Política anti-imigrantes dos EUA
vai muito além. Em um ano, 38 mil foram presos, por serem estrangeiros. Um
milhão de outros podem ser deportados. Crianças aprisionadas podem nunca mais
encontrar os pais
Amanda Holpuch*, no The Guardian |
Outras Palavars | Tradução: Mauro Lopes
Um mês antes de Donald Trump
promulgar uma política que permite a seu governo tirar milhares de crianças
migrantes de seus pais, o presidente disse duas vezes a multidões, em seus
comícios, que membros de gangues de imigrantes não eram pessoas. “Eles são
animais”, afirmou em maio. No último fim de semana, surgiram vídeos e fotos
dos centros de detenção, semelhantes a gaiolas, onde crianças, separadas
de seus pais, estão abrigadas.
O comentário de Trump foi
dirigido a membros violentos da gangue MS-13 [uma gangue formada sobretudo por
migrantes de origem salvadorenha Mara Salvatrucha’, uma combinação das palavras
Mara (“gangue”), Salva (“Salvador”) e trucha (“malandros da rua”)]. Trump rejeitou
a idéia de que estivesse falando sobre todos os imigrantes. Hoje, no entanto,
na medida em que surgem críticas sobre um conjunto draconiano de políticas de
imigração,ativistas e advogados especulam sobre até que ponto o presidente dos
EUA e sua equipe estão dispostos a ir para impedir a entrada de imigrantes no
país.
O exemplo mais extremo desta
política é a prática da separação familiar, com mais de 1.600 crianças tiradas
dos pais. Ativistas dizem que a prática ocorreu discretamente por meses, antes
de o governo adotá-la como política em abril. “Isso vai totalmente contra
o espírito com que este país foi fundado”, disse Janet Gwilym, uma advogada que
representa crianças no estado de Washington. “Temos a responsabilidade moral de
aceitá-los. É lei internacional aceitar refugiados; é o que são essas pessoas
e, em vez disso, estamos apenas aumentando o trauma pelo qual elas estão
passando. ”
Gwilym, diretora da filial de
Seattle da Kids in Need of Defense – Kind [Crianças que Precisam de Defesa], um
grupo de defesa de crianças imigrantes desacompanhadas dos pais, disse que
crianças de 12 a 17 anos que estão no centros de detenção consolam crianças
que, como elas, acabam de ser tiradas de seus pais.
Ela afirmou ainda que as crianças
denunciam que as autoridades de imigração lhes dizem que elas vão ver seus pais
novamente em poucos minutos, mas que ela ficam sem vê-los por meses.
Mesmo diante da generalizada
condenação bipartidária [democrata e republicana] e das advertências de
organizações médicas sobre as consequências de longo prazo que essas separações
têm sobre as crianças, Trump e seu gabinete permaneceram firmes. “Os Estados
Unidos não serão um campo de migrantes e não terão instalações com benefícios
para refugiados. Não seremos”, disse Trump em um encontro com a imprensa na
Casa Branca nesta segunda-feira (18).
Essa defesa estridente de Trump
acontece na medida em que se aproximam as eleições de novembro e dois anos
depois da tentativa fracassada do presidente norte-americano de cumprir sua
promessa de campanha de expandir o muro fronteiriço entre o México e os Estados
Unidos.
O Congresso não concedeu verbas a
Trump para edificar novos trechos da muralha na fronteira, mas nesse ínterim,
seu governo criou um muro invisível de políticas que os ativistas e advogados
dizem que devem conter todos os tipos de imigração. A separação das crianças de
seus pais é apenas a mais dramática de muitas medidas tomadas pela Casa Branca
para combater a imigração ilegal nos Estados Unidos.
As pessoas afetadas por essas medidas
incluem refugiados e adultos e crianças sem o green card, que também foram
alvo de uma série de ações, como o cancelamento de um programa de refugiados
para crianças que viajam de países perigosos do norte da América Central até os
EUA.
Há histórias diárias de pessoas
sem visto, mas residentes nos Estados Unidos há décadas e com filhos nascidos
no país, sendo localizadas em seus locais de trabalho e forçadas a voltar para
seus países de origem. Quando se trata de população sem visto que vive nos
EUA, aos olhos da governo parece não haver mais nenhuma distinção entre
criminosos violentos e pessoas que vivem discretamente há décadas, sem status
legal. De outubro de 2016 a setembro de 2017, o Serviço de Imigração e
Alfândega dos EUA prendeu cerca de 38 mil pessoas que não tinham condenações
criminais – um aumento de 146% em relação ao ano anterior.
