Paulo Baldaia | Diário de Notícias
| opinião
O maior desafio que Rui Rio tem
na liderança do PSD é consigo próprio. Está preparado para correr o risco que
correu Manuela Ferreira Leite em 2009 e em que conseguiu "apenas"
tirar a maioria absoluta a José Sócrates? A verdade em política só rende votos
na medida em que os eleitores já se sentem enganados pela escolha que fizeram e
não serve de nada eleitoralmente enquanto não se materializam os perigos das
políticas em curso. Portugal viveu como se não tivesse alternativa até Outubro
de 2015 e sem oposição a partir daí. O que quer dizer que passámos da ideia de
que não havia alternativa para a ideia de que única alternativa é a que nos fez
sofrer no tempo da troika.
Dizer que as pessoas aprenderam
com o que se passou no final da década anterior, a que nos trouxe um novo
resgate, é facilmente desmontável pela informação de que o rendimento
disponível das famílias ainda não recuperou valores de 2008, mas o crédito ao
consumo atingiu máximos anteriores à crise e a taxa de poupança desceu para
níveis do final do século passado. A ética política obriga a que se diga a
verdade aos eleitores, mas como se convence quem não quer ser convencido?
Fartos da realidade imposta pelo ajustamento, os portugueses impuseram a si
próprios a ilusão de que está tudo bem. É também o que lhes diz o governo!
Rui Rio conhece bem os perigos
que tem o caminho das esquerdas e sabe bem dos erros que foram cometidos pelo
governo anterior, liderado pelo seu partido. De uma governação atenta às
clientelas eleitorais, como a atual, e que hipoteca o futuro firmando despesa,
ou uma governação excessivamente liberal que deixou para trás os mais
desprotegidos, como a anterior, venha o diabo e escolha, porque atrás de uma
vem sempre a outra. Tem, portanto, de haver uma alternativa ao que temos agora
e ao que tivemos no passado recente.
O PSD tem de se afastar do diabo
e da cruz. Não estamos condenados a repetir os erros do passado, nem a viver em
sacrifício para os evitar. Mobilizar falando verdade pode parecer impossível
mas é o único caminho que vale a pena percorrer. Rio tem de saber explicar aos
portugueses como se pode melhorar de vida agora sem comprometer o bem-estar
futuro. A retórica política importa, mais do que nunca, para encontrar o
caminho.
Regressando a Ferreira Leite e ao
tempo em que um governo socialista aumentou os funcionários públicos em 2,9%
para ganhar as eleições, importa recordar que a consequência desse serviço à
clientela eleitoral resultou em prejuízo da própria clientela com um corte nos
salários de 3,5 a 10% decidido no ano seguinte. Isto tem de ser dito com
clareza a um povo e a um governo que vive como se não houvesse amanhã.
Rio não tem sequer o estado de
graça dentro do próprio partido que o acabou de o eleger, nem da comunicação
social que adora polémicas e fervilha de entusiasmo com a ideia de que o PSD
vai ter uma oposição interna organizada. Estamos a falar de um partido e de uma
opção editorial em que um personagem menor como Abreu Amorim é notícia por se
dizer indisponível para assumir cargos para os quais Rui Rio nunca o
convidaria, na mesma lógica do personagem Pinto Luz, de quem se diz poder ser
líder no futuro e que é notícia por exigir, em carta aberta, que Rio não faça o
que Rio já disse não ir fazer. Há gente no PSD que se julga dona do partido,
que não quer senão o poder interno para distribuir lugares. No teatro de
marionetas em que se transformou o PSD, não são os bonecos a quem a comunicação
social dá palco que importam mas quem os manobra.
Há, portanto, um país que não
quer Rui Rio. O líder do PSD vai ter de vencer alguns preconceitos e ignorar
outros. Não quer Rui Rio quem está sempre à espera que o governo resolva os
seus problemas, não o quer uma série de pessoal desqualificado que milita no
PSD, não o querem os sindicatos da Função Pública com medo que acabe o
regabofe, não o quer Marcelo que não gosta dele pessoalmente e não o quer uma
parte significativa dos jornalistas e comentadores que gosta de o catalogar
como um provinciano do Porto, simplesmente porque ele não habita na corte de
Lisboa. À espera de ver o que ele é capaz de fazer está o resto do país, na
expectativa de que a política se faça em nome do bem comum e seja possível
mudar o que tem de ser mudado para modernizar a economia e dar igualdade de
oportunidades a todos os portugueses.
Rio tem de saber que de nada lhe
vale se as cedências que vai ter de fazer entrarem no domínio das convicções.
Aquilo em que acredita tem de ser o seu azimute, ignorando a oposição
desqualificada mas atento à crítica construtiva, evitando guerras
desnecessárias com a comunicação social, alimentando-a com ideias do que quer
para o país. É disso que o país precisa, de ideias e de quem as defenda com
firmeza. É o país real, que não quer saber de personagens, nem de nomes, nem de
origens geográficas, mas de políticas que o livrem de viver na bipolaridade em
que agora está tudo bem para amanhã estar tudo mal.
E há o país que não quer Rui Rio,
nem ninguém que viva em liberdade absoluta, porque isso põe em causa o
"status quo" que lhes garante a vidinha que levam. É contra esse país
que não o quer que Rio tem de mostrar desde já que é capaz de fazer o que
sempre prometeu: a reforma do regime.
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