sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

PORTUGAL | O drama das televisões


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Não é surpresa afirmar que a comunicação social atravessa a sua pior crise. A informação tornou-se acessível a todos, de forma gratuita, e a comunicação social não foi capaz de pugnar pela qualidade e pela isenção, estabelecendo dessa forma uma diferença incontornável com a profusão de informação e opinião que encontramos online. O que resta, sobretudo em Portugal, é uma comunicação social refém de grandes grupos económicos, e por inerência dotadas  de uma agenda própria.

A televisão, designadamente o sector do entretenimento, não escapa à celeridade das mudanças tecnológicas. A forma de se ver televisão está a mudar inexoravelmente com clara vantagem para os serviços de streaming. Este contexto não pode ser dissociado do lixo que abunda nas televisões. A SIC propõe ir ainda mais longe, recorrendo a um programa de televisão ((Super Nanny) em que as crianças, com a autorização dos pais, são usadas para se atingir um determinado patamar nas audiências. E mais, depois da polémica e após ainda a intervenção de várias instituições que visam a protecção dos direitos das crianças, a SIC insiste e recorre a uma argumentação que passa invariavelmente ao lado do essencial: as crianças e o direito à sua dignidade que passa também pela não exposição gratuita de imagens suas (amiúde as piores por se inserirem em contextos particularmente difíceis). 

Insiste-se não só no carácter alegadamente inócuo, como por vezes se tenta até chamar à colação aspectos alegadamente positivos do programa, como se se tratasse de um instrumento para as melhores práticas de parentalidade. E mesmo que tudo isso seja verdade, o essencial mantém-se: é tudo à custa da dignidade de crianças que, naturalmente, ainda não podem fazer escolhas conscientes. 

O drama das televisões, do seu modelo anacrónico e da impossibilidade de se manter como sector rentável, dá origem a más decisões, fundamentadas com outras más decisões, designadamente aquelas que encontramos online. 

Paralelamente, se o programa é transmitido em mais de 20 países - argumento de peso da SIC - então qual é problema? Por aqui também se depreende a qualidade da argumentação da SIC.

Em suma, o programa da SIC "Super Nanny" é o resultado do drama vivido pelas televisões. O drama daqueles que vislumbram o seu fim e perdem o que lhes resta de discernimento. E todo este esforço pode ser contraproducente, sobretudo se os principais patrocinadores abandonarem o barco, como parece já estar a acontecer.

* Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

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