terça-feira, 16 de outubro de 2018

Podem os Estados Unidos montar um bloqueio naval contra a Rússia?


Valentin Vasilescu*

O Secretário do Interior dos EUA evocou um possível bloqueio naval da Rússia. No entanto, como mostra Valentin Vasilescu, esta opção não é praticável: o exército russo poderia afundar os porta-aviões dos grupos expedicionários dos EUA. O princípio de grandes unidades já não funciona no campo de batalha, sejam os porta-aviões no mar ou os tanques em terra, como vimos em 2006 com a vitória do Hezbolla sobre os tanques Merkava.

O Secretário do Interior dos EUA (quer dizer o Ministro do Património Natural), Ryan Zinke, declarou em Pittsburgh, durante o evento Consumer Energy, que a razão pela qual a Rússia colocou aviões militares no Próximo-Oriente a apoiar o Presidente Bashar al-Assad era o controle do mercado de energia desta região. É por isso que a Marinha norte-americana poderia considerar a opção militar e criar um bloqueio naval à Rússia, afim de bloquear as fontes de energia russas com destino ao mercado do Médio-Oriente [1].

No Próximo-Oriente, a Arábia Saudita, o Catar, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, a Síria, o Iraque e o Irão têm enormes reservas de petróleo e de gás natural. Eles são exportadores de energia (salvo a Síria). A Rússia nem sequer põe a hipótese em competir com este grupo de países. Pelo contrário. a declaração de Ryan Zinke sobre a possibilidade de um bloqueio naval à Rússia é, sem dúvida, bastante pertinente, tanto mais que a 2ª Frota da Marinha de Guerra norte-americana, que é responsável pelo Atlântico Norte, foi recentemente reactivada. Qual seria a razão pela qual a 6ª Frota continua a operar no Mediterrâneo?

Para compreender a situação actual, devemos lembrar-nos da insistente abordagem da Roménia junto da OTAN para a criação de uma frota permanente dos EUA no Mar Negro. O que, no momento, é já impossível porque, contrariamente a Ryan Zinke, o Pentágono reconhece a capacidade da Rússia para defender os seus objectivos ... no Mar Negro e em todo o Mediterrâneo. Esse foi o objectivo estratégico da participação da Rússia na campanha síria ao lado de Bashar al-Assad, quer dizer : criar bases aéreas e aero-navais russas para garantir a utilização do Mediterrâneo, criar uma protecção de forças aero-navais com um sólido guarda-chuva AA e um sistema de empastelamento eficaz e, finalmente, transformar a Frota do Mar Negro em frota do Mediterrâneo [2].

Para impor um bloqueio contra a Rússia, os Norte-americanos formaram grupos expedicionários construídos em torno de porta-aviões e de porta-helicópteros. No quadro da nova estratégia combinada com mísseis anti-navio lançados a partir de aviões, os Russos podem afundar esses grupos expedicionários imediatamente após terem atravessado o Estreito de Gibraltar. Com mísseis anti-navio lançados a partir de navios de superfície ou de submarinos, os Russos podem afundar grupos expedicionários dos EUA no sul da Itália. Esses alinhamentos são escolhidos antes que os aviões a bordo dos porta-aviões possam ser lançados (um F-18 apenas pode atingir alvos situados a 720 km do seu próprio porta-aviões de descolagem). Normalmente, os F-18 a bordo dos porta-aviões dos EUA apenas descolam (decolam-br) para missões na Crimeia, e na costa russa do Mar Negro, quando estes atingiram o Norte do Mar Egeu.

Até agora, as baterias costeiras, os aviões da marinha, os navios de superfície e submarinos de ataque Russos estavam armados com mísseis subsónicos Kh-35, que têm um alcance de 300 km, o equivalente aos mísseis navio-a-navio norte-americanos AGM-84 Harpoon. O comando estratégico Sul da Federação da Rússia, que comanda a Frota do Mar Negro, anunciou, no início de 2018, que havia tornado operacional uma esquadrilha de 10 MiG-31 BP armados com mísseis anti-navio Kh-47M2 Kinzhal. O míssil de dois andares, derivado da versão terrestre do 9K720 Iskander, tem um alcance de 2.000 km a uma velocidade Mach 10 (12.250 km / h) e um alcance máximo de cruzeiro de 40.000 a 50.000 m. O Iskander foi escolhido por ter uma versão lançada a partir de aviões que ele é capaz de visar um alvo com uma margem muito pequena de 2 a 6 m, e pode armazenar as coordenadas GPS do alvo enquanto se dirige para este.

