido da Nova Democracia (PND), Iaia djaló. "O Acordo de Conacri não passa de um roteiro. O acordo de Bissau é um princípio que levou os políticos a Conacri, daí elaborou-se um acordo. Este documento reflete exatamente um roteiro. Isso que o Presidente nos propõe, não concordamos".

Por seu turno, o líder do Partido da Convergência Democrática (PCD), Vicente Fernandes diz que a proposta do chefe de Estado, foi mais um dito por não dito. "Perante o que assistimos agora, é o Presidente a dar mais uma vez o dito por não dito. Pensamos que isso não passa de mais uma brincadeira do Presidente da República. Uma tentativa para corresponder com o seu programa político tendente a manter o país tal como está. Estamos pouco otimistas quanto ao cumprimento do Acordo de Conacri que é a única saída para a crise na Guiné-Bissau". 

Também Agnelo Regala, líder da União para a Mudança (UM) apontou "o cumprimento integral do Acordo de Conacri como a solução para crise".  Já Inácio correia, primeiro vice-Presidente do Parlamento garante que é impossível a retoma das sessões parlamentares com um Governo ilegítimo. "Pedimos ao Presidente da República que cumpra o acordo de Conacri, que passa necessariamente pela exoneração do primeiro-ministro e a nomeação do novo, porque Assembleia não pode caucionar um Governo inconstitucional". 

Jorge Gomes, da sociedade civil defende a implementação do Acordo de Conacri com vista a minimizar o sofrimento do povo guineense. "Achamos que o Presidente da República deve comprir na íntegra o Acordo de Conacri, porque foi rubricado pelos partidos políticos e o Parlamento. Portanto, este novo roteiro, vai dilatar os prazos, numa altura em que a polução já está cansada e o país precisa sair da situação em que se encontra". 

Do outro lado, o coordenador do grupo dos 15 deputados expulsos do PAIGC, Braima Camará e o representante do Partido da Renovação Social (PRS), Certório Biote, concordaram com o documento e dizem ser "único caminho" para "se acabar, de forma definitiva" com a crise no país.

Recorde-se, que na quarta-feira (20.12.), o Presidente guineense reuniu-se com o mesmo propósito com os partidos sem representação no Parlamento, as confissões religiosas e os líderes tradicionais.

Fátima Tchumá Camará (Bissau), Agência Lusa | em Deutsche Welle

Bissau: "Comunidade internacional deve pressionar para novas eleições"

Em entrevista à DW África, o jornalista guineense António Nhaga diz que, mesmo após a cimeira da CEDEAO, a única saída para a crise em Bissau é a realização de eleições.

O impasse continua a dominar o cenário político da Guiné-Bissau. Mesmo depois da cimeira da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), em Abuja, na Nigéria, que deu um prazo de 30 dias para os atores políticos guineenses aplicarem o Acordo de Conacri, a crise parece não ter evoluído para uma melhora.

Em entrevista à DW África, o diretor-geral do jornal independente O Democrata e bastonário da Ordem dos Jornalistas da Guiné-Bissau, António Nhaga, diz que dificilmente o roteiro proposto pelo Presidente José Mário Vaz – que inclui a reintegração dos 15 deputados do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) – será cumprido pelos políticos guineenses.

"Parece-me que a saída será mesmo as eleições, a única saída", avalia o jornalista que, entretanto, adverte: outro impasse poderá sair desta opção, "porque o coletivo de partidos democráticos não aceitará que este Governo conduza o processo eleitoral".

Nhaga defende que a comunidade internacional deve pressionar para a convocação de eleições no país.

Confira a íntegra da entrevista:

DW África: Após a cimeira da CEDEAO na Nigéria, na qual a comunidade internacional apelou para o fim do impasse político em Bissau, já há desenvolvimentos no cenário político do país?

António Nhaga (AN): Infelizmente não há nenhum desenvolvimento no país. A situação continua estacionária, o país continua dividido politicamente e institucionalmente. Portanto, não há nenhuma evolução palpável e visível. Mas há um pormenor que pode ser analisado, o facto de uma parte [da comitiva da Guiné-Bissau] ainda estar em Abuja, ainda não voltou. Estou-me a referir ao PAIGC e ao movimento dos partidos políticos que está com o PAIGC. Isto prova que, realmente, não vai haver cumprimento do roteiro que o Presidente apresentou em Abuja.

DW África: O Presidente José Mário Vaz vê como saída para a crise a reintegração no PAIGC dos 15 deputados expulsos, o que, no seu ponto de vista, poderia conduzir à nomeação de um novo primeiro-ministro. Concorda com o Presidente?

AN: Esta é uma visão do Presidente da República, que poderia trazer a saída da questão. Também colocaria a questão de o Domingos Simões Pereira aceitar isto, e o PAIGC aceitar isto, para poder haver a saída da crise. Ou seja, se o PAIGC aceitar reintegrar os 15, digamos, será maioria no Parlamento. Não há humildade. Os interesses do Estado não estão a ser vistos. Estão a ser levados em consideração os interesses pessoais. Portanto, eu não acredito que o PAICG aceitará isto, porque seria uma derrota enorme para Domingos Simões Pereira. O cavalo de batalha do PAICG é, exatamente, não reintegrar os 15, respeitando o estatuto do partido. Parece-me que a saída será mesmo as eleições, a única saída.

DW África: Então a saída dessa crise seria realmente a convocação de novas eleições?

