Au Kam San, Ng Kuok Cheong, Sulu
Sou e José Pereira Coutinho alertaram ontem para a redução das liberdades em
Macau, durante a discussão da criação do Instituto para os Assuntos Municipais
e revisão da lei que rege o direito à reunião e manifestação. Ambos os diplomas
foram aprovados na especialidade, merecendo o amplo apoio dos deputados.
Catarina Vila Nova | Ponto Final
A discussão na especialidade dos
diplomas da criação do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) e da revisão
do direito de reunião e manifestação serviram ontem de pretexto para a ala
democrata do hemiciclo, a par de José Pereira Coutinho, manifestarem
preocupações quanto à restrição dos direitos em Macau. Ambas as propostas de
lei foram aprovadas com os votos contra de Au Kam San, Ng Kuok Cheong, Sulu Sou
e Coutinho. A maioria dos deputados não considerou que as alterações à lei que
rege o direito à reunião e manifestação fossem significativas e, no que diz
respeito à não eleição dos membros do futuro IAM, apontaram que o diploma está
de acordo com a Lei Básica.
Au Kam San defende ser altura de
“corrigir os erros cometidos” e lamenta que o Governo esteja a perder uma
oportunidade de melhorar o seu sistema governativo, pedindo “eleições
democráticas para o conselho consultivo”. “Segundo a Lei Básica, este órgão tem
de dar pareceres ao Governo, mas sem a base democrática como é que consegue dar
resposta às necessidades da população?”, questionou. Na declaração de voto, Au
Kam San e Ng Kuok Cheong acusaram o Executivo de querer criar um órgão sem poder
político “porque tem medo de responder perante os residentes”. “Trata-se do
Governo não querer fiscalização da nossa população”, atiraram os
pró-democratas.
Na sua declaração de voto,
Coutinho e Sulu Sou começaram por pedir desculpa “aos cidadãos que defendem a
democracia”. “A aprovação da proposta de lei significa que a tradição de
eleição está a desaparecer. O Governo está a distorcer as normas da Lei Básica
retirando a todos os cidadãos o direito de eleição dos membros do conselho
consultivo. Devemos ter o direito de optar por um caminho mais democrático mas
os grupos de interesse estão a impedir isto”, afirmou Sulu Sou, numa
intervenção gritada de pé, antes de atirar com os papéis para cima da mesa e
abandonar o hemiciclo. Durante a discussão na especialidade, Sulu Sou defendeu
que a proposta de lei representa um retrocesso face ao período da Administração
portuguesa, por Macau ter “uma história municipal com mais de 400 anos”.
“ESTAMOS MAIS DEMOCRÁTICOS QUE
OUTRORA”
As declarações de Sulu Sou mereceram
a desaprovação de Vong Hin Fai e Ip Sio Kai. “Estou triste que um dos nossos
colegas não conheça bem a nossa história política porque, durante a
colonização, a democracia municipal era só para os portugueses. Os chineses não
podiam participar”, relembrou Vong Hin Fai. Ip Sio Kai disse inclusive estar
“um bocadinho furioso com as palavras do deputado Sulu Sou”. “Com tanta
democracia não consigo aceitar isto. Não se pode transmitir estas informações
aos nossos jovens”, afirmou o deputado. Já Iau Teng Pio declarou que “estamos
mais democráticos que outrora”, rejeitando a ideia de que a proposta representa
um retrocesso democrático.
Agnes Lam insistiu na necessidade
da introdução do mecanismo de auto-recomendação para o conselho consultivo do
IAM, porque, defendeu a deputada, “segundo a experiência do passado, o Governo
nem sempre honrou a promessa”. “O Governo disse que ia ponderar um mecanismo de
auto-recomendação mas, sem nada escrito, não sabemos o que vai o Governo
fazer”, alertou. De Sónia Chan a deputada conseguiu a garantia de que, antes
dos membros serem designados pelo Chefe do Executivo, será feita uma
comunicação para os interessados poderem auto-recomendar-se para o cargo.
