O ministro das Finanças de
Angola, Archer Mangueira, disse hoje que espera que as medidas aprovadas e o
apoio técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) crie condições para captar
recursos financeiros em condições mais favoráveis do que as oferecidas pelo
Fundo.
Em entrevista à Lusa em
Washington, à margem dos Encontros da Primavera, que decorrem até domingo,
Archer Mangueira, quando questionado sobre a razão de não recorrer ao
financiamento do FMI e optar pelos mercados financeiros, explicou que isso se
deve à convicção de que os mercados internacionais de capitais podem oferecer
condições mais vantajosas depois das reformas.
“O programa de coordenação de
políticas [que Angola assinou com o FMI esta semana] tem duas opções, com ou
sem financiamento”, disse Archer Mangueira, acrescentando: “Normalmente os
países recorrem a programas com financiamento para financiar a balança de
pagamentos, mas o nosso défice da balança de pagamentos tem vindo a reduzir-se
nos últimos anos”, vincou o governante.
“Também acreditamos que o
programa de estabilização macroeconómico em curso, e que no fundo vai ser a
base de um programa de coordenação de políticas, ao ser concretizado, vai
certamente criar um ambiente para a captação de recursos financeiros junto dos
mercados internacionais de capitais em condições muito mais favoráveis”,
acrescentou o ministro das Finanças.
Archer Mangueira vai de
Washington directamente para Nova Iorque, onde na segunda-feira dará início a
um “roadshow” (apresentação aos investidores) da emissão de dívida pública em
moeda estrangeira (“eurobond”) no valor mínimo de 2 mil milhões de dólares,
para a qual espera uma taxa de juro na ordem dos 7%, abaixo dos 9,5% de
lançamento da última emissão, há três anos.
Antes, durante a conferência dos
ministros das Finanças africanos, na qual participou juntamente com os seus
homólogos da Nigéria, Somália e São Tomé e Príncipe, Archer Mangueira já tinha
dito que, apesar dos “sucessos alcançados” desde a queda do preço das
matérias-primas, em 2014, “Angola ainda tem muitos desafios para colocar a
economia numa trajectória de crescimento sustentado”.
Para ajudar nesses desafios, o
país vai continuar a trabalhar com o FMI, do qual é membro desde 1989, “com
fases intensas e outras menos positivas”, vincou.
Recordando os programas de apoio
já completados durante esta década, Archer Mangueira salientou que os técnicos
do Fundo fizeram, no âmbito da análise ao país ao abrigo do artigo IV, “muitas
recomendações úteis, sobre como implementar a consolidação fiscal, a
mobilização de receitas internas e as reformas estruturais”.
Essas preocupações, garantiu,
“estão bem reflectidas no Orçamento Geral do Estado e no Plano Nacional de
Desenvolvimento, e algumas delas estão já em curso e irão melhorar a capacidade
do país implementar o novo quadro operacional da política fiscal para criar
emprego e estimular o investimento”.
O objectivo, concluiu, é “ampliar
os esforços para a reforma e continuar o envolvimento com o FMI para sustentar
os ganhos até agora, buscando assistência técnica para o desenvolvimento das
capacidades para sustentar as reformas”.
Mais do mesmo
Adescida de preço das
matérias-primas obrigou vários países africanos a recorrerem ao FMI, que até há
pouco tempo tinha sido substituído pela banca comercial, cujos empréstimos são agora
incomportáveis, explicava em Maio de 2016 o jornal britânico Financial Times.
“Um pouco por toda a África, os
países que até há pouco tempo não precisavam do FMI como credor de último
recurso estão a engolir o orgulho”, lia-se na edição de 16 de Maio de 2016 do
Financial Times, num artigo com o título “Tempos difíceis empurram africanos de
volta para o FMI”.
O artigo apresenta os exemplos de
Angola, Moçambique, Zimbabué, Nigéria e Gana, entre outros, para defender que o
recurso aos sistemas de financiamento do FMI eram menos difíceis que nos anos
80 e 90, quando vários países foram obrigados a recorrer ao FMI e tiveram como
resposta um conjunto de medidas de austeridade que tornaram o Fundo altamente
impopular no continente.
“Há menos estigma em pedir ajuda
ao FMI, em parte porque o Fundo já não é tão rígido em enfiar medidas neoliberais
pela garganta abaixo dos países, sendo agora mais cuidadoso na protecção da
saúde, educação e programas de alívio da pobreza”, escreveu o jornalista David
Pilling.
O artigo defendia que o recurso
ao FMI por essa altura era mais fácil também porque as condições
macroeconómicas do continente melhoraram significativamente face ao panorama
dos anos 1980 e 1990, mas nalguns países, como Angola, o tempo perdido é
notório.
