Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
Pode uma imagem definir um homem?
E pode uma imagem definir um político? E se esse político for uma projeção
constante de imagens, de milhares de fotogramas difusos, em distintos
contextos, sem critério de importância, quantidade inesgotável e qualidade
ocasional? Até onde vai, ou pode ir, o ascendente mediático de Marcelo Rebelo
de Sousa? Haverá limites para a sua ubiquidade? E, acima de tudo, quererá o
presidente da República impor travões a si próprio, quando essa convergência
com o quotidiano lhe tem granjeado tantos lucros? Como se define, hoje, este
homem multiplicado? Já nos habituámos a tudo em Marcelo. Quando ele desmaiou,
há dias, num pico de calor, sentimos um aperto no peito como se tivesse sido
com um tio ou um primo. Alguém que está ao nosso redor todos os dias. A
normalização da sua comparência ajuda a tolerar até as excentricidades. Mesmo
quando o presidente da República de Portugal se transforma num comentador dos
jogos da seleção no Mundial de futebol. Em direto nas televisões. Meia dúzia de
minutos depois da partida terminar. Marcelo alimenta-se dos momentos de união
nacional com o mesmo talento com que o faz nas tragédias coletivas. É a
bandeira à janela da nação efusiva e o antidepressivo que ameniza os ciclos
negros. Os portugueses elegeram um homem que se transformou numa entidade. Mas
esse homem-entidade que, há uns meses, numa madrugada fria, se sentou no chão
com um sem-abrigo - no que resultou, porventura, na mais poderosa imagem do
alcance social da Presidência - não pode querer ser sempre um cidadão comum.
Porque não é. A humanização cunhada no cargo é uma virtude que decorre da sua
natureza. Só que o exagero que se tornou vulgar elimina as distâncias
necessárias. Marcelo precisa todos os dias de Portugal. Não é líquido que Portugal
precise todos os dias de Marcelo.
* Subdiretor do JN
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