AN: É a única saída que há: convocar novas eleições. Esta é a via que estamos a caminhar. Não há outra alternativa, porque não estou a ver, e nem acredito, que o PAIGC vai aceitar isto [a reintegração dos 15 deputados]. O que interessa agora ao povo da Guiné-Bissau é o processo eleitoral, o que ainda vai se discutir muito, porque o coletivo de partidos democráticos não aceitará que este Governo conduza o processo eleitoral. O PAIGC, como partido que é, com a força que tem, e tem militantes no terreno, poderia ir às eleições sem problemas. O PAIGC reúne todas as condições para fiscalizar o processo eleitoral transparente e independente. Portanto, a não ser que queriam criar obstáculos para isto, o que faria o país perder muito tempo. A Guiné-Bissau está praticamente parada em relação à CPLP, a nível da CEDEAO; não estamos a fazer, rigorosamente, nada.

DW África: Você acha que a convocação de eleições vai acontecer através da pressão internacional, ou isto vai partir dos políticos guineenses?

AN: Eu acho que a comunidade internacional deveria pressionar para irmos a um processo eleitoral. Seria uma boa ajuda à Guiné-Bissau, porque outra saída não estou a ver aqui.

DW África: Depois da cimeira da CEDEAO, foi dado um prazo de 30 dias para a aplicação do Acordo de Conacri e a nomeação de um Governo de consenso que, pelo o que você disse, não deve acontecer. Sanções devem ser aplicadas após esse prazo. Algo que já foi proposto outras vezes. Acha que estas sanções vão resultar?

AN: Não, porque quais são as sanções que vão fazer? Imaginemos que a CEDEAO vai dizer ao Presidente Jomav: "você não vai à cimeira da CEDEAO", "você não vai à CPLP". Essas sanções não terão repercussão nas pessoas. Já houve no país sanções de militares e não tiveram impactos nas pessoas. Esquece-se que estas pessoas são os gestores dos bens públicos da Guiné-Bissau, têm sempre a sua vida resolvida. Portanto, não terá nenhum efeito.

DW África: Falamos do cenário político, agora sobre o cenário social: como os guineenses comuns reagem a esta crise política?

AN: Os guineenses, propriamente, não conseguem compreender a situação da crise, porque o país está divido. A verdade é que quem sofre com a crise é o guineense. O país está parado. O guineense não tem água potável, não tem luz. Mas como há discursos divergentes sobre assuntos como os 15, o PAIGC, o PRS, então o país por se dividir. A população guineense ainda não sabe muito bem onde deve estar.

Thiago Melo | Deutsche Welle

CABO VERDE À ESPREITA | A luta sem trégua contra o crime organizado transnacional

A sub-região da África Ocidental está inundada de ameaças ligadas ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, questões que exercem grandes pressões sobre as populações. O continente começou a luta com trinta anos de atraso em relação ao resto do mundo, mas os resultados começam a ser satisfatórios.

“Acho que estamos a ganhar”, diz ao Expresso das Ilhas Buno Nduka, Director de Programas e Projectos do GIABA – Grupo Intergovernamental de Acção Contra o Branqueamento de Dinheiro na África Ocidental – “até ao momento, ninguém conseguiu contabilizar quanto perdemos, mas através de alguns índices já conseguimos saber que estamos a ir bem. Já vemos a luz no final do túnel”.

Optimismo é a palavra usada igualmente por Timothy Melaye, Director de Administração e Finanças do GIABA, “os problemas têm sido corrigidos e quantas mais pessoas estiverem cientes do problema mais conseguimos avançar. Estamos a fazer crescer essa consciência em todas as partes da sociedade”.

É claro que combater o crime transnacional organizado é uma tarefa árdua, complexa e representa um desafio mundial. Afinal, falamos de uma economia subterrânea que atravessa fronteiras. No fundo, o grande esforço é impedir que dinheiro ilícito passe a ser lícito. E antes da lavagem de capitais, existe sempre um delito. Segundo as classificações internacionais, há 21 categorias de ofensas, as que mais prevalecem na África Ocidental são a corrupção e suborno, o tráfico de drogas, o contrabando de produtos e pessoas, a fraude, a contrafacção, a pirataria e o terrorismo.

O Grupo Intergovernamental de Acção contra o Branqueamento de Capitais na África Ocidental (GIABA) foi criado pela Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) no ano de 2000. A criação do GIABA foi uma resposta e uma contribuição da CEDEAO para a luta contra o branqueamento de capitais.

No início a principal área de acção do GIABA era a protecção das economias e dos sistemas financeiros oeste-africanos contra o branqueamento de capitais. Em Janeiro de 2006, os Estatutos foram revistos para reflectir a crescente relação entre o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, após os ataques terroristas nos Estados Unidos da América em 11 de Setembro de 2001. Por essa razão, a luta contra o financiamento do terrorismo foi incluída no mandato do GIABA.

Além de assegurar a adopção de normas contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, de facilitar a adopção e a implementação pelos Estados membros de medidas contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, tendo em conta as peculiaridades e as condições regionais específicas, o GIABA funciona também como um fórum onde os membros podem discutir assuntos de interesse regional e partilhar experiências e organiza auto-avaliações e avaliações mútuas para determinar a eficácia das medidas adoptadas, incluindo a sua conformidade com as normas internacionais aceitáveis.

Ainda este mês, os técnicos do GIABA concluíram a segunda ronda de avaliação mútua em Cabo Verde, cujos resultados só deverão ser conhecidos em Novembro do próximo ano (a complexidade burocrática do processo fez com que os técnicos do GIABA não quisessem comentar os resultados). Mas na primeira avaliação mútua, disponível no site da organização, Cabo Verde estava maioritariamente conforme em 3 recomendações, parcialmente conforme em 17 recomendações e não conforme em 28 recomendações (entretanto, algumas das deficiências detectadas foram sendo corrigidas com uma série de leis e a criação de alguns organismos que têm por objectivo prevenir e reprimir os crimes precedentes à lavagem de capitais).