“Angola, cujos governantes
esbanjaram milhares de milhões de dólares durante os preços altos do petróleo,
é o último a provar o remédio do FMI”, dizia o jornal.
A verdade é que, com maior ou
menor sensibilidade social, o FMI continua a vestir a pela de cordeiro para,
muitas vezes com requintes de malvadez, disfarçar a faminta hiena que existe na
sua metodologia de trabalho.
O FMI, neste caso, sempre soube –
até mesmo quando andou por cá a vendar gato por candimba – que o Povo angolano
morre de fome e de doenças enquanto os oligarcas do MPLA multiplicavam milhões
roubados a esse mesmo Povo.
E o que fez o FMI? Nada. É certo
que não lhe cabia intervir. Pois é. Só lhe cabia (e cabe) deixar que o país vá
ao charco para depois, qual salvador, dar uma salsicha por cada porco sacado.
O que fez o FMI quando se tornou
público o descalabro em que a gestão da Sonangol mergulhou nos últimos anos?
Nada. Quanto pior… melhor, terá pensado a directora-geral do FMI, Christine
Lagarde.
Recorde-se, entre outros
exemplos, que Tom Burgis, autor do livro “A Pilhagem de África”, considerava
que a Sonangol opera à margem da lei (ou dentro da suprema lei do regime:
quero, posso e mando) e que foi criada e responde directamente apenas às mais
altas figuras políticas de Angola. Nada disto passou ao lado do FMI que, mais
uma vez, mostrou que a sua vocação em deixar que os desastres aconteçam (nada
de medidas profilácticas) para depois aparecer como divino salvador.
O autor do livro “A Pilhagem de
África” defende que a Sonangol foi criada inicialmente (e assim se mantém ao
longo de décadas) para conseguir financiar o MPLA, mas que com o passar dos
anos acabou por ser a mais importante empresa nacional, controlada directamente
pelos principais responsáveis políticos (do MPLA) e fugindo ao controlo das
autoridades externas, já que as internas são do… MPLA.
“Para manter o MPLA a andar,
tinham de criar uma empresa que corresse bem. A Sonangol é uma das melhores
empresas africanas e mundiais, e foi Manuel Vicente, treinado em Londres, que
foi geri-la. A partir de 2002 começa a ser óbvio que o MPLA ia ganhar a guerra,
e portanto a empresa pode privatizar-se, já não precisa de financiar a guerra,
e torna-se o motor deste Estado-sombra”, defende o autor, jornalista de
investigação no britânico Financial Times.
No que a Angola respeita, o autor
retrata as ligações entre os dirigentes angolanos e as grandes petrolíferas
ocidentais, bem como o avanço da China e as enormes desigualdades num país onde
“uma sandes normal custa 30 dólares, mas a maioria da população vive na
pobreza”.
“A Pilhagem de África”, explica o
autor, “começa com a ideia de que há uma maldição dos recursos, e mostra que os
sítios mais ricos em recursos naturais caíram sempre em golpes de estado,
guerras, violência interna, corrupção, opressão, e o padrão está mais
exacerbado em África”.
O continente africano,
acrescenta, é normalmente olhado como mais pobre, mas é o mais rico, tem um
terço de todos os recursos naturais, “mas os padrões de vida são terrivelmente
baixos”, tentando mostrar que “a maldição dos recursos” não é um acidente, nem
um conceito abstracto, é um sistema concreto de pilhagem que liga políticos
locais, autoridades de segurança, intermediários, empresas petrolíferas e os
consumidores dos materiais recolhidos em África”.
O livro, escrito como se fosse
uma longa reportagem, apresenta um conjunto de indicadores para sustentar que a
riqueza africana não está a ir para os africanos, mas sim para uma pequena
elite composta pelos privilegiados locais e pelos investidores e pelas grandes
empresas internacionais, “que apresentam-se como tendo grandes regras contra a
corrupção, grande controlo, mas depois chegam a África e dizem que há estes
‘africanos malucos e corruptos’ a tentarem tirar-lhes dinheiro do seu bolso”.
Um dos exemplos do livro, que já
tinha sido retratado nas páginas do Financial Times, tem a ver com a norte-americana
Cobalt, que explorou petróleo em Angola em associação com a Nazaki, uma empresa
que era detida parcialmente por Manuel Vicente, Fragoso do Nascimento e o Chefe
da Casa de Segurança do Presidente, general Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’,
sendo que Manuel Vicente era na altura presidente da Sonangol, que atribuía as
licenças de exploração e escolhia os parceiros locais das petrolíferas
internacionais.
E com o país ainda muito perto do
colapso, devido à conivência criminosa de muitas instituições internacionais,
entre as quais o FMI, aparece a equipa de Christine Lagarde, desta vez com a
farda de bombeiros, para apagar o fogo. É claro que todo o equipamento de
piromania está pronto para atear novos fogos.
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