Martinho Júnior | Luanda
Em plena globalização, acerca da
guerra e da paz, quem domina é que utiliza o termo de "civil",
pois faz parte do seu carácter e do seu ego, "lavar as mãos como
Pilatus", a fim de que os bois que dormem sejam formatados na mentalidade
que é de sua conveniência e tão bem lhes serve: assim, época a época, se
procura esconder a raiz da barbárie, o seu promotor e beneficiário, confinando
e limitando tanto quanto o possível a imagem do seu espectro inibidor!...
No poder dominante ninguém toca,
por que segundo faz ele próprio constar, está longe de qualquer “guerra
civil”, ou mesmo de qualquer “sociedade civil”!
Paira no éter, num denso
abstraccionismo “acima” das cabeças!
Para o poder dominante do império
da hegemonia unipolar, só há “guerra civil” e, por tabela, “sociedade
civil” para os outros, sejam eles vassalos, subdesenvolvidos ou os das
mais recônditas regiões do globo…
Os bois que dormem querem-se a
ver a si e ao seu horizonte próximo, só até às montanhas que os cercam, como se
fossem contemporâneos camponeses servos da gleba sob o jugo de feudais domínios
que se encastelam nos céus, entre as nuvens!
Para os que dominam é
extremamente importante atirar para os outros as responsabilidades das guerras
(como as responsabilidades da paz em países subdesenvolvidos ou em países
vassalos), para melhor provocar suas ingerências e os poder manipular, fazendo crer
a todos (e a eles próprios) que nada têm a ver com elas (o segredo é a alma dos
negócios), por que a sua posição é "acima" delas, é
cultural e ideologicamente indolor, inodora e insípida, mas de forma
persuasiva, “democrática” e ideologicamente entranhável!...
Uma parte substancial da guerra
psicológica que eles, os 1%, movem contra o resto da humanidade por via do
seu "soft power" que tanto tem a ver com o consumo corrente
e as novas tecnologias, promove deliberada e “historicamente” a
crença das "guerras civis" e das “sociedades civis”!...
… As religiões depois fazem o
resto, para apagar as pistas transparentes da verdade e accionarem os
dispositivos das alienações, das diversões e também do consumo (conforme se
torna tão evidente nos “domesticados” berços familiares em época de
comércio natalício)!...
É evidente que assim se dilui por
outro lado a fronteira que também na guerra deveria ficar clara, em nome da
dignidade e da consciência critica: a fronteira do que pertence à civilização e
ao futuro e o que persiste de trevas que advêm da barbárie e do passado, porque
todas as guerras, assim como todas as acções de paz, têm um significado
cultural entre passado e futuro, entre o que é retrógrado e substantivamente
futuro de sustentável progresso!...
Como a luta é um acto cultural,
então o poder dominante do império da hegemonia unipolar e capitalismo
neoliberal inibe o seu significado, reduzindo-o os conceitos à guerra e paz,
à “guerra civil”, ou à “sociedade civil”!
Nesse sentido, por exemplo na
África Austral e Central, se pretende apagar a legitimidade, a dignidade, a
solidariedade, mas sobretudo o internacionalismo das lutas do movimento de
libertação em África, confundindo a sua ética e a sua moral com a subversão
savimbiesca, motivada toda ela por interesses transnacionais ávidos de poder,
ávidos de matéria-prima e de mão-de-obra barata, que "sopraram" o
monstro a partir de fora do continente!...
O Relatório Fowler expõe
precisamente essa “chapa”, radiografando o poder por detrás e “acima” da
guerra e seus actores locais, sem dar espaço ao conceito de luta!...
Depois da guerra, esvaziando-se o
sentido da luta, fica mais fácil a quem domina manipular com a paz, por que
também ela se tornou, em função dos seus interesses, na "paz da
sociedade civil" e da sociedade de consumo capaz de inibir, conforme
o exemplo de Luanda, até os muros das velhas fortalezas coloniais, quando chega
a terapêutica do mercado!
O poder dominante, esse contudo,
só pode continuar a “lavar as mãos como Pilatus”: está cinicamente longe
dos poderes locais e, nos termos de guerra psicológica e de sua notável
capacidade “soft power” de lavagem cerebral, estando longe, nada tem
a ver com eles!...
Martinho Júnior - Luanda, 24 de
Agosto de 2018.
Pintura:
Guerra e Paz, do pintor
brasileiro Cândido Portinari; apesar do separador evidente no quadro, na
prática do poder dominante do império da hegemonia unipolar esse poder
dominante encarrega-se de tornar a fronteira tão fluida, tão nebulosa quanto
lhe é possível, a fim de introduzir a paz terapêutica de sua inteira
conveniência – http://revistaembarque.com/a-bordo/paris-guerra-e-paz-de-portinari-estreia-com-sucesso/
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