Afonso Camões* | Jornal de Notícias
| opinião
O mais pueril dos enganos é
aquele em que insistimos contá-lo a nós mesmos, tão bem que chegamos a
acreditar nele. Como esse de todos negarem o bloco central, quando ele está aí,
na sua máxima força. O problema é que há eleições no ano que vem, cada um pedala
a sua bicicleta, e a campanha já está na estrada.
É certo que entre outros
cometimentos em comum, e cada um para dentro dos seus respetivos partidos ou
para os seus mais próximos, António Costa e Rui Rio já por várias vezes tiveram
que elevar a goela para enxotar os fantasmas dessa mítica arca de Noé que
juntaria PS e PSD num acordo de Governo. Rio teve de esticar o dedo perante a
desconfiança de alguns dos seus maiores detratores internos para lhes dizer que
"perdem tempo com o sexo dos anjos". E ontem mesmo, Costa veio dizer
que "a ideia de um bloco central que junte os dois maiores partidos
empobrece a democracia".
A liberdade de escolha é a
assunção da cidadania. Acontece que ambos sabem que as grandes reformas que o
país necessita e que a maioria dos portugueses reclamam - da saúde à
sustentabilidade da Segurança Social; do sistema político e eleitoral à
descentralização e ao ordenamento do território - precisam de consensos
alargados e a soma de votos entre os maiores.
O novo líder social-democrata
estendeu a mão e foi o primeiro a dizer ao que vinha. E aquele aperto de mãos,
que as imagens mostram ser sincero, entre António Costa e Rui Rio não vale
apenas pelos acordos que ambos selaram esta semana. Eles simbolizam o reabrir
de uma porta de diálogo entre o PSD e o PS. Por ora, para lá da boa aragem na
economia e do sucesso que a fórmula política caseira tem revelado no plano
europeu, os dois anos de António Costa como primeiro-ministro são, afinal, a
demonstração de que é possível, mesmo com um Governo minoritário, polarizar
vontades à sua Esquerda e, agora também, à sua Direita. É o PS a servir de
charneira e a gozar do melhor de dois mundos.
De um lado e outro agitam-se
hostes e insinuam-se ameaças veladas sobre a possibilidade de uma crise política
que o presidente da República, em jeito de aviso, já classificou "de todo
indesejável". Assim será, pois, até ao final da legislatura, sob pena de
quem a provocar se submeter ao risco de pagar cara a fatura eleitoral. Não é
preciso um acordo de Governo para que mais acordos se façam e,
sistematicamente, se afaste a ideia de um bloco central. Ele afinal existe, e
dispensa bem o fantasma da coligação entre os dois maiores partidos. Reúne à
sua volta a maior maioria de sempre e tem um nome. É Marcelo.
*Diretor do JN
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