Ao aprovar lei claramente
discriminatória, Parlamento sugere que os palestinos não precisam existir.
Assim como os massacres praticados pelo exército, pode ser erro histórico
Belén Fernández*, no Jacobin | OutrasPalavras | Tradução: Mauro Lopes
Na quinta-feira (19 de julho), o
parlamento israelense aprovou uma nova lei estabelecendo Israel como a
“Estado-nação do povo judeu”. O consenso até agora na mídia de elite sempre
astuta é que a medida foi “controversa“.
O site do Jerusalem Post fornece
o texto em inglês da legislação, que estipula que “a
realização do direito de autodeterminação nacional no estado de Israel é
unicamente para o povo judeu”. Em outras palavras, os palestinos não precisam
existir .
Outras pedras preciosas do
texto incluem a afirmação de que “o estado vê o assentamento judaico como um
valor nacional e trabalhará para encorajar e promover seu estabelecimento e
desenvolvimento”. O New York Times especulou cuidadosamente que essa
previsão poderia “possivelmente ajudar… aqueles que gostariam de ver avançar
políticas discriminatórias de alocação de terras”. A lei também rebaixa o árabe
de idioma oficial para um com “status especial no estado”.
Enquanto o primeiro-ministro
israelense Benjamin Netanyahu celebrou a aprovação da lei como “um momento crucial
nos anais do sionismo e do Estado de Israel”, outros sionistas foram bem menos
calorosos. O Times of Israel registrou a posição do rabino Rick Jacobs, presidente
da proeminente União pela Reforma do Judaísmo nos Estados Unidos, que lamentou:
“O dano que será feito por essa nova lei do Estado-nação à legitimidade da
visão sionista e aos valores do estado de Israel como uma nação democrática – e
judaica – é enorme”.
Jacobs está, sem dúvida, correto,
mas parece que tal legitimidade já foi definitivamente esmagada pelo hábito
recorrente de Israel de abater os palestinos desarmados e tomar suas terras. De fato, o tumulto sobre a nova lei
obscurece a realidade de que não há realmente nada de novo nisso.
Ben White, autor de Israel Apartheid: A Beginner’s Guide (O apartheid em
Israel: um guia para iniciantes), apontou em artigo no Middle East Eye que “qualquer lei discriminatória
já estava nos livrose as formas legais de criar comunidades
segregadas em Israel já existiam”. Não só existe “direito zero à igualdade” no país, como a legislação
israelense “já privilegia a proteção de um ‘Estado judeu’ sobre a igualdade
para cidadãos não-judeus”.
O banco de
dados on-line sobre leis discriminatórias, administrado pela Adalah —
Centro Jurídico dos Direitos das Minorias Árabes em Israel — conta 65 leis
israelenses que discriminam direta ou indiretamente palestinos. Na lista estão
temas como “Sentenças
mínimas obrigatórias para atiradores de pedras condenados”, “Lei antiboicote –
Prevenção de danos ao Estado de Israel por meio de boicote” e a charmosa “Lei Nakba –
Emenda n. 40 à Lei de Orçamentos para Fundações”.
A “Lei Nakba”, relata o site da
Adalah, está em vigor desde 2011 e “autoriza o ministro das Finanças [de
Israel] a reduzir o financiamento estatal ou apoio a uma instituição que
realizar uma atividade que rejeite a existência de Israel como ‘Estado judeu e
democrático’ ou escolhe marcar o aniversário da fundação de Israel como um “dia
de luto”.
Desde o começo, o objetivo
primordial de Israel tem sido apagar a identidade palestina como um meio de
usurpar a terra; vale recordar a teoria da ex-primeira-ministra
israelense Golda Meir, apresentada em 1969, de que “não existiu essa
coisa de palestinos… Eles não existiram”. No entanto, é bem mais fácil dizer do
que fazer desaparecer todo um povo que não deseja ser eliminado — daí, talvez,
a utilidade dos massacres militares israelenses periódicos.
A nova lei é uma continuação da
praxe israelense de tentar fazer os palestinos desaparecerem. A renomada autora
palestino-americana Susan Abulhawa afirmou que a legislação reflete a
decisão de Israel de “formalizar seu Apartheid”, o que levou o Facebook a
compor um inventário dos alardeados privilégios da “democracia” de
Israel — onde “todos votam (exceto um milhão de não-judeus nativos sob o regime
militar judaico)” e os comitês de bairros obedientemente “garantem que
não-judeus não comprem ou aluguem imóveis em bairros judeus”.
O resultado da lei, escreveu
Abulhawa, é que “os não-judeus nativos não são humanos o suficiente para
receberem o direito humano de autodeterminação” e que “se eles escolherem viver
em sua terra natal”, deverão existir à mercê dos conquistadores.
Quanto aos refugiados palestinos
e seus descendentes, é claro que eles não têm a opção de escolher morar em sua
terra natal, pois o direito
de retorno é reservado para pessoas de orientação judaica que não
possuem qualquer conexão com a terra em questão. (Mesmo que o judaísmo nem
sempre garanta que você em estará casa de graça no Estado-nação, como aconteceu
com as judias etíopes, que foram obrigadas a tomar anticoncepcionais).
As recriminações da comunidade
internacional sobre a lei “polêmica” e a iminente erosão da democracia em
Israel provavelmente serão tão eficazes quanto a denúncia contínua dos assentamentos
ilegais de Israel — que simplesmente entrou no reino dos ruídos de
fundo, incapaz de impedir a remessa anual de bilhões de dólares de ajuda
militar dos EUA a Israel.
Mas, enquanto Israel pode
continuar liderando a indústria de criação de fatos, o terreno pode estar menos
firme do que aparenta. Especialmente se, como Abulhawa espera, Israel estiver
“cavando seu próprio túmulo”.
* Bélen Fernández - editora da
revista Jacobin
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