Apesar de ter sublinhado o “alto
grau de autonomia” da RAEM, a secretária para a Administração e Justiça
defendeu que “o fundamento utilizado para realizar eleições já deixou de
existir de acordo com a Lei Básica, porque os poderes das câmaras municipais
passaram para o IACM”. Em resposta aos pedidos de eleição dos membros do conselho
consultivo, a governante considerou que seria contraditório que o futuro IAM
respondesse perante o eleitores e não perante o Governo, e que tal entraria em
violação das leis de Macau e da Lei Básica. “Não são palavras nossas. São
afirmações proferidas pelo vice-chefe do Gabinete [de Ligação] do Governo
Central em Macau”, afirmou Sónia Chan.
“ISTO É UMA LIÇÃO PARA RESPEITAR
OS TRABALHOS DOS MEMBROS DESTE HEMICICLO”
Na discussão da revisão da lei
que rege o direito de reunião e manifestação, Sulu Sou sugeriu que a função
agora transmitida ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) de receber os
respectivos pedidos seja da responsabilidade do Chefe do Executivo. “Este poder
não deve ser atribuído à polícia. Entendemos que este poder deve ser atribuído
ao Chefe do Executivo”, afirmou o pró-democrata, pedindo o adiamento da votação
do diploma para que este pudesse ser novamente analisado em sede de comissão.
Ainda que tenha submetido o
pedido de Sulu Sou à votação do plenário – que acabou por ser chumbado – Ho Iat
Seng entendeu que o mesmo devia ter sido endereçado ao próprio Chefe do
Executivo. O presidente da AL acusou o deputado de “desrespeitar o trabalho da
comissão” que analisou o diploma, pedindo-lhe que lesse o Regimento da
Assembleia Legislativa. “Respeito que você tem este direito, mas não podemos
votar porque nem sabemos qual o conteúdo deste pedido. Isto é uma lição para
respeitar os trabalhos dos membros deste hemiciclo. Aquando da suspensão do seu
mandato também lhe demos o seu vencimento mensal”, atirou Ho Iat Seng.
Sobre a transferência de funções,
Cheung Lap Kwan disse não ver diferença entre os pedidos serem apresentados ao
IACM ou ao CPSP, notando que “são raros os avisos de reunião e manifestação”.
“Estamos perante uma questão de simplificação. Porque é que querem complicar as
formalidades?”, questionou o deputado. Ma Chi Seng defendeu que as alterações
“não têm a ver com as normas substanciais do direito de manifestação e
reunião”, tratando-se “apenas de transferência de atribuições”. Ella Lei
defendeu que os “os direitos continuarão a ser garantidos”, não existindo
“qualquer alargamento ou restrição de poderes”.
“SE ÉS RESPONSÁVEL PERANTE A
POPULAÇÃO, ÉS TAMBÉM RESPONSÁVEL PERANTE O GOVERNO”
Antes da sessão plenária de ontem,
a Associação Novo Macau entregou na Assembleia Legislativa um pedido endereçado
a todos os deputados para chumbarem a proposta de criação do Instituto para os
Assuntos Municipais (IAM). Segundo explicou Wong Kin Long, membro da direcção
da Novo Macau, a principal plataforma pró-democracia da cidade pretende que os
membros do conselho consultivo do futuro IAM sejam eleitos pela população. “A
Lei Básica diz que [o órgão municipal] é não-político, mas isto não significa
que não possa ser eleito”, defendeu o pró-democrata.
Wong Kin Long considera ser
“ridículo” o argumento do Governo de que o IAM deve responder perante o
Executivo e não perante a população. “Se és responsável perante a população és
também responsável perante o Governo, porque o próprio Governo deve ser responsável
perante a população”, considerou. Outra razão apontada pela Novo Macau
prende-se com o “mau funcionamento” dos conselhos nomeados pelo Chefe do
Executivo. “Não funcionam adequadamente porque [os seus membros] são nomeados e
não têm que se responsabilizar perante as pessoas”.
Foto: Eduardo Martins / Arquivo
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