O âmbito das avaliações consiste em determinar se as leis, os regulamentos e outras medidas exigidas nos termos dos critérios essenciais estão em vigor, se houve uma implementação completa e adequada das medidas necessárias, e se o dispositivo de Luta contra o Branqueamento de Capitais/Combate ao Financiamento do Terrorismo implementado é eficaz.  O país avaliado é classificado consoante a eficácia das medidas aplicadas para detectar, prevenir ou sancionar casos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo.

Quando um Estado signatário não honra os seus compromissos com o GIABA, a Conferência pode, por recomendação do Conselho de Ministros após parecer do Comité, adoptar várias sanções, que vão desde a suspensão de qualquer tipo de assistência, incluindo para os projectos ou programas de assistência em curso, até ao não recrutamento dos seus cidadãos para postos internacionais do Secretariado Administrativo e mesmo à suspensão do direito de voto. Em casos de persistência na não aceitação das recomendações, a organização pode decidir retirar ao país a sua qualidade de membro do GIABA por recomendação do Conselho.

“Na África Ocidental”, explica Buno Nduka, “o GIABA está a esforçar-se para que todos os países cumpram as normas internacionais. Na primeira avaliação, descobrimos demasiados buracos nos nossos sistemas, mas fizemos o que chamamos de abordagem rápida, pedindo aos países para estabelecerem as suas instituições de informação financeira. Quando concluímos a avaliação, todos os nossos membros tinham começando a implementar estas unidades e hoje estas existem em nove dos países membros. Isso tem ajudado na implementação da luta contra a lavagem de dinheiro”.

“A maior preocupação é assegurar que a capacidade fica retida, que aqueles que são treinados continuem no seu trabalho durante bastante tempo para que as instituições ganhem memória e sejam capazes de ajudar os países a evoluir”, sublinha o Director de Programas e Projectos do GIABA.

Um sistema forte de luta contra a lavagem de dinheiro exige um quadro legal apropriado, instituições independentes, um sistema judicial eficiente e íntegro, mecanismos preventivos adequados e um quadro de supervisão que funcione. Mas um dos desafios que a região enfrenta é exactamente o do quadro legal de combate ao branqueamento de capitais, que ainda não funciona em muitos dos países. Os resultados estão à vista, os serviços de educação e de saúde pioram, a pobreza e a corrupção aumentam.

Mas para além de um quadro legal, é preciso também uma revolução mental, como defende Timothy Melaye. “O nível de conhecimento é importante. Muitos pais, inconscientemente, criam caracteres que não são correctos. Se os pais dão dinheiro aos filhos, se os subornam para conseguir o que querem, estão a agir de forma incorrecta. Precisamos de uma mudança de comportamentos e essa mudança tem de ser de todos. Não são apenas os políticos, todas as pessoas têm de mudar. O que estamos a fazer é a construir essa consciência, a transmitir esse conhecimento, para que as pessoas comecem a agir de forma diferente”.

Outra certeza deixada pelo Director de Administração e Finanças do GIABA é que esta luta não é apenas africana, uma vez que não haverá sociedades seguras enquanto não se lutar contra a lavagem de capitais e o financiamento do terrorismo. “O terrorismo está cá, mas esse terrorismo é transnacional. Lembra-te que o edifício das Nações Unidas na Nigéria foi destruído por uma bomba, mas trabalha lá gente de todo o lado. A segurança de um é a segurança de todos. Este problema é global e a perseguição é global, porque a segurança é de todos. Uma bomba que rebenta não sabe quem é branco, quem é negro, quem é cristão, quem é muçulmano, ou quem é ateu. A fome não tem cor nem raça, a fome não tem localização, todas as pessoas que tem fome e sofrem são seres humanos. O propósito é salvar a humanidade”.

E depressa. Até porque, como realçam os responsáveis do GIABA, os criminosos não esperam e têm estado sempre um passo à frente das autoridades.


*Expresso das Ilhas viajou a convite do GIABA

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 838 de 20 de Dezembro de 2017. 

Presidente de Cabo Verde apela à polícia para respeitar os direitos humanos

Numa mensagem alusiva ao Dia Internacional dos Direitos Humanos, que se assinala este domingo (10.12), Jorge Carlos Fonseca alertou para a atuação policial nas esquadras.

O chefe de Estado cabo-verdiano destacou os "reais avanços" do país em matéria de direitos, liberdades e garantias. No entanto, Jorge Carlos Fonseca sublinhou que subsistem "problemas importantes" em segmentos da sociedade e departamentos do Estado.

"No que se refere aos departamentos do Estado, é necessário que determinadas atuações policiais e comportamentos menos adequados em certas esquadras sejam conformes com a lei e os princípios do Estado de direito democrático", afirmou o Presidente de Cabo Verde.

Jorge Carlos Fonseca reconheceu que o combate à criminalidade "muitas vezes é feito em condições humanas e materiais que beiram situações-limite". No entanto, lembrou, os agentes policias devem comportar-se "como verdadeiros representantes desse Estado e de suas leis e princípios".

O chefe de Estado lembrou que em matéria de direitos humanos, as mulheres vítimas de violência doméstica, as crianças, os reclusos, os doentes mentais e os idosos "são camadas da sociedade que necessitam de atenção especial". 

