Valentin Vasilescu*
O Secretário do Interior dos EUA
evocou um possível bloqueio naval da Rússia. No entanto, como mostra Valentin
Vasilescu, esta opção não é praticável: o exército russo poderia afundar os
porta-aviões dos grupos expedicionários dos EUA. O princípio de grandes
unidades já não funciona no campo de batalha, sejam os porta-aviões no mar ou
os tanques em terra, como vimos em 2006 com a vitória do Hezbolla sobre os
tanques Merkava.
O Secretário do Interior dos EUA
(quer dizer o Ministro do Património Natural), Ryan Zinke, declarou em
Pittsburgh, durante o evento Consumer Energy, que a razão pela qual a Rússia
colocou aviões militares no Próximo-Oriente a apoiar o Presidente Bashar
al-Assad era o controle do mercado de energia desta região. É por isso que a
Marinha norte-americana poderia considerar a opção militar e criar um bloqueio
naval à Rússia, afim de bloquear as fontes de energia russas com destino ao
mercado do Médio-Oriente [1].
No Próximo-Oriente, a Arábia
Saudita, o Catar, os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, a Síria, o Iraque e o
Irão têm enormes reservas de petróleo e de gás natural. Eles são exportadores
de energia (salvo a Síria). A Rússia nem sequer põe a hipótese em competir com
este grupo de países. Pelo contrário. a declaração de Ryan Zinke sobre a
possibilidade de um bloqueio naval à Rússia é, sem dúvida, bastante pertinente,
tanto mais que a 2ª Frota da Marinha de Guerra norte-americana, que é
responsável pelo Atlântico Norte, foi recentemente reactivada. Qual seria a
razão pela qual a 6ª Frota continua a operar no Mediterrâneo?
Para compreender a situação
actual, devemos lembrar-nos da insistente abordagem da Roménia junto da OTAN
para a criação de uma frota permanente dos EUA no Mar Negro. O que, no momento,
é já impossível porque, contrariamente a Ryan Zinke, o Pentágono reconhece a
capacidade da Rússia para defender os seus objectivos ... no Mar Negro e em
todo o Mediterrâneo. Esse foi o objectivo estratégico da participação da Rússia
na campanha síria ao lado de Bashar al-Assad, quer dizer : criar bases aéreas e
aero-navais russas para garantir a utilização do Mediterrâneo, criar uma
protecção de forças aero-navais com um sólido guarda-chuva AA e um sistema de
empastelamento eficaz e, finalmente, transformar a Frota do Mar Negro em frota
do Mediterrâneo [2].
Para impor um bloqueio contra a
Rússia, os Norte-americanos formaram grupos expedicionários construídos em
torno de porta-aviões e de porta-helicópteros. No quadro da nova estratégia
combinada com mísseis anti-navio lançados a partir de aviões, os Russos podem
afundar esses grupos expedicionários imediatamente após terem atravessado o
Estreito de Gibraltar. Com mísseis anti-navio lançados a partir de navios de
superfície ou de submarinos, os Russos podem afundar grupos expedicionários dos
EUA no sul da Itália. Esses alinhamentos são escolhidos antes que os aviões a
bordo dos porta-aviões possam ser lançados (um F-18 apenas pode atingir alvos
situados a 720 km
do seu próprio porta-aviões de descolagem). Normalmente, os F-18 a bordo dos porta-aviões
dos EUA apenas descolam (decolam-br) para missões na Crimeia, e na costa russa
do Mar Negro, quando estes atingiram o Norte do Mar Egeu.
