quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Portugal | Somos todos precários


Paula Ferreira | Jornal de Notícias | opinião

O direito à greve está consagrado na lei laboral. Fazer greve é, cada vez mais, um ato de coragem. Como o prova, sem qualquer subterfúgio, o mail enviado pela Ryanair aos funcionários que paralisaram nos últimos dias 25 e 26 de julho. Além de perderem os prémios de produtividade relativos a esse mês, a empresa deixa claro que eventuais promoções na carreira desses trabalhadores estão postas de parte. Essas benesses não são, obviamente, para quem se atreve a fazer greve.

Nada que outras empresas não pratiquem, apenas se escusam a avisar de forma tão transparente os trabalhadores. Este é apenas um episódio que vem mostrar, de forma inequívoca, quão débil é a situação de quem trabalha, precário ou não. Afinal, hoje em dia, bem vistas a coisas, somos todos precários, "redundantes".

Havia dúvidas? Se as havia, o inquérito do Instituto Nacional de Estatística, divulgado na segunda-feira pelo JN, dissipa-as. Os patrões - quase metade dos inquiridos, mais precisamente 47 por cento - consideram que despedir trabalhadores continua a ser fácil. Os obstáculos aos despedimentos, afirmam, são muito reduzidos, ou até inexistentes.

Michael O" Larry, da Ryanair, sabe o que faz quando envia um mail aos grevistas a alertá-los do risco de não serem promovidos ou verem rejeitados pedidos de transferência. Se quiser, ele sabe, com grande facilidade substitui os grevistas por outros, de preferência mais dóceis.

A troika já não anda por Portugal e, aparentemente, no poder há um Governo de Esquerda. Todavia, pouco ou nada mudou na legislação do trabalho, o setor que levou o mais rude golpe no período de crise que vivemos. Bem pode António Costa, primeiro-ministro, vangloriar-se da taxa de desemprego ter descido. É verdade, não à custa da melhoria da vida das pessoas. Estamos num tempo em que o importante é ter emprego, já não importa que emprego e em que condições. Salazar, o poderoso presidente do Conselho, no Estado Novo, considerava a greve "um crime". Ainda não recuamos tanto, mas é preciso ficar atento.

* Editora-executiva-adjunta

Sem comentários:

Mais lidas da semana