Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias
| opinião
O assalto a Tancos foi desde o
início uma história mal contada. Para começar, quando foi dado conhecimento
público deste roubo, os militares "esqueceram-se" de colocar na lista
do material desaparecido umas dezenas de lança-granadas e uma grande quantidade
de explosivos. A mostrar que confiar neles para resolver este assunto não era
grande ideia, quando o material apareceu, depois de uma denúncia anónima,
estava lá material de guerra que não se sabia desviado. Hoje ninguém pode
garantir que material foi roubado e que material foi devolvido.
O assalto a Tancos foi há mais de
um ano e a entrevista que fiz ao presidente da República, em que entre muitos
temas se falou do assalto aos paióis, está também a fazer um ano. O comandante
supremo das Forças Armadas estava visivelmente preocupado com o que acontecera,
insistindo que não desdramatizava, garantindo que determinadas as
responsabilidades tinham de ser punidos os responsáveis. Marcelo Rebelo de
Sousa exigia uma "investigação cabal", que ainda decorre, "de
alto a baixo doa a quem doer". O presidente tinha ido com o ministro da
Defesa visitar as instalações militares enquanto decorriam as investigações,
deixando mensagem clara sobre a necessidade de dar conta a todos os portugueses
sobre o que realmente aconteceu naqueles paióis.
O presidente da República é o
comandante supremo das Forças Armadas mas sem os poderes que existem num regime
presidencialista. Marcelo queria tudo explicado e, um ano depois, o Ministério
Público diz que ainda há 30 cargas explosivas que estão desaparecidas. A ser
verdade esta tese do MP, ela confirma que há uma grande mentira dos militares
desde o primeiro minuto. E, se toda a mentira tem perna curta, parece que no
caso dos militares ela se esconde bem entre os receios dos políticos.
Da desvalorização que foi feita
pelo ministro da Defesa desde a primeira hora, ao faz-de-conta dos grupos
parlamentares, é a Marcelo que se exige mais do que dizer que "o
presidente da República reafirma, de modo ainda mais incisivo e preocupado, a
exigência de esclarecimento cabal do ocorrido". Das duas uma, ou é verdade
o que diz o Ministério Público e tem de haver uma "limpeza" no
Exército ou é mentira e há na investigação quem tenha de ser posto no lugar.
Não, não estamos a falar de uma guerra de egos entre polícias judiciárias. É a
segurança pública que está em causa.
O comandante supremo das Forças
Armadas, que assumiu a gravidade do assunto desde a primeira hora, não pode
estar repetidamente a colocar paninhos quentes no tema. E é isso que acontece,
sempre que há dados novos e se mantém o grau de exigência presidencial. Por
mais que cresça a mentira, não há forma de serem outras as consequências.
Acresce que há muito tempo que já
não é apenas a questão do assalto, é também a forma como o poder político (Azeredo
Lopes) e o poder militar (Rovisco Duarte) geriram este dossiê. Um e outro foram
um desastre na forma como comunicaram o que aconteceu, um e outro assumiram
como verdade que o material tinha sido todo recuperado. Em fim de ciclo
político, pode já não importar muito se o ministro se mantém em funções, damos
como certo que não estará num futuro Governo. Mas em relação ao chefe do
Estado-Maior do Exército, numa instituição onde o rigor e a disciplina são o
alfa e o ómega, pode permanecer na liderança quem se deixou expor a tão
flagrante delito? Só mesmo por mero taticismo político, em defesa de um alegado
bem superior chamado estabilidade, se pode pactuar com esta mentira.
*Jornalista
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