Jorge Carlos Fonseca elogiou algumas das medidas políticas adotadas pelo Governo em matéria de inclusão social, nomeadamente a isenção de pagamento de propinas para os cidadãos com deficiência e a criação de um sistema de proteção social para pessoas com deficiência, que deverá abranger assistência médica, transporte, formação profissional e emprego.

Violência e insegurança

Segundo a presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos e Cidadania (CNDHC), "Cabo Verde tem tido ganhos significativos no que tange aos direitos humanos", mas há "muito mais por fazer, sobretudo, no que respeita à situação da violência e insegurança", disse Zaida Freitas, em declaraçõs à agência cabo-verdiana de notícias Inforpress.

Zaida Freitas destacou também os casos de violência contra crianças e idosos. Cabo Verde depara-se com situações de abandono, negligência e descuido para com os idosos e pessoas com deficiência, alertou a presidente da CNDHC. A fim de combater esses problemas, disse, é preciso exigir mais do Governo, mas também dos cidadãos.

O Dia Mundial dos Direitos Humanos é celebrado anualmente a 10 de dezembro, data em que assinala a proclamação pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Na época teve como objetivo promover a paz após a Segunda Guerra Mundial.

Agência Lusa, null Inforpress, gs | em Deutsche Welle

Na foto: Jorge Carlos Fonseca, Presidente de Cabo Verde 

Guiné Equatorial | OBIANG CONTINUA A ASSASSINAR, CPLP FECHA OS OLHOS

ONG diz que persistem condenações à morte na Guiné Equatorial

A organização EG Justice revelou "violações sistemáticas" dos direitos humanos na Guiné Equatorial, incluindo condenações à morte, apesar da moratória em vigor, e violência contra ativistas e opositores políticos, num relatório apresentado hoje em Madrid.

O relatório sobre direitos humanos em 2016 e 2017, elaborado pela EG Justice, denuncia "sérios abusos e violações de direitos humanos na Guiné Equatorial entre 2016 e 2017, apesar de uma Constituição nacional e de compromissos acordados pelo Governo em fóruns internacionais para proteger e defender os direitos humanos", afirma a organização não-governamental (ONG), fundada pelo advogado equato-guineense pró-direitos humanos Tutu Alicante.

O documento relata que os últimos dois anos foram "marcados por violações sistemáticas dos direitos humanos e pelo agravamento da crise económica, causada pela queda dos preços do petróleo", principal fonte de rendimento do país, com um "impacto profundo nas condições de vida da maioria dos equato-guineenses".

No entanto, a Guiné Equatorial manteve "o maior rendimento nacional bruto per capita em África, estimado em 21 mil milhões de dólares".

A ONG relata que, em setembro de 2017, dois homens acusados de assassinarem um professor, foram condenados com pena de morte, acrescentando que, à data de publicação do seu relatório, "as condenações à morte ainda não se tinham realizado". O documento refere que esta condenação foi inclusive noticiada pela televisão pública, controlada pelo governo.

"Apesar da promessa da sua abolição, e apesar de [o fim da] pena de morte ser condição necessária para se juntar à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a Guiné Equatorial continua a pedir e a impor condenações à morte nos seus procedimentos criminais", refere a EG Justice.

A Guiné Equatorial entrou para a CPLP em julho de 2014 mediante um roteiro de adesão que incluía, entre outras matérias, o fim da pena de morte. Desde então, o Presidente, Teodoro Obiang Nguema, impôs uma moratória sobre a pena máxima, mas a abolição, entretanto aprovada pelas duas câmaras do parlamento, continua a aguardar a ratificação presidencial.

No relatório, a organização dá conta de vários casos de detenções arbitrárias, prolongadas e sem supervisão judicial e de tortura de ativistas e opositores políticos.
Além disso, a EG Justice aponta a continuação de ações de repressão à liberdade de expressão, de reunião e de associação, descrevendo um ataque das "forças de segurança" à sede do partido Cidadãos pela Inovação, em que seis pessoas ficaram feridas com gravidade.

As eleições presidenciais de 2016 -- através das quais Teodoro Obiang se manteve no poder, que ocupa desde 1979 -- e as eleições legislativas de novembro passado "estiveram repletas de irregularidades, fraude, violência e perseguição contra líderes da oposição".

Também os taxistas que realizaram uma greve em maio passado para contestar o aumento do custo das licenças decidido pelo Governo enfrentaram "uma reação severa" do executivo, com "muitos condutores detidos arbitrariamente".

"A corrupção judicial, o poder executivo que controla o poder judicial e a ausência de um quadro legal orientado para proteger os direitos humanos continuam a enfraquecer o Estado de direito", refere.

A "família Obiang mantém um controlo estrito sobre o poder legislativo e o poder judicial", lê-se no documento, que menciona investigações judiciais ao Presidente e familiares em Espanha, Suíça ou França por desvio de fundos públicos e branqueamento de capitais.

Por outro lado, o relatório diz que as condições de vida da população não melhoraram, apesar do aumento do rendimento do país: a educação "continua estancada", com taxas de retenção e abandono escolar elevadas, enquanto a saúde "viu pouco progresso".

"A esperança de vida permanece baixa, as taxas de mortalidade materna e infantil continuam a ser muito altas em comparação com outras nações da região menos desenvolvidas. Quase metade da população vive sem água potável", aponta.

O diretor executivo da EG Justice considera, num comunicado, que é "um dever cívico de todos e cada um dos cidadãos e cidadãs velar, documentar, denunciar as violações dos direitos humanos e das liberdades dos cidadãos cometidas" pelo Governo da Guiné Equatorial.

