Em Abril de 2013, O Comité de
Direitos Humanos das Nações Unidas fez algumas observações sobre o respeito dos
direitos humanos, civis e políticos em Macau. A liberdade de expressão de
activistas políticos e jornalistas representou parte considerável das
preocupações da ONU. Agora, Macau irá tentar demonstrar os progressos que fez
desde 2013. Para já, a resenha de temas a abordar pela DSAJ está em consulta
pública até 12 de Fevereiro e aponta para a continuidade da situação verificada
desde 2013
Quando a bandeira portuguesa foi
substituída pela chinesa e nasceu a RAEM, um conjunto de pactos de Direito
Internacional passaram para a nova realidade administrativa e jurídica de
Macau. Entre eles, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
um tratado internacional aprovado por resolução da Assembleia Geral das Nações
Unidas em Dezembro de 1966. Este é um dos pilares jurídicos da Carta
Internacional dos Direitos Humanos, onde se procura defender um conjunto de
liberdades individuais e garantias de acesso à justiça e participação política.
Em 2009, Macau entregou o
primeiro relatório desde a constituição da RAEM e prepara-se agora para
entregar o segundo, respondendo a uma série de preocupações da ONU. Para já, a
resenha de temas a abordar encontra-se em consulta pública até 12 de Fevereiro,
de modo a receber opiniões da população, ou de associações e organizações não
governamentais.
Para já, a Direcção dos Serviços
de Assuntos da Justiça (DSAJ) tem de convencer um painel de peritos
independentes, nomeados por Estados membros do pacto internacional, de que o
Governo de Macau melhorou nos aspectos criticados no relatório de 2013. Em
primeiro lugar, o documento da lamenta que a RAEM tivesse demorado tanto tempo
a submeter o primeiro relatório à organização intergovernamental.
As áreas mais problemáticas das
recomendações da ONU foram a justiça, a falta de representatividade
democrática, a independência do Comissariado contra a Corrupção face ao
Executivo, a liberdade de expressão de jornalistas e activistas, a protecção
laboral de trabalhadores residentes, entre outras. Cabe agora a Macau,
convencer os peritos nomeados pela ONU de que as recomendações dadas em 2013
foram ouvidas.
TORTO E A DIREITO
A China é um dos poucos países
que não assinou o tratado internacional em questão. Ainda assim, como os
relatório têm de ser submetidos por países, cabe às autoridades chinesas
entregar os documentos de Macau e Hong Kong, depois de Pequim garantir a
continuidade do tratado nas regiões administrativas especiais. O Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais é outro tratado cuja
continuidade foi assegurada pela China, e que permite que um vasto conjunto de
direitos, de cariz internacional, continuem a vigorar.
O documento de recomendações da ONU, depois de elogiar a assinatura de protocolos contra a prostituição e pornografia infantil, tráfico e pessoas e legislação sobre asilo de refugiados, lança uma série de recomendações ao Governo, algumas delas que serão complicadas de observar.
O grupo de peritos que analisou a
realidade de Macau aquando do primeiro relatório entregue pela RAEM lamentou a
falta de conhecimento de um tratado internacional, que vigora acima das leis
locais, entre profissionais judiciais e do público em geral. Uma das principais
preocupações dos peritos da ONU quanto à Lei Básica de Macau é que a sua
interpretação está a cargo do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional,
“um facto que enfraquece e que mina o Estado de Direito, assim como a
independência do sistema judicial”, como se pode ler na lista de recomendações.
Nesse aspecto, o Comité dos Direitos Humanos sugeriu que Macau deve assegurar o funcionamento normal dos tribunais e da interpretação da lei fundamental de acordo com o tratado internacional.
Outra questão institucional de
fundo que mereceu críticas por parte do Comité dos Direitos Humanos é a
independência do Comissariado contra a Corrupção (CCAC). Em 2013, os peritos
mostraram-se desagradados perante a falta de informação completa que atestasse
a efectiva independência do CCAC, nomeadamente no que toca às investigações ao
Executivo, uma vez que o comissário é nomeado pelo próprio Chefe do Executivo.
Neste caso, apesar da DSAJ ainda não ter redigido o relatório, a resenha de assuntos a ser abordados, e que se encontra em consulta pública, diz que os peritos serão actualizados quanto ao trabalho da Provedoria de Justiça.
DEMOCRACIA LONGÍNQUA
Uma das principais preocupações
do Comité dos Direitos Humanos prende-se com o défice democrático de Macau.
Apesar de reconhecer a emenda de 2012 feita à Lei Básica no que toca à
regulação da eleição do Chefe do Executivo, com o aumento dos membros do Comité
Eleitoral de 300 para 400 membros, a alteração não foi considerada suficiente.
