Se as ideias dominantes são as
ideias da elite dominante, se estamos numa forma de capitalismo histórico com
desigualdades de novo pornográficas e com formas correspondentes de consumo
ostentatório – o porno-riquismo –,
então não é de espantar que os centros (re)produtores de conhecimento traduzam
de formas cada vez mais variadas o estado de coisas fixado pelo dinheiro
concentrado.
Por exemplo, já temos actividades ditas de formação para executivos na área do luxo, marcas de luxo, casas de luxo, todo o conhecimento ao serviço do egoísmo a que os ricos são atreitos, da emulação consumista assim gerada, do desperdício sistemático, da busca incessante, e de soma nula, de distinção e de posição sociais, em que para uns terem outros têm necessariamente de ser excluídos. Trata-se de um conhecimento ao serviço do porno-riquismo. Este tipo de conhecimento, ainda que de formas por vezes menos directas, é, na realidade, apanágio de toda a sabedoria económica convencional.
Existe hoje toda uma imprensa moralmente corrosiva que ecoa este conhecimento, idolatrando os ricos cada vez mais ricos, os que circulam frequentemente em busca de vantagens fiscais, os grandes beneficiários de paraísos fiscais, dos chamados vistos gold e de outras prebendas associadas à circulação sem entraves do capital. Esta liberdade de circulação foi reconquistada nos anos oitenta e noventa graças à integração europeia, não se esqueçam. A liberdade de uns é a submissão de outros. Os cada vez mais exigentes standards pecuniários dos ricos cada vez mais ricos infectam cada vez mais este país.
Numa homenagem certamente inadvertida ao economista institucionalista Thorestein Veblen, o Diário de Notícias (DN), em versão agora minguada, tem um suplemento mensal dedicado ao luxo chamado Ócio. Veblen foi o autor, em 1899, do agora clássico A Teoria da Classe Ociosa, que será em breve editado entre nós, cunhador aí da noção de consumo conspícuo e um dos seus analistas críticos mais lúcidos. Um livro de uma era anterior de porno-riquismo que nos deixa pistas bem úteis para esta nova era de desigualdades pornográficas.
Entretanto, a coordenadora de cursos universitários dedicados ao luxo, Helena Amaral Neto, que já naturalmente escreveu para este suplemento, tinha antes afirmado ao DN que a arrancada do luxo no país data por sinal do ano dois da troika, 2012, estando associado ao “movimento do imobiliário, que depois gerou turismo”. Todo um país desigualmente pornográfico, em modo Florida da Europa, começava a ser literal e mateforicamente reconstruído.
Aqui chegados, e para atar provisoriamente as pontas soltas, sugiro que revisitemos a declaração de Miguel Sousa Guedes, CEO da Amorim Luxury e marido da milionária-herdeira Paula Amorim: “não podemos ter pessoas de classe média ou média baixa a morar em prédios classificados”. É preciso não esquecer que o apelido Amorim está associado ao luxo, mas também ao rentismo fundiário e à especulação imobiliária, tendo a Herdade da Comporta agora na sua mira, sem esquecer o fundamental: a Amorim Energia, empresa sediada na Holanda para receber dividendos, com o mínimo de impostos, da Galp. Ou seja, estão sempre a beneficiar fiscalmente. E isto está ludo pornograficamente ligado pela integração europeia, o nome da globalização mais intensa em parte deste continente.
Sem comentários:
Enviar um comentário