Da mesma forma que aplica a
política de separação de famílias, o governo cancelou abruptamente um programa
que fornecia suporte temporário para imigrantes sem documentação, conhecido
como Dreamers (Sonhadores). Após o encerramento do Dreamers e
de um programa do governo de socorro aos migrantes, chamado de Status
Temporário de Proteção destinado a pessoas de seis países, 1.038.600
pessoas não estão mais protegidas da deportação, segundo dados do próprio
governo.
A repressão política avançou em
muitas frentes, mas a virada mais extraordinária ocorreu em abril, quando o
governo Trump possibilitou a separação familiar, dizendo que haveria
“tolerância zero” para as pessoas que cruzam a fronteira ilegalmente. Na
fronteira, esses pais são considerados criminosos e separados de seus filhos,
que não podem ser mantidos em centros de detenção para adultos.
A posição do governo, que inclui
culpar os opositores do Partido Democrata e defender a separação das famílias
com base em supostos motivos bíblicos, ignora os alertas das principais
organizações de saúde e bem-estar infantil do país, incluindo a Associação
Americana de Pediatria.
Os pais também estão sofrendo com
a separação, disse Lee Gelernt, vice-diretor do Projeto de Direitos dos
Imigrantes da ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis). Gelernt
entrou com uma ação coletiva em março contra a prática de separação familiar do
governo Trump, após se encontrar com uma mulher congolesa que não via sua filha
de sete anos havia quatro meses. Ela e sua filha foram reunidas depois que
Gelernt entrou com uma ação legal em seu nome. “Essa é uma política de
imigração chocante, a que vemos no governo Trump; francamente, venho
fazendo esse trabalho há quase três décadas, e essa é a política de imigração mais
terrível que já vi”, disse Gelernt.
Gelernt afirmou ainda que os pais
detidos com quem ele fala têm medo de perguntar demais aos agentes de imigração
sobre seus filhos, por receio de suas crianças sofrerem retaliação. O
líder da ACLU relatou que uma família disse a ele que desde que eles se
reencontraram, o filho de quatro anos pergunta repetidamente se o governo vai
tirá-lo do covívio familiar novamente.
Os processos legais por
iniciativa ACLU buscam reunir as famílias que foram separadas e impedir que
outras famílias sejam separadas no futuro. Conforme os casos caminham nos
tribunais, os impactos da separação das famílias são agravados pela falta de
uma infraestrutura mínima para apoiar a política de Trump. O governo tem um
sistema tão caótico que os defensores dos filhos estão fazendo buscas
desesperadas para localizar os pais.
“O que estamos descobrindo é que
não há nenhum mecanismo, nenhuma política para comunicar ou mesmo encontrar os
pais enquanto a criança estiver separada”, disse Megan McKenna, diretora sênior
de comunicações e mobilização da Kind. Ela afirma que quando os pais e
filhos foram separados, cada um deles recebeu o número de seu processo
individual ao qual sua mãe, pai, filha ou filho não tiveram
acesso. Imaginando que esses números fossem sequenciais, os defensores da
Kind começaram a procurar no sistema de rastreamento de casos, na esperança de
que isso os levasse aos pais que eles estavam procurando.
“É como um jogo: talvez o número
da criança termine em cinco, então o número do adulto pode terminar em seis”,
disse Megan. “Você coloca isso no sistema e vê se dá certo. Mas poderia ser o
contrário. Ou tenta outra lógica”. Essa tática funcionou em alguns
casos, mas não em número suficiente para ser uma solução. Ela disse que
outros problemas incluem o fato de as crianças em muitos casos não saberem por
que sua familia estava fugindo, o que poderia afetar o resultado de seu caso de
imigração.
Outro desafio é o fato de os
advogados não saberem o que pais separados das crianças querem para seus
filhos. Por exemplo, se um pai ou mãe é deportado, ele pode querer que seu
filho seja devolvido ao país de origem com ele. Ou pode haver tanto perigo em
seu país de origem que eles prefeririam que a criança ficasse com autoridades
de imigração nos EUA. E mesmo que as preferências dos pais fossem conhecidas,
não há um procedimento claro para reunir os pais, especialmente se um deles já
tiver sido deportado.
Megan disse que a Kind estava
defendendo uma criança de dois anos que foi separada de seu pai em março último.
O pai foi deportado em abril, mas até 12 de junho a menina ainda estava sob a
custódia do governo dos EUA.
“As conseqüências em termos de
sofrimento humano não podem ser subestimadas”, disse Megan. “As crianças estão
sendo tirados de seus pais.”
*Amanda Holpuch - Repórter do The
Guardian sediada em Nova York
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