Zófimo Muiuane assassinou
Valentina Guebuza, juíza acha que ele mentiu ao tribunal e condena-o à pena
máxima
O Tribunal Judicial da Cidade de
Maputo (TJCM) condenou, na terça-feira (23), Zófimo Armando Muiuane, a 24 anos
de prisão maior, por assassinato a tiros da sua esposa Valentina da Luz
Guebuza, filha do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, por porte de
armas proibidas, falsificação de documentos e por prática de violência
psicológica. O réu, cujo castigo que lhe foi aplicado só cessará quando tiver
aproximadamente 68 anos de idade, é considerado um homicida frio, insensível e
com pendor à desvalorização da vida. Ele agiu com dolo. Em sede de audiência,
discussão e julgamento mentiu e chorou copiosa e soluçantemente lágrimas de
crocodilo.
O homicídio de que o réu é
acusado – processo-crime número 01/2017, 10ª. Secção daquele tribunal –
aconteceu na noite de 14 de Dezembro de 2016, na residência da vítima, onde o
casal vivia, na Avenida Julius Nyerere, em Maputo.
Zófimo Muiuane, de 44 anos de
idade, foi igualmente sentenciado ao pagamento de imposto máximo de justiça e
indemnização à família da vítima por perda desta, no valor de 50 milhões de
meticais.
Em sala abarrotada e sem sequer
espaço para caber uma agulha – aceite-se o exagero – a juíza do caso, Flávia
Mondlane, disse que “o réu sabia que a sua conduta não era permitida” e
consubstanciava crime. Todavia, ele “agiu deliberado, livre e conscientemente”.
Segundo a magistrada, não foi
indicada alguma situação atenuante a favor do arguido e o tribunal formou a sua
convicção em relação aos factos dados como provados com base no seguinte: em
vários momentos, “o réu assumiu a autoria moral e material da morte” de
Valentina.
A certeza de que Zófimo matou, de
acordo com a juíza, consolida-se no facto de, quando ele foi questionado pela
ajudante de campo da sua esposa e pela empregada sobre o que tinha acontecido
no quarto onde travavam a discussão, a ponto de Valentina sair ferida,
respondeu: “já fiz... já fiz... Ela ofendeu-me muito em frente dos padrinhos.
Ela humilhou-me”.
Tais palavras são uma confissão
das discussões vividas no encontro com os padrinhos do casal, na óptica do
tribunal. Este entende ainda que só quem esteve presente na reunião que
antecedeu a morte de Valentina é que “sabia que o réu foi humilhado pela vítima
(...)”. Esta acusou, realmente, o marido de prática de vários factos e ainda
expulsou-o da residência onde viviam.
A empregada e a ajudante de campo
não presenciaram o encontro, findo o qual nem o casal e muito menos os padrinhos
comentaram com elas sobre o que se discutiu. “Para dizer que as palavras
proferidas” por Zófimo revelavam o que lhe corria na alma, até porque as duas
senhoras com as quais conviviam de forma alguma saberiam do “conteúdo das
discussões tidas no referido encontro”.
Segundo Flávia Mondlane, no
Instituto do Coração (ICOR), para onde Valentina foi socorrida e declarada
morta, Zófimo aproximou-se dos agentes da Polícia da República de Moçambique
(PRM) e fez o seguinte pedido: “chefes, tirem-me daqui (...)”.
Ernesto Chivambo, à data dos
factos chefe da viatura de patrulha que transportou o arguido do ICOR para a
2a. esquadra, disse ao tribunal que “nós questionámos a ele [Zófimo] o que se
passou e confessou que tirou a vida da esposa porque já estava cansado (...)”.
As confissões de arguido
estenderam-se até aquela subunidade policial, onde revelou ao oficial de
permeância, durante a abertura do auto, que tirara a pistola e disparou contra
a sua consorte. “E assinou as declarações”.
Na sua sentença, o tribunal tomou
ainda em consideração o relatório dos médios legistas. Estes defenderam, com
argumentos científicos, que Valentina não pode ter disparado contra ela
própria, mesmo tratando-se de uma disputa de arma de fogo, conforme o esposo
alegou em vários momentos.
Hilário Joaquim, médico legista,
afirmou, em sede do tribunal, sem dúvidas, o seguinte: “com toda a franqueza,
não acho que a vítima [Valentina] tenha pressionado o gatilho, ainda mais
fazendo dois disparos” que custaram a sua vida.
“Não teria sido possível ela
efectuar os dois disparos”, corroborou Stela Mantsinhe, outra médica legista.
