Aos professores não peçam que
calem a luta, que fiquem paralisados enquanto o tempo avança e a legislatura se
esgota, enquanto o governo toma decisões e aceita decisões que outros tomam e
que põem em causa a resolução dos problemas.
João Louceiro | AbrilAbril |
opinião
Em nome da austeridade,
o governo de Sócrates e o de Passos Coelho, e as suas maiorias
parlamentares, deixaram de respeitar o tempo de serviço prestado pelos
trabalhadores da administração pública que, com outras exigências, é condição
necessária para os desenvolvimentos de carreira, de acordo com o que a
legislação determina.
Fizeram o trabalho que lhes
competia, cumpriram deveres e obrigações, aliás, em condições particularmente
adversas, suportaram sobrecargas e a degradação das condições em que desempenham
funções, cortes brutais de rendimento. Os governos fizeram como se não tivessem
trabalhado... Assim extorquiram milhares de milhões de euros devidos, neste
caso, a quem trabalha no âmbito da administração pública; milhares de milhões
vazados nos destinatários habituais dos saques, juros e serviço da dívida,
banca, PPP, negócios privados em áreas públicas, etc., etc.
O governo de António Costa
prolongou o esbulho e tenta agora encontrar forma de, tanto quanto possível, o
perpetuar. Há uma sanha indisfarçável em relação aos professores, não por
qualquer calunioso privilégio, mas porque, além de serem necessariamente
muitos, são trabalhadores com elevadas qualificações e destacada importância
social. Para azia de certa gente, isto há de ter alguma tradução na carreira
deles.
Os professores reclamam a
normalização, de acordo com o que está consagrado na legislação. Tal não se
alcança só com o retomar (mitigado) da contagem de tempo, o dito
descongelamento. Exigirá que os professores sejam colocados no ponto da
carreira em que devem estar, segundo as regras e a estrutura aprovada, diga-se,
por governos do PS. Idêntica reclamação mobiliza outros trabalhadores de outras
carreiras? É de inteira justiça que lutem!
Importa dizer, ainda, que as
razões dos professores não se esgotam na recuperação do tempo de serviço. O
governo também não responde à necessidade de medidas que atenuem o vincado
desgaste que atinge os docentes, ao imperativo de fazer face ao envelhecimento
do corpo docente, o que, combinado com o tema anterior, suporta a exigência de
um regime de aposentação adequado, ao problema da precariedade laboral, em
relação ao qual o esforço realizado é manifestamente insuficiente.
Justiça e lei
A normalização da carreira é uma
aspiração justa. Quem ataca a luta dos professores, dizendo que são
privilegiados, alegadamente por a sua carreira ter escalões (muitos,
demasiados!) de quatro anos, devia saber que, hoje, os docentes com 18 anos de
serviço ainda estão a chegar ao segundo escalão, quando deviam estar no quinto;
ou saber que a lei estabelece que, com 27 anos de serviço, um professor devia
estar no oitavo mas, afinal, ainda está retido no segundo escalão!
Se os argumentos de justiça não
mexem com António Costa, o governo e o seu partido, lembrem-se que o Orçamento
do Estado – é da lei que voltamos a falar – estabelece a negociação dos prazos
e do modo da recuperação do tempo de serviço nas carreiras do tipo da dos
professores; não põe à discussão quanto tempo é para apagar, para fazer de
conta que não foi tempo de trabalho.
O governo não quer cumprir a lei,
quer perpetuar roubos através da não recuperação do tempo de serviço prestado
no longo inverno dos congelamentos.
E se a lei em vigor o determina,
existe ainda uma resolução da Assembleia da República que a reforça. Recomenda
a contagem de todo o tempo e a correspondente valorização remuneratória.
Tentado pelo produto do roubo de tempo de serviço, António Costa desvaloriza a
recomendação aprovada, também, com os votos do PS.
Não admira que o governo despreze
o compromisso que assinou com as organizações sindicais em novembro, no qual se
destacava a recuperação do tempo de serviço. Não admira e não se desculpa!
Intransigência de quem?!
A FENPROF, acompanhada pelas
organizações que têm convergido no atual processo de luta, vem insistindo com a
necessidade de se encontrarem respostas para os problemas, tem apresentado
propostas e procurado abrir caminhos. Não reivindica a devolução dos milhões
extorquidos nos últimos largos anos: apenas a (progressiva) normalização da
carreira docente.
Aceitou não dificultar a
discussão com outro tempo de serviço perdido em revisões da carreira (da
responsabilidade de governos do PS), perdas que adensam os prejuízos suportados
pelos docentes.
Aceitou que a recuperação não
arrancasse já este ano mas sim, moderadamente, no próximo. Admite um faseamento
prolongado, de forma a não comprometer a dita sustentabilidade do processo.
Apresentou propostas mas não excluiu
a possibilidade de as rever e as alongar ainda mais no tempo. Aceitará, aliás,
como base de negociação, se assim for proposto pelo governo, a consideração do
tempo de serviço por ele admitido, desde que, naturalmente, a recuperação de
apenas 30% do tempo não sirva para o roubo definitivo, o apagão, dos outros
70%! Inflexibilidade de quem? Intransigência de quem?!
Notas finais
Contra a luta dos trabalhadores,
mexe sempre outro argumento. Em especial a greve, é um direito fundamental da
democracia, tem de ser respeitado; mas, com mil diabos, sempre que acontece é
inoportuna e demonstra um egoísmo intolerável por parte de quem foi obrigado a
fazê-la.
Repete-se com a greve às
avaliações que a FENPROF e outras nove organizações sindicais convocaram a
partir de dia 18, num importante e ponderado movimento de convergência para a
defesa de legítimos interesses dos professores, bem significativo quando os
divisionismos do costume, sempre úteis ao poder e muito ativos quando a luta
tem de ser mais forte, já assumiram as habituais posições no campo de batalha.
Agora a inoportunidade e o
egoísmo voltam a ser porque estamos no final do ano... Conhecemos a
ladaínha... A verdade é que os problemas estão colocados há muito e a
estratégia do governo tem sido não lhes dar resposta, deixar o tempo passar,
adiar, empatar...
Aos professores não peçam que
calem a luta, que fiquem paralisados enquanto o tempo avança e a legislatura se
esgota, enquanto o governo toma decisões e aceita decisões que outros tomam e
que põem em causa a resolução dos problemas. A paciência tem limites.
O governo há de saber e o partido
do governo há de lembrar que tal tipo de comportamento tem custos políticos. A
continuar assim, chegarão os custos eleitorais.
A justíssima luta dos professores
prossegue com a greve às avaliações convocada pela FENPROF e outras nove
organizações sindicais que os representam.
*O autor escreve ao abrigo do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990
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