Lusa | em Diário de Notícias | Título PG

OBIANG MAIS RICO | Descoberta de novo poço de petróleo na Guiné Equatorial

A Empresa Petrolífera norte-americana ExxonMobil descobriu a existência de um novo poço de petróleo no território equato-guineense durante o mês de outubro de 2017. 

Entretanto, a divulgação foi realizada no mês de dezembro pelo Ministro das Minas, Indústrias e Energia, Gabriel Mgaba Obiang Lima, tendo em vista a confirmação de aval para exploração. Segundo o Ministro, o potencial do país no que tange a extração de hidrocarbonetos é favorecido pela parceria estabelecida com a ExxonMobil.

O atual projeto é o estabelecimento de um novo local de extração no poço Avestruz-1. No país, a ExxonMobil detém 71,25% do projeto do poço Zafiro juntamente com a empresa estatal GEPetrol. O Avestruz-1 corresponde a uma exploração adjacente ao Zafiro, localizado aproximadamente a 160 km de Malabo, capital do país.

A Guiné Equatorial enfrenta decrescente produção de hidrocarbonetos, em decorrência da queda dos preços do produto internacionalmente. Opondo-se as perspectivas, o Governo iniciou o estabelecimento de novas parcerias com investidores durante o ano de 2017, em busca da superação de tal desafio.

petróleo representa a principal gerador de receitas fiscais do Estado e impulsionador do crescimento do país até 2009, levando ao crescimento médio de 24% ao ano. Apesar das previsões de permanência de um cenário de recessão até 2020 por parte de Organizações como o Fundo Monetário Internacional e Economist Intelligence Unit, as prospecções apresentadas pela descoberta podem representar ao Governo a possibilidade de planificação de estratégias para amenizar o cenário econômico adverso. 


Imagem: Reprodução Rural Centro)

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE | Corrupção no seio da Justiça de São Tomé e Príncipe


Presidente do STJ denunciou tentativa de corrupção para reabertura do processo contra cervejeira Rosema. Governo diz que irá apoiar investigações. Dono da fábrica da Rosema, renunciou ao cargo de deputado pelo MLSTP/PSD.

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de São Tomé e Príncipe, Manuel Silva Gomes Cravid, deu - na semana passada - uma conferência de imprensa durante a qual se referiu ao escândalo da cervejeira Rosema, dando conta da tentativa de suborno, com um montante de 100 mil euros, para a reabertura do processo da cervejeira Rosema - entretanto transitado em julgado. As denúncias do juiz presidente do Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe são graves.

"Há sensivelmente quinze dias, um dos meus colaboradores teve um ato de tentativa de corrupção, tentando trazer para mim dois envelopes contendo dinheiro, dizendo que era mandado por certas pessoas. Como devem calcular, o processo está a correr nos tribunais. Entretanto eu, ao saber disto, repudiei automaticamente a atitude do meu colaborador  e pedi a ele que devolvesse aquilo que trazia a quem tivesse mandado trazer", revelou Silva Cravid.

Segundo o juiz presidente do STJ, a ação por ele desencadeada não foi bem acolhida em vários quadrantes da sociedade são tomense.

"Há até algumas organizações que se estão a estruturar para fazer manchar a imagem do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Inclusive, algumas organizações que pretendem até sair à rua em manifestação contra o órgão de soberania. Ou seja, francamente, eu começo a pensar que nós, em São Tomé e Príncipe, não estamos vocacionados para termos instituições sérias e pessoas sérias à frente das instituições", criticou.

Reações

O Governo pediu a clarificação da alegada tentativa de corrupção dos magistrados devido ao processo da cervejeira Rosema, que foi reaberto nos tribunais. A fábrica está na posse de Nino Monteiro, deputado do MLSTP/PSD [Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata] - visto como lobista do partido no poder no seio dos sócias-democratas.  O chefe do Governo, Patrice Trovoada, foi peremptório, ao reagir à polémica.

"É um caso que nós queremos acompanhar e dar todos os meios necessários que forem solicitados pelo Ministério Público para que se chegue à verdade", declarou.

Osvaldo Vaz, vice-presidente do MLSTP/PSD, indiciado no caso de suborno de magistrados, demitiu-se do cargo e denunciou a ingerência da Ação Democrática Independente (ADI), partido no poder, nos assuntos internos do partido histórico de São Tomé.

Já António Quintas, um dos membros do grupo de revitalização do MLSTP/PSD, exige a realização de um congresso extraordinário para legitimar uma nova direção para as eleições de 2018.

"O nosso vice-presidente pôs preto no branco essas querelas, trouxe à luz da praça pública, de forma quase formal, uma questão que, no meu ponto de vista, as estruturas do MLSTP devem deitar um olhar analítico sobre esta mensagem do vice-presidente. Porque é alguém que esteve lá e é alguém que mais colabora com esta direção," defendeu.

Mas a ideia parece ter perdido força, depois da reunião do conselho nacional, no passado fim de semana.

Críticas à posição do Governo

Olegário Tiny, jurista e professor universitário, tem outra leitura de todo este processo. 

"No meu entender, o que esta em causa é a arquitetura daquilo que chamo do golpe institucional que está em preparação em STP. Parece haver também a intenção de enfraquecimento do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A seguir, entra o primeiro-ministro em cena, fazendo acusações a fazer referência à suposta máfia, prometendo coisas que não são da sua competência - que vai trazer magistrados inspetores judicias para dizerem Justiça em São Tomé e Príncipe. Isto não é da competência do primeiro-ministro", considerou o jurista.