Para atingir estes parâmetros, o Kinzhal é lançado a partir de um avião capaz de engatar um objeto de 7 t. Além disso, o avião deve ser supersónico e subir até uma altitude de 13.000 a 15.000 m para o lançar. Por conseguinte, os aviões apropriados para lançar o Kh-47M2 Kinzhal são o MiG-31 e os bombardeiros supersónicos russos Tu-22M3 e Tu-160. A distância máxima de percurso destes três tipos de avião permite a sua deslocação da Rússia à Síria, secretamente sem reabastecimento em vôo.

Aquando do seu lançamento, o avião transmite ao míssil de Kinzhal as coordenadas do alvo obtidas pelo sistema de satélite Glonass (equivalente russo do GPS). Se o alvo for fixo, o míssil atingirá o solo nessas coordenadas. Se o alvo for móvel (navio de guerra), três tipos de sensores do sistema começam a busca a partir da última posição do alvo e, após tê-lo identificado, o míssil inicia as manobras de ataque. Contrariamente ao Iskander, o Kinzhal conserva em memória os dados que lhe permitem distinguir um porta-aviões de todos os outros alvos. O vôo do míssil Kinzhal 47M2 até ao seu alvo dura 15 minutos, tempo durante o qual o alvo não pode deslocar-se mais de 10 km em relação às coordenadas Glonass iniciais. No momento do lançamento, os sensores autónomos do míssil cobrem uma zona de 50 km em torno das coordenadas Glonass iniciais do porta-aviões.

Como o sistema terrestre MIM-104 Patriot, os mísseis AA dos sistemas navais RIM-67 SM-2ER têm um tecto máximo de 30.000 a 33.000 m. O SM-2ER pode actuar assim que o Kinzhal cai abaixo deste limite e até que o míssil russo atinja o alvo. O Kinzhal é difícil de interceptar porque desce abaixo desta altitude quando está apenas a 50 km do alvo, e o tempo disponível devido à velocidade hipersónica é extremamente curto, ou seja cerca de 60 segundos.

Além disso, o operador de radar do porta-aviões norte-americano, que dirige a orientação de mísseis AA, não consegue distinguir o míssil Kinzhal entre 20 outros falsos alvos que este espalha à sua volta. Portanto, para acertar num míssil Kinzhal, será preciso lançar mais de 20 mísseis AA, quando uma bateria não pode, num período de tempo tão curto, disparar mais de 8 a 12 mísseis de diferentes tipos.

O sistema naval AEGIS, montado nos contratorpedeiros e cruzadores dos EUA que acompanham os porta-aviões em grupos expedicionários, assim como os escudos anti-balísticos na Polónia e na Roménia, utilizam mísseis SM3 block IIA e IB. Eles estão concebidos para interceptar mísseis balísticos em vôo de cruzeiro, a altitudes situadas entre 80 e 150 km. Abaixo de uma altitude de 80 km, eles perdem a sua precisão face ao sistema de protecção cinética e os sensores de orientação já não podem interceptar nenhum alvo.

Os navios de superfície, os submarinos e os bombardeiros supersónicos Russos estão armados com outro míssil hipersónico, o 3M22 Zirkon. O Zirkon tem um alcance de 1.000 km e uma velocidade Mach 8 (9.800 km / h) voando a uma altitude de cruzeiro de 40.000 m, e, à aproximação do alvo, tem a capacidade de manobrar. A diferença para o Kinzhal é que o Zircon dispõe de um motor do tipo scramjet, que funciona com ar e querosene. Nos navios, os mísseis Zircon são colocados nos novos lançadores verticais universais 3S-14-11442M, semelhantes ao sistema norte-americano MK-41, que dispõe de 128 células de lançamento. Convêm notar que os mísseis anti-navio hipersónicos têm uma energia cinética de impacto sobre o alvo 50 vezes maior do que os mísseis ar-navio e navio-navio existentes, que são o mais das vezes subsónicos.

Em paralelo com o míssil navio-a-navio hipersónico 3M22 Zirkon há uma versão de nome BrahMos-II, com um alcance de 300 km e uma velocidade de Mach 7. O Departamento de pesquisa do Ministério da Indústria de Defesa da Índia e o Grupo industrial do Ministério da Defesa da Federação Russa (NPO Maşinostroeyenia) criaram, em 2000, uma “joint venture” : a BrahMos Aerospace Private Limited. BrahMos é a contração dos nomes de dois rios, Brahmaputra na Índia e Moscova na Rússia.

