Sendo a maior economia do mundo,
os EUA tem um dos níveis de pobreza e desigualdade mais elevados entre os
países da OCDE, mas mais de um quarto dos 2208 bilionários do mundo.
André Levy | AbrilAbril | opinião
O relator especial das Nações
Unidas Philip Alston irá apresentar ao Conselho de Direitos Humanos das Nações
Unidas, a 21 de Junho, um relatório sobre a situação de pobreza extrema e direitos
humanos nos EUA.
Nele descreve um país de enormes
disparidades, onde numa das sociedades mais ricas do mundo existem 40 milhões
de pessoas abaixo do limiar de pobreza 1,
incluindo 18,5 milhões em pobreza extrema e 5,3 milhões em «condições de
pobreza absoluta de Terceiro Mundo».
Sendo a maior economia do mundo, os EUA tem um dos níveis de
pobreza e desigualdade mais elevados entre os países da OCDE, mas mais de um quarto dos 2208 bilionários do mundo.
Segundo um relatório do Centro sobre Pobreza e Desigualdade da Universidade de Stanford,
entre dez dos países ocidentais mais ricos do mundo, situa-se em último em
termos de redes de segurança e desigualdade de rendimento e riqueza. Os EUA tem
também uma das menores taxas de mobilidade social intergeracional entre países
ricos, um contraste marcante face à promessa do Sonho Americano.
Quase uma em cada
três famílias trabalhadoras têm dificuldades em aceder às necessidades
básicas. O número de trabalhadores que precisam de subsídio para comprar comida
tem vindo a subir, de 20% em 1989 para 32% em 2015. A situação nacional é
espelhada na Walmart, cadeia de hipermercados e a número um na Fortune Global
500, a maior empresa mundial em termos de rendimento: muitos dos seus
trabalhadores precisam de assistência alimentar mesmo trabalhando a tempo
inteiro.
Refira-se ainda que esta
companhia, a maior empregadora privada nos EUA e no mundo (com um total de 2,3
milhões de trabalhadores), foi também das judicialmente obrigadas a pagar mais
dinheiro aos seus trabalhadores após roubo de salários e outros atropelos laborais: desde
2000, um total de 1,4 mil milhões de dólares.
Um relatório da Reserva Federal dos EUA, publicado no início
de Junho, indica que mais de um quinto das famílias nos EUA não consegue pagar
todas as suas despesas mensais; que um quarto das famílias não procura cuidados
médicos por não os poder pagar; e que 40% não seria capaz de enfrentar uma
despesa inesperada de 400 dólares.
Isto é, milhões de famílias não
conseguem poupar. Enquanto 40% têm rendimentos familiares abaixo dos 40 mil
dólares anuais, metade dos CEO das maiores empresas ganham mais do que
isso por dia.
Enquantos os salários executivos
têm crescido celestialmente, a valor real do salário mínimo federal (7,25 dólares por
hora), ajustado para a inflação, é 67% do seu valor máximo em 1968.
Uma das lutas laborais nos EUA
tem sido precisamente a subida deste salário mínimo para 15 dólares/hora, e discute-se a ideia
de um salário máximo. Refira-se ainda, embora representem metade da força de
trabalho, as mulheres correspondem a dois terços dos trabalhadores a receber
salário mínimo.
A situação de pobreza é
particularmente grave entre as crianças, com um número crescente de pais
solteiros a auferir baixos salários: entre 1995 e 2012, houve um aumento de
748% [sic] no número de crianças de mães solteiras a viver com menos de 2
dólares por dia.
Em 2016, 18% das crianças nos EUA
viviam na pobreza. Destas, 36% eram hispânicas, 31% brancas e 24% negras. Em
2017, 21% dos sem-abrigo era crianças. A taxa de mortalidade infantil (5,8
mortes em cada mil nascimentos) é quase 50% acima da média da OCDE (3.9).
O relatório de Alston refere-se
também as limitações dos direitos políticos, mencionado as elevadas taxas de
abstenção (cerca de 45% nas eleições presidenciais de 2016), o acesso
privilegiado dos mais ricos a lugares de representação política, mas também o
elevado número de pessoas que nem estão registadas como eleitores (apenas 64%
da população está registada).
Sublinha ainda como mais de 6,1
milhões de ex-presidiários que não podem votar, uma subida tremenda nos
potenciais eleitores excluídos por condenação criminal face aos 1,2 milhões em
1976, atingindo em particular os negros (1 em 13), por contraste com os
não-negros (1 em 56).
Note-se ainda que os EUA tem a maior
taxa de encarceramento prisional do mundo. Aliás, 31 dos 50
estados tem taxas de encarceramento mais elevadas que qualquer outro país do
mundo.
Os EUA lidera ainda na dimensão
da sua população prisional feminina: com apenas 4% das mulheres mundialmente,
possui cerca de 30% da população feminina encarcerada no mundo. O relatório
fala no sistema judicial como efectivamente um sistema que reforça o ciclo de
pobreza, enquanto gera rendimento para financiar o próprio sistema (e as
associadas economias das prisões e fianças sistema prisional).
E refere-se à criminalização da
pobreza: «a punição e encarceramento dos pobres é uma resposta
distintamente americana à pobreza no século XXI. Os trabalhadores que não
podem pagar as suas dívidas, os que não podem aceder a serviços privados de
liberdade condicional, as minorias alvejadas por violações de tráfico, os
sem-abrigo, doentes mentais, mais que não podem pagar abono familiar e muitos
outros são encarcerados. Encarceramento massivo é usado para tornar os
problemas sociais temporariamente invisíveis e criar a miragem de que algo foi
feito.»
Embora a presente situação,
descrita no relatório, seja fruto de um processo que antecedeu a actual
administração Trump, este não deixa de assinalar o corte fiscal de 1,7
biliões de dólares (de Dezembro de 2017), «beneficiando os ricos e
agravando a desigualdade», e sublinhar que «as políticas seguidas no último
ano parecem deliberadamente desenhadas para retirar protecções básicas aos mais
pobres, punir os sem emprego e mesmo tornar os cuidados médicos mais básicos um
privilégio a ser ganho em vez de um direito».
O relatório certamente cairá
sobre ouvidos moucos na Casa Branca. Afinal, a Embaixadora dos EUA nas Nações
Unidas, Nikki Haley, tem sido uma grande crítica do Conselho de
Direitos Humanos das NU. Em Junho de 2017, Haley chegou mesmo a ameaçar retirar os EUA de novo do Conselho, caso não fosse
retirada da agenda a persistente condenação de Israel.
1 - Os EUA têm uma população
estimada de 325 milhões (2017), o terceiro país mais populoso do mundo após a China
e Índia.
Foto: Newsweek
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