"Mas o primeiro-ministro esqueceu-se de uma coisa. Porque nessas coisas, lança-se muitas achas e depois esquece-se daquilo que é fundamental. O primeiro-ministro tem contra si - nos tribunais, nomeadamente no Ministério Público – várias queixas, indícios de crimes gravíssimos contra ele, e esqueceu de dizer quando é que vem trazer a público os esclarecimento devidos sobre essas matérias", acrescentou.

Numa altura em que os tribunais vêm a sua credibilidade ferida, o Governo decidiu avançar com medidas concretas: a criação do Tribunal Constitucional.

"O Governo quer a separação [dos poderes], mas advoga-se para a eleição do juiz - que deve ser apontado pela Assembleia Nacional - por maioria simples de votos dos deputados na Assembleia  - o que contraria frontalmente a Constituição da República. A Constituição diz claramente que essa maioria deve ser de dois terços, ou seja, a maioria qualificada", concluiu Olegário Tiny.

Ramusel Graça (São Tomé) | Deutsche Welle

Foto: Tribunal de Justiça em São Tomé

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE | Caso Rosema: "a máfia que ameaça o país"

O antigo presidente são-tomense, Fradique de Menezes, que foi ouvido no processo de alegada corrupção de magistrados do Supremo Tribunal de Justiça no processo da cervejeira Rosema, deu hoje uma conferência de imprensa onde anunciou que tudo fará para ver o seu nome limpo.

Fradique de Menezes deu hoje uma conferência de imprensa onde anunciou que tudo fará para ver o seu nome limpo na justiça.“O meu advogado tem todo o meu mandato para poder prosseguir com este processo (…) A Procuradoria-Geral da República tem que chegar a uma conclusão e levar o caso avante, se for preciso, até ao tribunal”, declarou.

Fradique Menezes foi ouvido como testemunha no caso de alegada corrupção de magistrados do Supremo Tribunal de Justiça no processo da cervejeira Rosema.

O antigo presidente decidiu avançar com uma queixa-crime por difamação e injúria contra o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Manuel Silva Gomes Cravid, e contra os magistrados Frederico da Gloria e Justino Veiga.

Na semana passada, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quebrou o silêncio e denunciou a tentativa de suborno, afirmando que o caso da cervejeira Rosema é o caso mais polémico do sistema judiciário no país. O Presidente do Supremo Tribunal de Justiçadisse que a democracia está em perigo e denunciou uma “cabala” contra a sua pessoa.

As alegadas acusações de corrupção, neste caso, envolvem o antigo ministro da Justiça, Justino Veiga, até à data assessor do Presidente do Supremo Tribunal, que o demitiu, bem como o vice-presidente do PCD, Delfim Neves, e o seu homólogo do MLSTP PSD, Osvaldo Vaz. Osvaldo Vaz, que entretanto se demitiu do cargo, denunciou ingerência da ADI, partido no poder, nos assuntos internos do partido.

Entretanto o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, pediu celeridade à justiça, referindo-se ao caso da cervejeira Rosema com “a máfia que ameaça a democracia do país”.

Miguel Martins/RFI

Foto: Fradique de Menezes, antigo chefe de Estado de São Tomé e Príncipe

Leia mais:

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE | Crónica de um Golpe Institucional anunciado

Olegário Tiny | Téla Nón | opinião

– Os factores de uma crise

Estamos a lidar no presente com questões de extrema gravidade relativas ao sistema judicial e ao combate à corrupção, envolvendo responsáveis ao mais alto nível do sistema judicial, do Governo e da classe política. Porém, esta problemática, que em si é de enorme relevância, não deve ser vista como um fim em si, pois o que está em causa é de um alcance muito mais amplo, muito mais importante, a saber: a manutenção do sistema político vigente e o reforço do Estado de direito Democrático em STP.

I – OS SUJEITOS E OS FACTOS

Vejamos em conjunto quatro factos, dentre muitos outros, e a sua sequência lógica, que constituem pistas eloquentes para o entendimento do que se está a passar:

1 – O presidente do Tribunal Supremo, Juiz Silva Cravid, afirmou na sua mais recente entrevista, que entregou em mãos ao PGR, a sua queixa-crime ao ex-assessor e que poucas horas depois, o assunto estava na praça pública, através de agentes que nada tinham a ver com o sistema judicial.

CONCLUSÃO EVIDENTE: houve violação do segredo de justiça e o Ministério Publico por lei tem que apurar os factos, identificar os culpados e agir em conformidade.

O Presidente, perante os factos por si apontados, agiu de conformidade com a lei, sendo de enaltecer o seu firme posicionamento, independentemente das considerações que cada um possa fazer sobre as suas motivações. Sobretudo se a sua ação significar o início de uma real cruzada contra a corrupçãoneste país.

2 – Sucederam-se outros intervenientes, qual deles o menos credível em termos de promiscuidade político-económica e de interesses económicos pessoais cruzados e confusos, com acusações várias a Osvaldo Vaz, Delfim Neves e ao próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Entretanto, verificou-se nas redes sociais uma chuva de cheques de proveniência diversa com montantes exorbitantes, com o suposto intuito de suportar as acusações então proferidas.

