segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

MOÇAMBIQUE | Crianças vendem nas ruas para pagar material escolar


Passaram duas semanas desde o início do ano letivo, mas muitas crianças ainda não foram às aulas. Em Quelimane há crianças nas ruas a vender temperos de cozinha e plásticos, para comprar comida e material escolar.

Em vez de irem às aulas, na escola primária, crianças ficam a vender caldo e plásticos nos mercados de Quelimane. Algumas crianças contam que estão por sua conta e risco, e, antes de tudo, têm de ter dinheiro para comer.

"Vendo plástico a 3, 5 e 15 meticais. O negócio vai mal. Não há movimento. Só estou a tentar, porque não tenho pai, nem mãe", conta uma delas.

Outra criança ainda consegue ir à escola: "Frequento a 7ª classe. Aqui consigo comprar canetas e cadernos."

Um menino conta que os pais não têm dinheiro suficiente para comprar o material escolar: "Já comprei cadernos, canetas e uniforme. Falta-me apenas o caderno de desenho. Faço isso porque o meu pai é camponês."

Vender na rua nem sempre é mal visto

A encarregada de educação Aida Ambale lembra que, de facto, nem todos os pais e encarregados de educação conseguem sustentar as crianças. E o dinheiro extra é bem-vindo.

"Com a crise que, hoje em dia, estamos a passar não tem como. Apoio esta ideia, desde que as crianças estudem e saibam dividir o seu tempo para a escola e para fazer negócio", opina Aida Ambale.

Mas Decrescia Emílio, residente em Quelimane, está contra o trabalho infantil e critica o Governo por não fazer mais para ajudar as famílias.

Ele também lembra que "os pais não conseguem sustentar seus filhos. A vida está muito cara, o desemprego está exagerado e isso obriga as crianças a estarem na rua. Muita gente está desempregada, não consegue encontrar o pão de cada dia e as crianças saem de manhã atá a tarde, sem comer nada. Não há maneira de ir a escola, porque não há dinheiro."

Pais violam os direitos das crianças?

Já o chefe do departamento da criança e género na Direção Provincial da Ação Social da Zambézia, Eusébio Sulude, acusa os pais e encarregados de educação de violarem os direitos das crianças, ao permitirem que elas estejam nas ruas a vender produtos.

"A criança não pode substituir o trabalho dos pais. O pai deve fazer o seu trabalho e a criança deve gozar de seus direitos", defende Eusébio Sulude.

O o chefe do departamento da criança e género na Direção Provincial da Ação Social da Zambézia, sublinha ainda que a orfandade não é motivo para não ir à escola. E, mais uma vez, culpa as famílias: "Temos programas do Instituto Nacional de Ação social (INAS) para ajudar as crianças órfãs. Não há motivos para usar a capa de orfandade; as famílias não querem exercer o seu papel."

A discussão prossegue, e as crianças continuam nas ruas, a vender produtos. "Estou a tentar. Já comprei uniforme e cadernos. Em 2017 estava na 8ª e passei para a 9ª classe. O meu sonho é ser enfermeiro", revela uma criança.

Marcelino Mueia (Quelimane) | Deutsche Welle

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