Pedro Tadeu | Diário de Notícias
| opinião
Ricardo Robles, o vereador
especulador, não é um criminoso como Armando Vara (PS), Duarte Lima (PSD) ou
Ferreira Torres (CDS), isto para falar apenas de alguns políticos efetivamente
condenados em tribunal, entre os muitos destes partidos que, desde há 44 anos,
fazem trafulhices. Mas, pelo exagero que se lê, parece que é.
Apesar disso, é justa a
consideração de que o relato do próprio Robles sobre o processo de compra e
tentativa de venda de um prédio no bairro de Alfama, em Lisboa, é contraditório
com o discurso político do Bloco de Esquerda sobre o negócio do imobiliário e o
problema da habitação na capital do país.
Essa contradição tem um óbvio
custo político e está a ser pago. Nada a dizer.
O disparate político, financeiro
e mediático em que Robles e o Bloco se meteram é, porém, terreno agora para uma
sementeira de artigos e opiniões sobre uma pretensa "falsa
moralidade" da esquerda dita "radical" ou "comunista"
que, afinal, "não pratica aquilo que apregoa".
Há aqui uma vingança ideológica?
O capitalismo e a grande burguesia estão a demonstrar a sua superioridade moral?
Se valorizar um artigo como o de José Manuel Fernandes, no Observador de segunda-feira, que
aproveitou os erros de Robles e do Bloco de Esquerda para misturar na questão
PCP, "jacobinos" e o texto "A Superioridade Moral dos Comunistas", de Álvaro
Cunhal, a resposta parece ser afirmativa.
O articulista acusa: " os
radicais de hoje, como os radicais de ontem, vêem-se como moralmente superiores
porque acham que lutam por uma sociedade sem classes".
A primeira pergunta que tenho a
fazer é esta: a moral vigente não é uma moral determinada pelos interesses das
classes dominantes?
O "pai" do liberalismo
económico, Adam Smith, o guia ideológico de tantos destes críticos de Robles,
constata claramente, na "Riqueza das Nações", que sim: " Em toda a
sociedade civilizada, em toda a sociedade em que se tenha estabelecido
plenamente a distinção de classes, sempre houve simultaneamente dois esquemas
ou sistemas diferentes de moralidade; um deles pode ser denominado rigoroso ou
austero e o outro liberal ou, se preferirmos, frouxo. O primeiro costuma ser
admirado e reverenciado pelas pessoas comuns e o segundo geralmente é mais
estimado e adotado pelas chamadas pessoas de destaque".
Smith é crítico em relação às
classes dirigentes: "o desregramento e a extravagância de vários anos nem
sempre levarão à ruína um homem de posição, e as pessoas dessa classe são
fortemente propensas a considerar o poder de entregar-se até certo ponto a tais
excessos como uma das vantagens da sua fortuna, e a liberdade de fazer isso sem
censura ou repreensão como um dos privilégios condizentes com sua posição".
Isto não podia ser escrito por um
marxista-leninista?...
Talvez. Afinal, no tal livrinho
"A Superioridade Moral dos Comunista", Álvaro Cunhal define assim o
comportamento moral da grande burguesia capitalista: "individualismo e
egoísmo ferozes, indiferença pela sorte dos seres humanos, rapacidade,
venalidade, completa falta de escrúpulos, redução a simples mercadorias dos
valores culturais e espirituais."
Não é precisamente isto que vemos
acontecer no nosso mundo do século XXI, todos os dias, nas notícias dadas pelos
sites de informação e pelos telejornais?
O liberal Adam Smith acredita,
apesar de tudo, na liderança moral das classes dirigentes (e, consequentemente,
na sua superioridade), através do acesso à cultura e à educação, dando o
exemplo do seu papel no combate ao fanatismo religioso: "A ciência é o
grande antídoto para o veneno do fanatismo e da superstição, e se todas as
classes superiores da população estivessem imunizadas contra esse veneno, as
classes inferiores não poderiam ficar muito expostas a ele", escreve.
O comunista Álvaro Cunhal, por
seu lado, acredita que só o proletariado pode assegurar uma moral aceitável por
todas as classes: "O proletariado reage e luta não apenas contra a
exploração a que é sujeito, mas contra todos os abusos, todas as
manifestações de arbitrariedade, de opressão e de violência quaisquer que
sejam as classes que são vítimas".
Do lado de Adam Smith interpreto
uma visão desencantada em relação à moral das classes poderosas mas que é
compensada pela convicção de que toda a sociedade terá maioritariamente de
reger-se pelo código ético adotado por essas classes, restando-lhe a esperança
de que os poderosos acabem por encontrar, pela educação, pelo progresso
económico, pelo papel do Estado, o caminho do equilíbrio e da correção.
Do lado de Álvaro Cunhal temos a
visão de que os líderes das classes oprimidas, se derrubarem as classes
dominantes segundo os princípios do comunismo, terão de rejeitar a moral que os
subjugou, substituindo-a por outra moral: a de homens e de mulheres iguais numa
sociedade sem classes.
Do lado de Adam Smith temos a
declaração implícita da superioridade moral da burguesia, não por ser
intrinsecamente mais justa mas por ser a classe dominante e mais dinâmica em
muitos aspetos essenciais da vida humana.
Do lado de Álvaro Cunhal temos a
declaração explicita da superioridade moral dos comunistas, não por dominarem a
vida humana mas por os seus princípios serem intrinsecamente mais justos.
Tanto de um lado como do outro
desta batalha se reclama, portanto, de forma mais ou menos clara, a superioridade
moral sobre o outro lado. A arrogância, se existe, é recíproca.
E tanto de um lado como do outro
haverá sempre indivíduos que defraudam a moral da sua ideologia e "não
praticam aquilo que apregoam", como fez Ricardo Robles.
Mas, quanto a mim, José Manuel
Fernandes tem toda a razão: os comunistas "vêem-se como moralmente
superiores porque acham que lutam por uma sociedade sem classes".
Afinal, pugnar por uma sociedade
sem classes, sem oprimidos, sem opressores, não é, moralmente, o objetivo político
mais correto?... Parece-me, incontestavelmente, que sim.
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