segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

ANGOLA | O Estado quer sair de cena para dar espaço ao privado


Filomeno Manaças* | Jornal de Angola | opinião

O ano 2018 será praticamente o de uma corrida contra o tempo no plano económico e social. Há tanta coisa por fazer, tanta coisa por melhorar e outras tantas por corrigir que os encontros de auscultação à classe empresarial e as entrevistas dadas pelos mesmos à media se transformaram num “rosário de queixas”.

Não que antes já não houvesse, por parte de alguns, senão mesmo da maioria, críticas ou alertas ao que se estava a passar nos seus respectivos domínios, face à situações que se revelavam contra os seus interesses.

Falo particularmente daqueles que apostaram em investir em projectos e infra-estruturas no país, que apostaram na produção de raiz de bens e serviços locais, e que não encontravam facilidades para colocar os seus produtos no mercado e desenvolver normalmente a sua actividade. A concorrência representada pela importação de bens e serviços, que fez florescer uma classe de empresários assente essencialmente na transacção comercial de produtos de fora, afogou muitas dessas iniciativas e tornou o país cada vez mais dependente do exterior.

Não é, a ideia deste texto, colocarmo-nos no plano da rejeição das importações.

Seria um absurdo. Primeiro porque não temos uma economia que possa, em absoluto, dispensar as compras ao exterior e, segundo, porque, num mundo cada vez mais global, economias que se fecham, com as características da angolana, não se desenvolvem e tendem a ver os seus problemas agravados.

Todavia, as discussões acaloradas que hoje acontecem sobre a nossa economia, sobre as diferentes acções levadas a cabo pelo Estado em termos de implementação de projectos e construção de infra-estruturas, estão a levar a concluir da urgência de se mudar o paradigma que até então imperava em várias áreas.

Os encontros de auscultação aos empresários dos diferentes ramos da economia, no âmbito do Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), estão a permitir desvendar que tínhamos dinheiro para fazer melhor e não o fizemos, que tínhamos conhecimento daquilo que era o correcto que devíamos fazer e não o fizemos, que tínhamos competências e capacidade técnica para executar muito do que havia por fazer e do que foi feito e não as utilizamos.

Entramos no círculo vicioso da inércia, que ainda hoje afecta de modo visível o país, uns a remar pelas mudanças e outros arreigados a práticas antigas e a arrastar o processo.

A auscultação aos industriais deu a ver tudo isso. O sector de Hotelaria e Turismo é dos que se queixa que está praticamente de rastos, com muitas unidades a fecharem as portas, sem acesso a divisas e sem alternativas para relançar a actividade económica, e onde os centros de logística - parafraseando um empresário - já não têm talheres, toalhas e lençóis para a reposição do que se foi esfumando pelo uso.

As nossas estradas, infra-estruturas fundamentais para impulsionar as trocas comerciais e a mobilidade, estão no estado em que estão. A falta de dinheiro para pagar os empreiteiros levou à paralisação de alguns dos trabalhos de reabilitação. A discussão e revisão do Orçamento Geral do Estado permitiu reajustar os valores e muitos vão poder ser retomados. Mas as obras em curso em alguns troços apenas lá para o final do ano estarão concluídas. Com elas, espera-se desafogar a situação.

Na esteira deste assunto, é de extremo interesse a entrevista dada por António Venâncio ao Jornal de Economia e Finanças e publicada na sua edição de 16 de Fevereiro. Engenheiro de Construção Civil e consultor de Obras Públicas, vale a pena estar por dentro do realismo com que António Venâncio aborda a questão das estradas em Angola no pós-independência, até mesmo para melhor posicionarmos o país face aos desafios do futuro. Que não são poucos, tendo em conta o crescimento populacional versus crescimento da economia.

Mas, em meio a tantas queixas e más notícias, ainda assim é preciso estar optimista. O ano de 2018 é apenas o do arranque.

O Estado agora quer ser apenas regulador e deixar a actividade empresarial para o sector privado. Quer proteger a indústria nacional nascente e fortalecer a capacidade produtiva nacional. Facilitar a maneira de fazer negócios, promover o surgimento de produtos financeiros, fazer baixar os custos de produção - são alguns dos compromissos assumidos pelo Executivo na discussão, com a classe empresarial, dos objectivos do PRODESI.

A decisão do Executivo de proceder a ajustamentos no Orçamento Geral do Estado para 2018 foi um sinal da sensibilidade política com que encara a preparação, nos próximos anos, do documento, até porque este é o primeiro em que está em funções. E não havia como mudar profundamente o OGE, sob pena de operar desarticulações com ondas de choque.
Vamos ter fé.

* Director Nacional de Publicidade. A sua opinião não engaja o Ministério da Comunicação Social

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