O BrahMos II é o segundo tipo dos mísseis de cruzeiro da série BrahMos, sendo o primeiro o BrahMos I, o jacto que tem uma velocidade de 2,8 a 3 Mach e entrou ao serviço da Marinha, da Aviação e das Tropas terrestres indianas. O BrahMos I é uma variante do míssil navio-a-navio, do terra-mar e ar-mar Yakhont (Onyx-800 P) existente no exército russo. O alcance do míssil BrahMos-I / II fora limitado a 300 km, porque a Rússia faz parte do regime internacional de controle de tecnologia de mísseis que a interdita de ajudar outros países a desenvolver mísseis com um alcance superior a 300 km.

O início do motor scramjet (sistema de propulsão a jacto com um débito de combustão supersónico) remonta a 1979, quando as equipes de concepção em aeronáutica e espaço, Baranov e Jukovsky, durante a época soviética, optaram pelo design e desenvolvimento "Kholod". O motor tinha um comprimento de 1,2 m, um diâmetro de 40 cm, uma massa de 180 kg (mais um tanque de combustível de 45 kg) e pode funcionar com ar e hidrogénio líquido, desenvolvendo um arranque de 500 a 800 kgf.

Muito embora a economia soviética estivesse em queda livre em 1991, o motor scramjet Kholod completou o programa de testes. O Kholod foi fixado a mísseis anti-aéreos de longo alcance, tipo S-200 (5B28), e o foguete fez subir o motor Kholod até 20 km de altitude em Mach 3 (3.600 km / h ). Após a separação do motor e do foguete portador, o motor Kholod funcionou 77 segundos e acelerou à velocidade de Mach 6,5 (7. 966 km / h) até a uma altitude de 35 km.

Em 1994, a NASA juntou-se ao programa Kholod, com o desenvolvimento de um motor scramjet maior (58L) do que o projectado e desenvolvido pelo Departamento 101 do Centro de Pesquisa Khimavtomatiki de Voronej. Apesar das suas belas promessas, a NASA apenas patrocinou os seus testes a 12 de Fevereiro de 1998, quando o motor «58L» atingiu uma altitude de 27,1 km e atingiu a velocidade de Mach 6,41-6,47. Após terem tido acesso a toda a documentação deste projecto os Norte-americanos retiraram-se do programa, e projectaram, e testaram em vôo, o seu próprio veículo (X-43a) propulsionado pelo motor scramjet, provavelmente copiado do Kholod.

Em 2003, o segundo protótipo X-43A, lançado a partir do bombardeiro B-52, foi acelerado pelo foguete Pegasus dos EUA. O motor de hidrogénio líquido do X-43A funcionou durante 10 segundos e atingiu Mach 7. Em Novembro de 2004, o X-43A atingiu Mach 9,8, depois o exército Norte-americano estimou que este tipo de arma não tinha futuro, e o financiamento do programa foi suspenso. A ironia é que os Russos acabavam, precisamente, de receber perto de mil milhões (bilhão-br) de dólares, da parte dos Indianos, para continuar as pesquisas e finalizar o projecto BrahMos-I / II.

Desde 1998, a Rússia continuou a projectar e a testar, mais em túneis aerodinâmicos do que no polígono Akhtubinsk, essas máquinas com motores scramjet no quadro do programa secreto chamado «IGLA». O primeiro modelo (GLL-PA-02), com um comprimento de 3 e um peso de 600 kg, teria efectuado um vôo em 2005, atingindo uma velocidade Mach 6, a uma altitude de 27 km. Foi seguido pelo GLL-31, com 8 m de comprimento e pesando 3,8 t, que atingiu velocidade Mach 9. O último aparelho deste tipo foi o GLL-8 (GLL-VK), que foi concebido para ser lançado a partir de uma plataforma aérea. O GLL-8 tinha 8 m de comprimento, um peso de 2,2 t e voava a Mach 15 a 70 km de altitude.

Supõe-se que o míssil hipersónico manobrável Avangard com ogivas nucleares seria equipado com o mesmo motor de tipo scramjet. Após a reentrada na atmosfera a Mach 20 (24.500 km / h), o Avangard comporta-se de uma forma diferente da de todos os mísseis balísticos e é impossível atingi-lo, porque ele é capaz de subir, de voar horizontalmente e de executar mudanças de direcção.

Valentin Vasilescu* | Voltaire.net.org | Tradução Alva

* Perito militar. Antigo comandante-adjunto da base aérea militar de Otopeni.

Notas:
[1] “Ryan Zinke: Naval blockade is an option for dealing with Russia”, by John Siciliano, Washington Examiner, September 28, 2018
[2] Era já o objectivo de guerra da Czarina Catarina II no século XVIII. É, pois, estúpido interpretar —tal como o faz a propaganda atlantista— o apoio da Rússia à Síria em função de pretensas semelhanças entre os regimes políticos destes dois países. NdR.

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