“O artigo 25º do pacto protege o direito de todos os cidadãos a participar na condução dos assuntos públicos, o direito de votar e eleger, assim como o direito de aceder ao serviço público”, pode-se ler nas observações do organismo da ONU. Neste aspecto, o Comité dos Direitos Humanos, explicitamente lamenta que Macau “não tenha manifestado intenção de estabelecer o sufrágio universal para assegurar o direito de todos os cidadãos a eleições genuínas”. O organismo internacional entende que “a introdução de medidas preparatórias para o sufrágio universal” deve ser considerada prioritária. Além do aumento da constituição do Comité Eleitoral, foram ainda aumentados o número de deputados eleitores directa e indirectamente, algo que os peritos das Nações Unidas vão avaliar se será suficiente.
O funcionamento da justiça é outro
dos pilares essenciais para o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, daí a preocupação manifestada com a formação de juízes e
procuradores, assim como a falta de magistrados para dar vazão ao volume de
processos nas secretarias dos tribunais. Neste capítulo, a falta de celeridade
processual era uma das preocupações demonstradas aquando das recomendações de
2013.
O rascunho de temas a abordar na resposta às preocupações da ONU revela que a DSAJ pretende actualizar o comité quanto à estrutura do sistema judicial de Macau, ao direito ao apoio judiciário, à formação de funcionários judiciais, à estatística do número de juízes, procuradores e advogados e às medidas adoptadas para reduzir os atrasos processuais.
ABRIR A BOCA
Outra área onde Macau pode ter
problemas em explicar os avanços que tem feito é na forma como trata
jornalistas e defende a liberdade de expressão, nomeadamente face aos inúmeros
casos de jornalistas oriundos de Hong Kong impedidos de entrar na RAEM.
“As medidas contra jornalistas e activistas criam um ambiente que desencoraja a crítica”, ou liberdade de reportar uma realidade inconveniente para o Executivo, “afectando a liberdade de expressão de Macau”, lê-se nas observações do Comité dos Direitos Humanos. O organismo da ONU mostrou-se preocupado com a autocensura de meios de comunicação social e a aplicação de leis de segurança interna que barram a entrada no território a jornalistas e activistas de Hong Kong. A organização internacional não compra a justificação de que este tipo de pessoas “constitui uma ameaça à estabilidade da segurança interna”.
Neste aspecto, na resenha da DSAJ
pode-se ler que “será relatado que a informação a este assunto permanece, na
sua maioria, inalterada em relação ao relatório anterior”.
Numa situação destas, se os peritos da ONU identificarem que um Estado não cumpre, primeiro emite uma recomendação a identificar a lacuna de uma forma mais acintosa. Esta situação tem efeitos ao nível da imagem externa e pode mesmo chegar ao ponto de outro Estado Membro acusar o Estado em causa de violação do Direito Internacional. Porém, além da censura política, normalmente nesta matéria há um acordo de cavalheiros entre os membros dos tratados internacionais que impede que do ponto jurídico sejam tomadas medidas extremas, como a expulsão.
Também o direito à reunião será
alvo das conversações entre o organismo da ONU e o Governo de Macau. Após a
entrega do primeiro relatório, o Comité dos Direitos Humanos expressou
preocupações sobre as consequências penais para quem usa da liberdade de
expressão de reunião. A organização internacional achou particularmente
alarmante que se confunda o exercício de direitos com “incitamento,
desobediência colectiva à ordem pública e à lei com a intenção de destruir,
alterar ou derrubar o sistema político, económico ou social”. O Comité dos
Direitos Humanos mostrou também “preocupação com os relatos do uso de câmaras
por parte das forças polícias para filmar manifestações”. Neste aspecto, o
Governo de Macau também não fez grandes alterações ao que se verificava em
2013.
A direcção liderada por Sónia
Chan deverá entregar o relatório sobre a implementação do Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos em meados de Março. Depois disso, o
documento será analisado por um painel de peritos especialistas em direito
internacional na área dos direitos humanos. Aí começa um processo que pode
demorar dois, ou três, anos e que culminará com a ida de uma delegação da DSAJ
a Genebra.
Antes disso, os peritos ainda vão
ouvir organizações não governamentais, associações e indivíduos que possam
contribuir para clarificar dúvidas dos técnicos escolhidos pela ONU. Por
exemplo, após a entrega do anterior relatório Jason Chao foi ouvido pelo grupo
de peritos, assim como o Centro do Bom Pastor. O documento de recomendações do
Comité dos Direitos Humanos já está a ser analisado pela Associação Novo Macau.
Da reunião entre os membros da DSAJ e da ONU vão sair novas recomendações para o Executivo de Macau.
João Luz | Hoje Macau
Sem comentários:
Enviar um comentário