Jacinta Silveiro desvalorizou os
argumentos do arguido, afiançando que “dificilmente a vítima continuaria a
lutar (...)” depois de ser atingida pelo primeiro disparo. “Quando a vítima
recebeu o primeiro tiro”, praticamente “desfaleceu”, porque “tinha lesões
mortais (...)”.
Na altura do disparo, ela estava
numa posição “de frente à arma de fogo. O primeiro tiro tingiu o quadrante
inferior e interno da mama direita, saiu por baixo”, recordou a juíza da causa,
aquando da leitura da sentença. A um centímetro de diferença, a mesma bala fez
uma perfuração e saiu pelo abdómen.
No seu trajecto, o disparo
“afectou o fígado e a veia vaca, facto que foi agravado ainda mais pelo segundo
projéctil, que atingiu o local onde termina a 10a. costela, penetrou, fez o seu
trajecto e afectou a 11a. costela – que é flutuante – atravessou o estômago,
atingiu o baço” e fê-lo explodir, segundo o testemunho da médica legista
Jacinta.
“Temos a certeza de que o tipo
não foi à boca-tocante”, disse Jacinta, explicando que durante a perícia não
foram encontrados elementos que permitissem concluir que o disparo foi feito à
curta ou longa distância.
A roupa que Valentina trajava no
dia do assassinato não foi examinada porque só se teve acesso a ela dias depois
e já tinha sido muitas vezes manipulada. A mesma foi enviada ao Serviço
Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) para perícia.
“A posição do réu, de ter sido
desarmado pela vítima, não convence o tribunal”
A 18 de Dezembro passado, no
início do julgamento ora findo, Zófimo disse, chorando copiosamente, que após a
reunião com os padrinho ele a consorte foram ao quarto, onde, logo depois de
tirar o casaco, sentiu algo estranho na sua cintura. Ou seja, Valentina o
desarmou.
“Ela tinha arrancado a minha
pistola que estava” no coldre e do “lado esquerdo. Quando virei, olhei para ela
e tinta a pistola apontada para mim.
Naquele mesmo instante ela
gritou: «sai da minha casa ou eu mato-te». Eu não acreditava no que estava a
acontecer e achei que fosse uma brincadeira”.
O arguido narrou também que um
instinto o levou a pegar nas mãos da vítima e pôs-se aos gritos: “amorzão...
amorzão... O que se passa. Ela continuou a gritar: «sai da minha casa ou eu
mato-te»”.
Aquando da audição dos peritos da
criminalística, eles disseram que no momento em que Valentina e o marido se
dirigiram ao quarto, para uma suposta conversa, ela trazia consigo, na bolsa,
uma arma de fogo do tipo pistola, o que desvaloriza e deita por terra os
argumentos (em prantos) do viúvo, segundo os quais foi desarmado de trás pela
vítima e escapou da morte por um triz.
Munis Macuiane, perito em
balística forense, defendeu que não tinha dúvidas de que se a vítima estava
atrás do réu, estava em vantagem para disparar pelas costas. E questionou por
que motivo não o fez se estava em vantagem, tendo concluído dizendo que: “nós
dissemos (no relatório que consta dos autos do tribunal) que era inconcebível”
a vítima ter disparado contra ela mesma.
Por sua vez, Flávia Mondlane
disse que o tribunal também afasta e desconsidera, por completo, as alegações
de Zófimo, segundo as quais Valentina tentou desarmá-lo pelas costas, porque
ele é “corporalmente mais avantajado em relação à vítima, tem domínio de luta
corporal e de artes marciais”, cujo treinamento lhe permitiu chegar ao
“cinturão negro” e pela experiência de lidar armas de fogo há 15 ou 16 anos.
“Só poderia desarmar o réu alguém
com as mesmas características e capacidades ou superiores (...). Não podemos
perder de vista que o réu estava apreensivo, sabia que a vítima estava irritada
e não lhe queria naquela residência”, declarou a juíza, ajuntando que ao entrar
no quarto, Valentina voltou a exigir que Zófimo abandonasse a casa mas ele
recusou-se, ignorando-a.
“O réu sabia que era previsível
qualquer comportamento de retaliação por parte” da sua esposa. Aliás, dado o
agravamento da crise conjugal, o cônjuge “não esperava receber sorrisos e
abraços” do seu “amorzão” (alcunha que Zófimo adoptou para mostra amor e
carinho à sua amada).
Zófimo espancou brutalmente a
esposa antes de assassiná-la
“A posição do réu, de ter sido
desarmado pela vítima, não convence o tribunal. De tudo que até aqui se disse,
é importante referir que a arma só foi usada depois e a vítima sofrer várias
agressões físicas (...). Ela estava fisicamente debilitada” por conta das
“lesões violentas”, o que foi provado pelo laudo da medicina legal.