Até agora, as baterias costeiras,
os aviões da marinha, os navios de superfície e submarinos de ataque Russos
estavam armados com mísseis subsónicos Kh-35, que têm um alcance de 300 km , o equivalente aos
mísseis navio-a-navio norte-americanos AGM-84 Harpoon. O comando estratégico
Sul da Federação da Rússia, que comanda a Frota do Mar Negro, anunciou, no
início de 2018, que havia tornado operacional uma esquadrilha de 10 MiG-31 BP
armados com mísseis anti-navio Kh-47M2 Kinzhal. O míssil de dois andares,
derivado da versão terrestre do 9K720 Iskander, tem um alcance de 2.000 km a uma velocidade
Mach 10 (12.250 km
/ h) e um alcance máximo de cruzeiro de 40.000 a 50.000 m . O Iskander foi
escolhido por ter uma versão lançada a partir de aviões que ele é capaz de
visar um alvo com uma margem muito pequena de 2 a 6 m , e pode armazenar as
coordenadas GPS do alvo enquanto se dirige para este.
Para atingir estes parâmetros, o
Kinzhal é lançado a partir de um avião capaz de engatar um objeto de 7 t. Além
disso, o avião deve ser supersónico e subir até uma altitude de 13.000 a 15.000 m para o lançar.
Por conseguinte, os aviões apropriados para lançar o Kh-47M2 Kinzhal são o
MiG-31 e os bombardeiros supersónicos russos Tu-22M3 e Tu-160. A distância máxima de
percurso destes três tipos de avião permite a sua deslocação da Rússia à Síria,
secretamente sem reabastecimento em vôo.
Aquando do seu lançamento, o
avião transmite ao míssil de Kinzhal as coordenadas do alvo obtidas pelo
sistema de satélite Glonass (equivalente russo do GPS). Se o alvo for fixo, o
míssil atingirá o solo nessas coordenadas. Se o alvo for móvel (navio de
guerra), três tipos de sensores do sistema começam a busca a partir da última
posição do alvo e, após tê-lo identificado, o míssil inicia as manobras de
ataque. Contrariamente ao Iskander, o Kinzhal conserva em memória os dados que
lhe permitem distinguir um porta-aviões de todos os outros alvos. O vôo do
míssil Kinzhal 47M2 até ao seu alvo dura 15 minutos, tempo durante o qual o
alvo não pode deslocar-se mais de 10
km em relação às coordenadas Glonass iniciais. No
momento do lançamento, os sensores autónomos do míssil cobrem uma zona de 50 km em torno das
coordenadas Glonass iniciais do porta-aviões.
Como o sistema terrestre MIM-104
Patriot, os mísseis AA dos sistemas navais RIM-67 SM-2ER têm um tecto máximo de
30.000 a
33.000 m .
O SM-2ER pode actuar assim que o Kinzhal cai abaixo deste limite e até que o
míssil russo atinja o alvo. O Kinzhal é difícil de interceptar porque desce
abaixo desta altitude quando está apenas a 50 km do alvo, e o tempo
disponível devido à velocidade hipersónica é extremamente curto, ou seja cerca
de 60 segundos.
Além disso, o operador de radar
do porta-aviões norte-americano, que dirige a orientação de mísseis AA, não
consegue distinguir o míssil Kinzhal entre 20 outros falsos alvos que este
espalha à sua volta. Portanto, para acertar num míssil Kinzhal, será preciso
lançar mais de 20 mísseis AA, quando uma bateria não pode, num período de tempo
tão curto, disparar mais de 8 a
12 mísseis de diferentes tipos.
O sistema naval AEGIS, montado
nos contratorpedeiros e cruzadores dos EUA que acompanham os porta-aviões em
grupos expedicionários, assim como os escudos anti-balísticos na Polónia e na
Roménia, utilizam mísseis SM3 block IIA e IB. Eles estão concebidos para
interceptar mísseis balísticos em vôo de cruzeiro, a altitudes situadas entre
80 e 150 km .
Abaixo de uma altitude de 80
km , eles perdem a sua precisão face ao sistema de
protecção cinética e os sensores de orientação já não podem interceptar nenhum
alvo.
Os navios de superfície, os
submarinos e os bombardeiros supersónicos Russos estão armados com outro míssil
hipersónico, o 3M22 Zirkon. O Zirkon tem um alcance de 1.000 km e uma velocidade
Mach 8 (9.800 km
/ h) voando a uma altitude de cruzeiro de 40.000 m , e, à aproximação
do alvo, tem a capacidade de manobrar. A diferença para o Kinzhal é que o
Zircon dispõe de um motor do tipo scramjet, que funciona com ar e querosene.
