O secretário de Estado das
Relações Exteriores, Téte António, afirmou, em Addis Abeba, Etiópia, que Angola
“está à altura” de combater o fenómeno da corrupção e corresponder aos desafios
do lema (“Vencer a Luta contra a Corrupção: Um Caminho Sustentável para a
Transformação de África”) da 30ª Sessão Ordinária da Conferência dos Chefes de
Estado e de Governo da União Africana (UA). Está?
O combate à corrupção tem sido uma
das teses do novo Executivo angolano, que se propõe acabar com a impunidade, a
todos os níveis e em todos os sectores da sociedade. Até agora o Sol está,
reconheça-se, a ser tapado com uma peneira.
Angola, segundo o “ranking”
mundial da organização Transparência Internacional, publicado em Dezembro de
2016, está entre os 14 países com os maiores Índices de Percepção de Corrupção
no mundo. A Somália é o 176º país da lista e tem a pior classificação em termos
de transparência.
“Esse é o nosso discurso nacional
actual. Se há um tema sobre o qual se está a reportar mais em Angola é a luta
contra a corrupção. Isto, a nível continental, também é preciso fazer”,
expressou Téte António.
Em relação à 30ª Sessão Ordinária
da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, o
governante disse ser uma oportunidade para tornar esse órgão continental mais
efectivo e capaz de atender e interpretar os desejos dos seus povos. A seu ver,
é necessário trabalhar para que os povos se revejam efectivamente na União
Africana, sublinhando ser essa uma reclamação constante dos africanos.
Os povos de África, referiu, não
querem uma organização africana do tipo Sindicato de Chefes de Estado, mas sim
um organismo que os represente condignamente.
Para tal, aponta desafios que o
continente deve vencer, como os conflitos e a pobreza, daí haver necessidade de
definição de prioridades africanas, sobretudo a nível de meios.
Téte António entende que África
não pode continuar com uma organização que depende muito de doadores externos,
como acontece na Comissão de Paz e Segurança, que a seu ver pode “perder a sua
soberania e independência”, por causa dos quase “90 por cento de doações”
recebidas.
Corrupção em África
Os países africanos são
considerados dos mais corruptos do mundo, um factor que contribui para o
empobrecimento do continente e, é claro, para o enriquecimento das suas elites
políticas e militares. Os esforços anticorrupção têm mostrado resultados mistos
nos últimos anos, mas são essenciais para o desenvolvimento. Os governos
precisam de combater a corrupção em vez de depender da ajuda externa.
Dos dez países considerados mais
corruptos do mundo, seis estão na África Subsariana. O suborno, extorsão, troca
de favores, clientelismo, apropriação e desvio de bens ou valores têm um custo
anual de 150 mil milhões de dólares para os Estados de África, segundo
estimativas da União Africana. Para comparar, os países desenvolvidos doaram
22,5 mil milhões de dólares em ajuda à África Subsariana em 2008, segundo a
OCDE, o que leva a argumentos de que os governos africanos precisam de combater
a corrupção em vez de depender da ajuda externa.
«A corrupção em África varia
entre o alto nível político, numa escala de milhões de dólares, e o baixo
nível, com subornos a autoridades e funcionários públicos. No primeiro caso,
impõe um maior custo financeiro directo ao país, no segundo caso tem um efeito
corrosivo sobre as instituições básicas e mina a confiança dos cidadãos no governo»,
refere a jornalista Stephanie Hanson na publicação Council on Foreign Relations.
Mais de metade dos cidadãos da
África Oriental, por exemplo, pagam subornos para ter acesso a serviços
públicos que deveriam estar livremente disponíveis, relata a organização
Transparência Internacional, o que também aumenta os custos de fazer negócios,
uma vez que há uma correlação entre a eficácia no combate à corrupção e o
aumento de produtividade de um país. «Atacar a corrupção é a melhor maneira de
atacar a pobreza», sintetiza Nuhu Ribadu, ex-presidente da EFCC, comissão
anticorrupção nigeriana.
A abundância de recursos
naturais, uma longa história de governos autocráticos, o não prestar de contas
aos cidadãos e os conflitos e crises no continente têm criado grandes desafios
à boa governação e à luta contra a corrupção em África, apesar dos progressos
recentes em termos de democracia e direitos humanos em vários países.
«Os recursos naturais são cada
vez mais tentadores para algumas elites africanas e empresas multinacionais.
Também a assistência oficial ao desenvolvimento fornecida por agências
nacionais e internacionais não está livre de abusos e corrupção. A prestação de
serviços públicos é precária e os funcionários são frequentemente tão mal
pagos, que recorrem à corrupção “insignificante” para sobreviver. Instituições
que deveriam garantir o equilíbrio de poder dentro do sistema são muitas vezes
limitadas pela falta de recursos e independência», resume a Transparência
Internacional.
Negócios e política, política e
negócios
Na maioria dos países africanos,
como os angolanos sabem por dramática experiência própria, os governos não têm
capacidade ou vontade em lidar eficazmente com a corrupção. Além disso, o nível
de desenvolvimento e organização da sociedade civil também varia
consideravelmente, embora tenda a tornar-se mais activa e preocupada com as
questões de corrupção e boa governação.
«A sociedade civil e os meios de
comunicação social livres podem levar a uma maior responsabilidade dos governos
e à adopção de reformas nas áreas da governação e gestão dos recursos públicos,
tornando-se os pilares da integridade nacional dos países», preconiza a TI.