Aliás, a magistrada argumentou
que as afirmações de Zófimo alegando que sentiu uma força anormal exercida pela
esposa no momento em que segurou os seus braços, tendo iniciado a alegada
disputa da pistola, são falsas, porque ele apresentaria também lesões graves,
mormente nos braços.
Zófimo alterou o local dos factos
Consumado o crime, o arguido
alterou o local dos factos com o intuito de destruir as provas contra si e
evitar, a todo custo, o “esclarecimento da verdade material”, afirmou Flávia
Mondlane.
Acto contínuo, Zófimo afastou
Valentina do sítio onde foi atingida pelos projécteis, “afastando-a para
próximo da porta do quarto. Recolheu os invólucros, em quantidade não
especificada, abriu a janela do quarto e atirou-os para fora do mesmo”.
Ademais, mesmo apercebendo-se de
que a arma com que acabava de alvejar a sua esposa já não oferecia perigo por
estar na posse da ajudante de campo, “e que não precisava do mesmo para nada”,
desviou o foco – que seria o salvamento da sua amada – e perdeu tempo exigindo
que o instrumento bélico lhe fosse devolvido.
“O réu mandou embora a ajudante
de campo e a empregada, fechando-se com a vítima que jazia em agonia no
quarto”, afirmou a juíza, rebatendo, imediatamente, as declarações do arguido,
segundo as quais tentou pôr fim à sua vida quando se apercebeu de que a cônjuge
estava prestes a morrer.
Zófimo disse ao tribunal que, por
duas vezes, no fatídico dia, tentou suicidar-se com recurso à arma com a qual
assassinou a esposa, mas a mesma falhou no momento do disparo.
Segundo Flávia Mondlane, sem
aquela pistola, se o réu quisesse pôr término à sua vida teria usado a arma de
Valentina, que se encontrava dentro de uma bolsa algures no quarto. “Poderia
ter-se enforcado, ingerido comprimidos” ou “atirar-se do prédio” onde vivia
(quinto andar), entre outras vias.
“Todos os declarantes foram
unânimes em afirmar que encontraram o réu em pé, ao lado da vítima e que esta
ainda se encontrava em vida e em agonia (...)”.
Nesta situação, esperava-se um
cenário diferente, como, por exemplo, em “sinal de arrependimento, um amado
esposo sentado ou ajoelhado” diante da vítima, “chorando” copiosamente e
acarinhando-a, uma vez que lutava pela vida.
Se a intenção de Zófimo não fosse
a morte de Valentina, depois da ocorrência teria, imediatamente, socorrido a
ela, “atendendo que estava em causa a vida da sua esposa”.
O réu afirmou, perante o
tribunal, que não foi à busca do socorro porque não tinha forças, o que é
estranho, porque depois do sucedido teve energia para alterar o cenário dos
factos, exigir da ajudante do campo a arma do crime e efectuar duas chamadas
telefónicas, das quais uma para alguém que encontrava no posto administrativo
da Maluana, no distrito da Manhiça, província de Maputo.
Tais chamadas duraram 15 minutos
e não se compreende a sua importância no lugar de se prestar socorro à
Valentina que se encontrava estatelada no chão, contorcendo-se de dores e a
perder bastante sangue.
O réu tentou enganar o tribunal
ao referir que tentou efectuar chamadas telefónicas para algumas clínicas
privadas solicitando auxílio, mas tudo não passa de mentira, conforme se pode
atestar através dos extratos obtidos juntos da telefonia móvel de que ele é
cliente. “Esse tipo de comportamento é uma demonstração de frieza,
insensibilidade e desvalor pela vida humana (...)”.
Face a tudo o que se produziu
durante a audiência, discussão e julgamento, o tribunal considera que a prova
contra Zófimo é “robusta, segura e incriminatória. É impossível o afastamento
do réu da morte” da sua esposa e deve “ser responsabilizado”.
O arguido não provou que
Washington Dube era seu pseudónimo
Relativamente ao crime de
falsificação de documentos, Flávia Mondlane afirmou que Zófimo não conseguiu
provar que o bilhete de identidade sul-africano com o número 7210106308081, no
qual ele assume o nome de Washington Dube, nascido a 10 de Outubro de 1972,
foi-lhe atribuído pelo Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE).
Ele agiu com a intenção de obter
benefícios ilegítimos, mesmo tendo noção e maturidade suficiente das
consequências resultantes desse acto. Preferiu assumir o risco... e prejudicou
o verdadeiro dono do documento em questão.
Emildo Sambo | @Verdade
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