3 – O Primeiro Ministro, logo a seguir, veio ao público lançar acusações a supostas máfias existentes no país, prometeu coisas que não são da sua competência (magistrados e inspetores para dizer a justiça em STP), e sintomaticamente, esqueceu-se de nos dizer quando irá esclarecer os diversos factos e indícios criminais que pendem no MP contra a sua pessoa, estimados em largos milhões de euros/dólares. Precisamos todos que o PM recupere a sua legitimidade para falar de combate à corrupção, porque até lá, ninguém sério neste país acredita no que ele diz nesses assuntos.

Conclusão: continuamos à espera que o MP e o chefe do Governo, a bem da transparência e da democracia, nos tragam os esclarecimentos sobre os casos gravíssimos de corrupção existentes no MP contra ele e que nos preocupam a todos.

4 – Por fim, o envio, só agora, ao Presidente da República da lei que institui o Tribunal Constitucional, passados quatro meses após a sua aprovação em 15 de Agosto de 2017.

Parece claro, mesmo aos mais incautos, que os do ADI e seu Governo, chegaram à conclusão de que, após o fogo cruzado que lançaram contra o Presidente do Supremo, é este o momento oportuno para conseguirem cedências da sua parte, no processo já desencadeado pela oposição parlamentar, no sentido da fiscalização preventiva da constitucionalidade do referido diploma legal

É simplesmente notável a sequência e a coincidência dos intervenientes e das acusações, estas nem sempre muito coerentes entre si; mas o que importa se o objetivo é claro?

Para ter sucesso no seu plano macabro de subverter o regime democrático e de modo a que Patrice Trovoada possa perpetuar-se no poder, precisam de realisar 2 objetivos específicos, dentre outros:

Controlar ou contornar o Presidente do Tribunal Supremo e por essa via os Tribunais, enquanto órgão de soberania; isso permitiria que impusessem ao país um Tribunal Constitucional, ilegalmente composto, uma vez que já não podem confiar no Supremo Tribunal, cujo presidente fez questão de afirmar publicamente a sua independência perante o poder politico.

É bom recordar o papel jurídica e institucionalmente vergonhoso desempenhado pelo anterior Presidente do Supremo, durante o processo de apuramento dos resultados eleitorais das últimas eleições presidenciais, o que motivou a esse propósito, um comunicado da Ordem dos Advogados de STP.

Derrubar ou aniquilar, a qualquer preço, os supostos financiadores dos principais partidos de oposição, ou seja, Delfim Neves e Osvaldo Vaz, respetivamente vice-presidentes do PCD e do MLSTP. Essas personalidades, são tidas nas hostes do partido do Governo, como pessoas que nos respetivos partidos poderão confrontar Patrice Trovada, no plano financeiro. Independentemente de quaisquer considerações de natureza pessoal que cada um de nós possa ter em relação a esses cidadãos, esta é, apesar de tudo, a questão essencial. Tudo o resto é secundário neste plano, é areia atirada para os nossos olhos, a fim de nos distrair daquilo que conta efetivamente.

Para que não hajam quaisquer duvidas, no que me concerne, entendo, defendo e sempre defendi que o combate à corrupção é um dos pilares em que se deve alicerçar o desenvolvimento do nosso país, e deve ser levado a cabo com competência, determinação e justiça; urge que seja lançado de forma coerente e sustentável. Deve abranger todos aqueles contra quem existam indícios claros de prática de atos criminais suscetivíis de perseguição judicial de conformidade com as leis respetivas.

II – A CRÓNICA DE UM GOLPE (QUASE ANUNCIADO)

Todos estes episódios enquadram-se no cenário do que se pode  descrever como um GOLPE DE ESTADO INSTITUCIONAL EM MARCHA, baseado em vários pilares (políticos, jurídico-legais, financeiros e militar) a saber dentre outros:

O recenceamento eleitoral de raiz, montado sobre um sistema informático defeituoso, cheio de vícios e irregularidades, com o objetivo de falsear os resultados dos próximos pleitos eleitorais neste país. É no mínimo estranho que desse recenseamento se tenha produzido um resultado de menos cerca de 10.000 eleitores do que a base de dados anterior, datada de 5 anos antes.

A criação de um novo TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Com base num projeto de lei já aprovado pela sua maioria absoluta na Assembleia Nacional, ele é juridicamente montado para que o Tribunal passe e ter apenas membros do ADI, de modo a controlar e dominar à partida qualquer mecanismo de aprovação final dos resultados eleitorais futuros. Esse projeto viola a Constituição, na medida em que inclui uma norma que aprova, em última instancia, a eleição dos magistrados desse Tribunal, por maioria absoluta, quando a Constituição da Republica, no art. 157, nº 1-c, estatui de forma inequívoca que a eleição de um Juiz do Tribunal Constitucional é feita  pela Assembleia Nacional, de entre os juristas elegíveis, por maioria qualificada de dois terços dos votos dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta de votos dos Deputados em efectividade de funções.

A montagem de uma nova COMISSÃO ELEITORAL NACIONAL, mediante a proposta de uma lei, cujos termos permitem que o partido do Governo possa ter uma larga maioria ou a totalidade dos seus membros, o que não é sustentável em regimes democráticos. As CNEs em democracia são por natureza órgãos independentes e equilibrados entre o poder e a oposição.