Um exemplo dessas iniciativas é o
da rede Corruption Hunter Network, que combate a corrupção em todo o mundo
através de reuniões de apoio aos seus membros. Em África esta rede de
promotores públicos deu ajuda directa e protecção a activistas como o nigeriano
Nuhu Ribadu e o zambiano Maxwell Nkole na luta contra a corrupção nos seus
países, embora este apoio nem sempre seja eficaz.
A corrupção endémica nos Estados
africanos leva à revolta das populações. Rebeliões no Delta do Níger, na
Nigéria, foram provocadas por reivindicações da comunidade local de 30 milhões
de pessoas por não beneficiarem com a extracção petrolífera nas suas terras,
cuja receita é desviada para funcionários governamentais.
A corrupção também corrói o
processo político, com muitos políticos a interessarem-se por cargos e
reeleição em função do acesso a dinheiros públicos e à imunidade. A compra de
votos e a fraude eleitoral – como, mais uma vez , os angolanos sabem – «são
formas mais fiáveis e fáceis de ganhar uma eleição do que tentar ganhar a
aprovação dos eleitores pela boa governação», comprova Paul Collier, director
do Centro de Estudos das Economias Africanas (CSAE).
Na última década, países como a
Libéria, Ruanda e Tanzânia fizeram progressos na redução da corrupção e o Gana
registou melhorias nas normas de boa governação e na transparência em actos
governativos. Apesar de terem criado agências anticorrupção, a Nigéria, Quénia
e África do Sul registaram escassos avanços. A ECA, comissão económica das
Nações Unidas para a África, afirma que as comissões anticorrupção nacionais
têm sido «muito ineficientes e ineficazes», em grande parte por causa do seu
financiamento e supervisionamento pelo poder executivo. Sempre que incomodam o
poder instalado estas agências são eliminadas, como aconteceu em 2009 com a
Scorpions na África do Sul, ou os seus responsáveis são depostos ou forçados a
sair do país, como se registou na Nigéria e Quénia.
Por outro lado, chefes de Estado
africanos apoiam o financiamento oculto de líderes políticos de antigos países
colonizadores. Robert Bourgi, ex-consultor do Governo francês para assuntos
africanos, acusou o ex-chefe de Estado Jacques Chirac e o ex-primeiro-ministro
Dominique de Villepin de terem recebido ilegalmente dinheiro e obras de arte
dos presidentes do Senegal, Burkina Fasso, Costa do Marfim, Congo e Gabão.
«Avalio em cerca de 20 milhões de dólares o valor total entregue», diz Robert
Bourgi. Países europeus ignoram as actividades ilícitas e abusos de poder em
África em troca de financiamentos partidários e acesso a matérias-primas.
Custos silenciosos
As estimativas dos custos da
corrupção no continente africano não podem ser muito rigorosas, uma vez que a
avaliação não é composta apenas pela soma de dinheiro perdido, mas também de
desenvolvimento adiado e crescimento das desigualdades, que são menos fáceis de
quantificar. Os 150 mil milhões de dólares anuais que os relatórios da União
Africana estimam incluem custos directos e indirectos, o que representa 25 por
cento do Produto Interno Bruto dos Estados de África e um aumento dos custos
dos bens transaccionáveis em 20 por cento.
Quanto à eficácia da ajuda
externa, o estudo «The Cost of Corruption», publicado na revista Euromoney,
estimava que 30 mil milhões de dólares acabaram em contas bancárias no
exterior. Pelo lado da arrecadação de receitas fiscais, o Banco Africano de
Desenvolvimento calcula que a corrupção leva a uma perda de aproximadamente 50
por cento e estima que as famílias de baixo rendimento gastam de 2 a 3 por
cento dos seus rendimentos no pagamento de subornos, enquanto as famílias de
maiores rendimentos gastam em média 0,9 por cento. Estas avaliações demonstram
que a corrupção em África está disseminada e é dispendiosa para os cidadãos de
mais fracos recursos.
A corrupção silenciosa pode ser
tão prejudicial ao crescimento económico geral e ao desenvolvimento de um país
como a grande corrupção e os escândalos de subornos que recebem maior atenção
mediática. No relatório «Africa Development Indicators 2010», o Banco Mundial
já definia a corrupção silenciosa como «o não fornecimento pelos funcionários
públicos de bens ou serviços para que são pagos pelos governos».
Esta corrupção passiva acontece
quando professores e profissionais de saúde que, segundo os orçamentos do
governo deviam trabalhar a tempo inteiro, são absentistas porque os salários
para lhes pagar foram desviados por funcionários corruptos.
«A corrupção silenciosa não faz
os títulos dos jornais da mesma forma que os escândalos de subornos, mas é
igualmente corrosiva para as sociedades», alerta Shanta Devarajan, economista
principal para a Região África do Banco Mundial. A corrupção silenciosa permitiu
fracos controlos aos produtores e grossistas de fertilizantes que tiveram como
resultado que 43 por cento dos adubos vendidos na África Ocidental não tivessem
nutrientes e que mais de metade dos medicamentos vendidos nas farmácias na
Nigéria fossem falsificados. A corrupção diminui o bem público e cresce onde há
poder autocrático e pobreza.
Sem comentários:
Enviar um comentário