Pedro Filipe Soares | Diário de
Notícias | opinião
Conhecer os grandes caloteiros
dos nossos bancos? Jamais, disse Carlos Costa, governador do Banco de Portugal.
A afirmação terá sido indignada - credo! - e levou logo à utilização do
argumento nuclear do "enquadramento legislativo europeu, incluindo o regulamento
do mecanismo único de supervisão".
Para Carlos Costa é aceitável a
banca pedir dinheiro às pessoas para tapar os seus buracos. Na Caixa Geral de
Depósitos foram injetados 2 mil e 800 milhões de euros; a fatura do BPN já vai
em mais de 5 mil e 500 milhões de dinheiro público e o fim ainda não está à
vista; a falência do BES já nos custou mais de 5 mil milhões de euros e,
novamente, a conta ainda está por fechar; para o Banif, já contribuímos com 4
mil e 800 milhões de euros de dinheiro de todos nós; BCP e BPI levaram de
empréstimos mais de 4 mil milhões de euros no período da troika, enquanto
salários e pensões estavam a ser cortados.
O impensável para o governador do
Banco de Portugal é conhecerem-se os protagonistas dos negócios ruinosos que
criaram os buracos nas contas dos bancos. O buraco financeiro é público, a
responsabilidade é incógnita. Pagamos e não bufamos, sem saber porquê, defende
Carlos Costa. Creio que o absurdo desta afirmação indigna a grande parte da
população que foi sacrificada para que aos bancos nunca faltasse dinheiro.
É sabido que os grandes
incumpridores de créditos bancários, que somam centenas de milhões em negócios
ruinosos, beneficiaram muitas vezes de favores políticos de quem dirigia o
banco. O BPN, por exemplo, não deixa dúvidas, dado o seu conselho de
administração facilmente poder ser confundido com um conselho de ministros de
um governo do PSD. O BES, sabemos cada vez melhor, esteve envolvido até à
medula no escândalo de José Sócrates e era gerido pelo Dono Disto Tudo Ricardo
Salgado, cujos tentáculos chegavam a todos os governos dos últimos 25 anos. O
Millennium BCP foi, na década passada, caso de polícia na disputa do seu
controlo.
Alguns exemplos conhecidos,
alguns segredos que ainda estarão escondidos, mas a verdade é que a relação
entre a política e os negócios foi sempre intermediada pela banca. Manter o
segredo dos grandes devedores é manter no anonimato os negócios que afundaram a
banca nacional e que sacrificaram as contas públicas. Carlos Costa pode ser o seu
advogado de defesa, mas não tem aprovação pública para a manutenção desse
privilégio.
Tornar público quem são os
grandes devedores é um primeiro passo para garantir um escrutínio popular aos
desmandos da banca e um motivo para maior exigência na atuação do sistema
financeiro. O combate à corrupção também passa por aqui.
O segundo passo para reforçar o
combate à corrupção é o levantamento do sigilo bancário. Esta medida não serve
para promover o voyeurismo fiscal, antes é um pilar essencial para combater a fraude
e a evasão fiscais - que tanto dinheiro rouba aos serviços públicos - e
garantir que se pode seguir o rasto do dinheiro para prevenir rendimentos
indevidos e ilícitos.
Há quase dois anos o Presidente
da República vetou uma iniciativa do governo para levantamento do sigilo
bancário. Na altura, Marcelo Rebelo de Sousa disse que se vivia uma
instabilidade financeira que tornava "inoportuna" esta mudança
legislativa. Foi uma opção que considero errada. Se não o tivesse feito,
estaríamos hoje em melhor posição para combater a corrupção e a evasão fiscal.
Contudo, como o tempo não anda para trás, acautele-se o futuro.
A proposta de levantamento do
sigilo bancário é para contas bancárias com valor superior a 50 mil euros,
permitindo à Autoridade Tributária cruzar dados com os rendimentos declarados e
detetar oscilações de património inexplicáveis. Porque é essencial combater a
corrupção e a evasão fiscal, o Bloco de Esquerda anunciou que levará o tema a
debate e votação no próximo dia 17 de maio. Em boa hora foi feito esse anúncio,
dado que o Presidente da República rapidamente veio admitir que os tempos são
outros e demonstrou abertura para esse processo.
No debate parlamentar, António
Costa desafiou o Bloco de Esquerda a convencer o Presidente da República. A
facilidade da resposta presidencial torna difícil compreender o ceticismo do
primeiro-ministro. Em todo o caso, se a dúvida existia, está ultrapassada.
O repto está agora lançado aos
partidos na Assembleia da República: estão disponíveis para acabar com o sigilo
bancário e dar um passo fundamental no combate à corrupção e à evasão fiscal? Ou querem continuar a dar
cobertura à corrupção?
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