segunda-feira, 16 de julho de 2018

Mia Couto dá nota negativa à justiça moçambicana


O escritor moçambicano Mia Couto considera que o sistema judicial do país não tem credibilidade. "A justiça está como está, não só devido à corrupção, mas pela insegurança dos juízes", disse numa palestra em Maputo.

Mia Couto debruçou-se esta quarta-feira (11.07) sobre a justiça no país, como principal orador da palestra "Um olhar sobre a justiça", organizada pela Associação Moçambicana dos Magistrados Judiciais (AMMJ). "As pessoas devem acreditar na justiça em Moçambique, porque a credibilidade da justiça é a principal questão que está em jogo. Mas ninguém acredita na justiça se ela atuar numa redoma fechada", declarou.

escritor reconheceu que há corrupção na justiça, mas foi cauteloso ao afirmar que nem todos os juízes têm má conduta. "É um erro e uma injustiça pensar que todos os profissionais da justiça são corruptos", defendeu Mia Couto, que considera ser errada a percepção de que os magistrados não atuam bem por causa da corrupção, pois dentro da classe há muitos juízes sérios.

Como exemplo de corrupção na justiça, o escritor questionou a existência de empresas de estrangeiros não registadas que atuam com muita serenidade. "Quem emitiu a licença de operação para uma empresa que nem sequer tem um lugar, não existe? As nossas empresas são sujeitas a inspeções, fiscalizações, e todos os anos as equipas de inspeções estão a bater-nos à porta", salientou.

Mia Couto enalteceu a importância da justiça para fortalecer a democracia. "Se não houver vontade política não há Estado de direito. Mas só é sustentável se for apoiada pelas instituições democráticas pela lei, pelo imperativo da coisa pública", defendeu.
Crimes ambientais

Em relação aos crimes ambientais, Mia Couto, na qualidade de biólogo, lamentou o fato de Moçambique continuar a ser um corredor para traficar pontas de marfim e cornos de rinocerontes.

Relatos de envolvimento de moçambicanos no tráfico acabam normalmente com a detenção de pessoas sem poder e com a impunidade de pessoas com influência nas estruturas do Estado.

O escritor deu o exemplo da Tanzânia, onde o Governo conseguiu conter este tipo de crime. E os criminosos olham agora para Moçambique como um terreno fértil. "O que era nosso nunca chegou a ser nosso. O que era riqueza dos moçambicanos está a encher o bolso de alguém lá fora. O que era património biológico de Moçambique já não temos", criticou.

Justiça desorganizada

Alguns participantes nesta palestra, como o presidente da Liga dos Direitos Humanos, Paulo Nhancale, consideram que, de uma forma geral, a justiça de Moçambique está desorganizada. Mas Nhacale discorda de Mia Couto: "Não se pode caracterizar a justiça por corrupta. Não se tornou uma justiça em que as coisas só funcionam para quem tem dinheiro. Há muitos juízes que protegem, ajudam a proteger, atendem-nos com humanismo."

O presidente da Liga dos Direitos Humanos reconheceu, por outro lado, que se o sistema judicial não estiver organizado em Moçambique, não pode haver confiança. "Isso faz com que não tenhamos cultura jurídica. As pessoas não sabem que têm direitos, não sabem que tem o direito de reclamar", conclui.

Romeu da Silva (Maputo) | Deutsche Welle

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