Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
Os momentos de fronteira ou
divisão são autênticas bolas de neve no que diz respeito a decisões. Num curto
espaço de tempo, apanhamos a síntese pelos cabelos, arregimentamos
traves-mestras e disparamos a rebolar na direção da avalancha. O tempo é imparável,
feito de instantes. Num segundo um pulo de ano e poucos são os minutos que
temos para desejar tudo o que se quer de bom nas primeiras palavras. As
primeiras palavras são chancela, previsivelmente destino. São fogo e,
frequentemente, de artifício.
Mensagens presidenciais à nação
são habituais jogos lúdicos com fronteiras e votos magnânimos ao povo, atos de
pouca contrição, recados cerrados para balanço. Convenientemente embrulhados em
paz e amor, fazem as delícias dos captadores de mensagens subliminares,
rasgadas que são as vestes. Inédito. A primeira vez de um presidente em direto
fez-se na passagem para todas as televisões, ato jubilado que o ex-comentador
político não deixaria passar em claro. Um presidente de todos os portugueses
faz-se de sinal aberto para o pleno das televisões. Com pouco ou nenhum
teleponto, sem rede ou só com a sua global rede de afetos. Nos jogos florais
das primeiras palavras, um ideal comum.
A "fraternidade
militante" a que Marcelo lançou mãos para traçar o lado bom da exigência
humanitária na resposta civil aos incêndios é o contraponto clássico com a
incompetência militante do Estado na resposta à catástrofe. Embora saibamos de
cor a lenga-lenga do não-podemos-deixar-que-isto-se-repita, mesmo sabendo que a
adiada reforma do território florestal é dossier para uma década e meia, a
verdade é que entramos no novo ano sem perceber o que foi ou está a ser feito
de significativo para evitar que a materialização do Inferno reacenda nos
primeiros dias quentes de verão. E isso é criminoso por antecipação.
Outros presidentes falam em tempo
diferido sobre incêndios globais. Se a palavra é arma nuclear, não pode ser
indiferente a escolha síntese de Kim Jong-un para as primeiras palavras à nação
norte-coreana. Enquanto assegurava aos EUA que o botão nuclear "está
sempre na sua mesa", manifesta simultaneamente a vontade de permitir a
participação do país nos Jogos Olímpicos de Inverno em PyeongChang (no que é
entendido como uma piscadela de olho à vizinha Coreia do Sul no sentido de
evitar os exercícios militares comuns programados com os EUA). O regime do
ditador coreano utiliza os seus dois únicos atletas qualificados (uma dupla de
esquiadores com passaporte olímpico - obtido em Oberstdorf - que compete ao som
dos Beatles) para fazer diplomacia olímpica. Nos jogos florais das primeiras
palavras, um ideal olímpico. Nas primeiras palavras sem flores, um pouco do
nosso deserto urgente.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
O autor escreve segundo a antiga ortografia
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