AS TROPAS RUANDESAS E AS MILÍCIAS DO PATRICE

Recorde-se aqui a introdução no país em Julho último, de forma ilegal e anti-constitucional de forças estrangeiras do Ruanda, com vista à criação ilegal de uma MILÍCIA PRIVADA/FORÇA MILITAR, ao serviço exclusivo de Patrice Trovoada (não do Primeiro Ministro); e em reforço dessa estratégia, a criação ad-hoc de um novo quartel, na residência pessoal do chefe do Governo, por sua exclusiva decisão e à revelia de quaisquer normas aplicáveis nesta matéria. O que é  a todos os títulos inaceitável num Estado de direito democrático.

o processo de introdução da nova Dobra, fazendo coincidir a circulação de duas moedas, em simultâneo durante 6 meses, e sem controlo de qualquer entidade independente, é em nosso entender um expediente (um truque), que poderá permitir que o Governo utilize, a seu bel-prazer, quantias exorbitantes para fins de corrupção e financiamento político-partidário e eleitorais.

É fundamental que sejam criados mecanismos de controlo independente para impedir o mais que previsível desvio de fundos públicos para fins ilegais. 

a tudo isso Devemos acrescer…

A manipulação ostensiva da comunicação estatal pelo Governo, desde o primeiro dia da sua governação, mediante o silenciamento e ou afastamento abusivo de alguns do mais consagrados jornalistas nacionais dos seus cargos anteriores (TVS e Rádio Nacional), por um lado, verificando-se, por outro, a quase completa inexistência do contraditório político nos meios de comunicação públicos.

Completa inexistência de diálogo político com as forças de oposição.

Adoção, por parte do Primeiro Ministro desde a sua tomada de posse, de uma política dirigida para o empobrecimento de quadros e empresários nacionais, de modo a força-los a uma atitude de mão estendida, em busca de migalhas da sua parte. Em sentido contrário, verifica-se uma acção sistemática de favorecimento de amigos e partidários do seu partido, incluindo homens de negócio estrangeiros.

A conjugação de todos estes fatores, além de outros, aponta claramente na direcção de uma política concebida pelo Governo e o partido que o apoia, e posta em execução, passo a passo, com objetivos claros de

(1) enfraquecer economicamente os santomenses em geral e a sua classe politica, em particular, de modo a torna-la dependente dos seus favores;

(2) Promover por diversos meios a utilização corrupta dos recursos do erário publico, mediante o enriquecimento ilícito de vários membros do seu partido e Governo (acredito que hajam meritórias exceções),

(3) criar condições para ganhar eleições nos gabinetes, mediante processos eleitorais fraudulentos, de modo a se perpetuar no poder por via ilegal e subverter assim o sistema constitucional democrático existente.

Em jeito de EPÍLOGO… Muitas questões e alguns apelos

1 – EM RELAÇAO AOS TRIBUNAIS

É tanta a confusão reinante, após tantas reclamações, de há tanto tempo e de todos os quadrantes da sociedade, que parece legítimo perguntar: terá o sistema judicial, desta vez, batido no fundo?

Sendo assim que atitude esperar dos nossos compatriotas e magistrados?

Que atitude vão eles adotar de imediato?

Como compreender a mais completa inação do Ministério Público e do Procurador Geral da República face a queixas-crimes gravíssimas envolvendo o Primeiro Ministro, e por outro lado, a maior celeridade no tratamento de outros casos, nomeadamente envolvendo figuras politicas da oposição?

Como interpretar essa diferença de atitudes, marcada pelo princípio discriminatório de dois pesos, duas medidas?

É conhecido o ditado popular santomense “xi cuá na daná fa, ê na ca consetá fa” (a coisa só se concerta depois de se estragar). Por outro lado cabe aqui recordar que todo o novo desafio é uma nova oportunidade.

Os magistrados estão tão ou mais conscientes quanto nós, cidadãos comuns, de que é indispensável e inadiável, que se comece a fazer algo de muito sério e profundo para reverter a situação insustentável que os Tribunais vivem, sob pena de se tornarem dispensáveis, ou seja uma espécie de apendicite, que é preciso remover e deitar fora.

Eles devem também estar conscientes de que toda a sociedade tem os seus níveis intrínsecos de tolerância.

Pessoas com formação especial, com mais ou menos mérito, capacidade, honorabilidade e vontade do bem fazer, mas pessoas de bem, até prova em contrário, não tenho quaisquer dúvidas de que existam no sistema judicial pessoas honestas, que estarão à espera de uma boa oportunidade, para juntarem as mãos e começar o processo de reconstrução de que todos aguardamos.

Eu faço questão de ver na ação acima descrita do Presidente do Supremo, como o início dessa caminhada, dando o sinal não só aos outros colegas de profissão, como também para fora do sistema.

UM APELO – Sendo assim, permitam-me que lance um apelo a todos os democratas santomenses, para que juntos nos posicionemos em apoio ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nesta ingente tarefa de REFORMAR A JUSTIÇA E COMBATER A CORRUPÇÃO a todos os níveis.

2 – EM RELAÇAO AO SISTEMA POLÍTICO

UM APELO a todos os cidadãos de boa vontade e aos democratas santomenses, com ou sem filiação partidária e independentemente do partido político a que pertençam. Estamos a viver um momento crucial, em que nunca foi tão grande o risco de regresso à ditadura, desde a MUDANÇA, em Janeiro de 1991. Os sinais estão à vista, basta estar atento e interpreta-los corretamente.

Sintomaticamente, todos os partidos políticos da oposição sem exceção, com e sem assento parlamentar, decidiram dar as mãos, coordenando ações em tudo o que seja possível para combaterem a ameaça que paira sobre o país. Este movimento deve ser alargado a todos os cidadãos que desejam que o ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO floresça e perdure.

Um bem haja a todos os santomenses e amigos do povo santomense.

Olegário Tiny

BOAS FESTAS A TODOS E VOTOS DE QUE 2018 SEJA UM ANO DE DERROTA PARA TODOS OS DITADORES

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