O escritor moçambicano Mia Couto
considera que o sistema judicial do país não tem credibilidade. "A justiça
está como está, não só devido à corrupção, mas pela insegurança dos
juízes", disse numa palestra em Maputo.
Mia
Couto debruçou-se esta quarta-feira (11.07) sobre a justiça no país,
como principal orador da palestra "Um olhar sobre a justiça",
organizada pela Associação Moçambicana dos Magistrados Judiciais (AMMJ).
"As pessoas devem acreditar na justiça em Moçambique, porque a
credibilidade da justiça é a principal questão que está em jogo. Mas ninguém
acredita na justiça se ela atuar numa redoma fechada", declarou.
O escritor reconheceu
que há corrupção na justiça, mas foi cauteloso ao afirmar que nem todos os
juízes têm má conduta. "É um erro e uma injustiça pensar que todos os
profissionais da justiça são corruptos", defendeu Mia Couto, que considera
ser errada a percepção de que os magistrados não atuam bem por causa da
corrupção, pois dentro da classe há muitos juízes sérios.
Como exemplo de corrupção na
justiça, o escritor questionou a existência de empresas de estrangeiros não
registadas que atuam com muita serenidade. "Quem emitiu a licença de
operação para uma empresa que nem sequer tem um lugar, não existe? As nossas
empresas são sujeitas a inspeções, fiscalizações, e todos os anos as equipas de
inspeções estão a bater-nos à porta", salientou.
Mia Couto enalteceu a importância
da justiça para fortalecer a democracia. "Se não houver vontade política
não há Estado de direito. Mas só é sustentável se for apoiada pelas
instituições democráticas pela lei, pelo imperativo da coisa pública",
defendeu.
Crimes ambientais
Em relação aos crimes ambientais,
Mia Couto, na qualidade de biólogo, lamentou o fato de Moçambique continuar a
ser um corredor para traficar
pontas de marfim e cornos de rinocerontes.
Relatos de envolvimento de
moçambicanos no tráfico acabam normalmente com a detenção de pessoas sem poder
e com a impunidade de pessoas com influência nas estruturas do Estado.
O escritor deu o exemplo da
Tanzânia, onde o Governo conseguiu conter este tipo de crime. E os criminosos
olham agora para Moçambique como um terreno fértil. "O que era nosso nunca
chegou a ser nosso. O que era riqueza dos moçambicanos está a encher o bolso de
alguém lá fora. O que era património biológico de Moçambique já não temos",
criticou.
Justiça desorganizada
Alguns participantes nesta
palestra, como o presidente da Liga dos Direitos Humanos, Paulo Nhancale,
consideram que, de uma forma geral, a justiça de Moçambique está desorganizada.
Mas Nhacale discorda de Mia Couto: "Não se pode caracterizar a justiça por
corrupta. Não se tornou uma justiça em que as coisas só funcionam para quem tem
dinheiro. Há muitos juízes que protegem, ajudam a proteger, atendem-nos com
humanismo."
O presidente da Liga dos Direitos
Humanos reconheceu, por outro lado, que se o sistema judicial não estiver
organizado em Moçambique, não pode haver confiança. "Isso faz com que não
tenhamos cultura jurídica. As pessoas não sabem que têm direitos, não sabem que
tem o direito de reclamar", conclui.
Romeu da Silva (Maputo) |
Deutsche Welle
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