Nos navios, os mísseis Zircon são colocados nos novos lançadores verticais
universais 3S-14-11442M, semelhantes ao sistema norte-americano MK-41, que
dispõe de 128 células de lançamento. Convêm notar que os mísseis anti-navio
hipersónicos têm uma energia cinética de impacto sobre o alvo 50 vezes maior do
que os mísseis ar-navio e navio-navio existentes, que são o mais das vezes
subsónicos.
Em paralelo com o míssil
navio-a-navio hipersónico 3M22 Zirkon há uma versão de nome BrahMos-II, com um
alcance de 300 km
e uma velocidade de Mach 7. O Departamento de pesquisa do Ministério da
Indústria de Defesa da Índia e o Grupo industrial do Ministério da Defesa da
Federação Russa (NPO Maşinostroeyenia) criaram, em 2000, uma “joint venture” :
a BrahMos Aerospace Private Limited. BrahMos é a contração dos nomes de dois
rios, Brahmaputra na Índia e Moscova na Rússia.
O BrahMos II é o segundo tipo dos
mísseis de cruzeiro da série BrahMos, sendo o primeiro o BrahMos I, o jacto que
tem uma velocidade de 2,8 a
3 Mach e entrou ao serviço da Marinha, da Aviação e das Tropas terrestres
indianas. O BrahMos I é uma variante do míssil navio-a-navio, do terra-mar e
ar-mar Yakhont (Onyx-800 P) existente no exército russo. O alcance do míssil
BrahMos-I / II fora limitado a 300
km , porque a Rússia faz parte do regime internacional de
controle de tecnologia de mísseis que a interdita de ajudar outros países a
desenvolver mísseis com um alcance superior a 300 km .
O início do motor scramjet
(sistema de propulsão a jacto com um débito de combustão supersónico) remonta a
1979, quando as equipes de concepção em aeronáutica e espaço, Baranov e
Jukovsky, durante a época soviética, optaram pelo design e desenvolvimento
"Kholod". O motor tinha um comprimento de 1,2 m , um diâmetro de 40 cm , uma massa de 180 kg (mais um tanque de
combustível de 45 kg )
e pode funcionar com ar e hidrogénio líquido, desenvolvendo um arranque de 500 a 800 kgf.
Muito embora a economia soviética
estivesse em queda livre em 1991, o motor scramjet Kholod completou o programa
de testes. O Kholod foi fixado a mísseis anti-aéreos de longo alcance, tipo
S-200 (5B28), e o foguete fez subir o motor Kholod até 20 km de altitude em Mach 3 (3.600 km / h ). Após a
separação do motor e do foguete portador, o motor Kholod funcionou 77 segundos
e acelerou à velocidade de Mach 6,5 (7. 966 km / h) até a uma altitude de 35 km .
Em 1994, a NASA juntou-se ao
programa Kholod, com o desenvolvimento de um motor scramjet maior (58L) do que
o projectado e desenvolvido pelo Departamento 101 do Centro de Pesquisa
Khimavtomatiki de Voronej. Apesar das suas belas promessas, a NASA apenas
patrocinou os seus testes a 12 de Fevereiro de 1998, quando o motor «58L»
atingiu uma altitude de 27,1
km e atingiu a velocidade de Mach 6,41-6,47. Após terem
tido acesso a toda a documentação deste projecto os Norte-americanos
retiraram-se do programa, e projectaram, e testaram em vôo, o seu próprio
veículo (X-43a) propulsionado pelo motor scramjet, provavelmente copiado do
Kholod.
Em 2003, o segundo protótipo
X-43A, lançado a partir do bombardeiro B-52, foi acelerado pelo foguete Pegasus
dos EUA. O motor de hidrogénio líquido do X-43A funcionou durante 10 segundos e
atingiu Mach 7. Em Novembro de 2004, o X-43A atingiu Mach 9,8, depois o
exército Norte-americano estimou que este tipo de arma não tinha futuro, e o
financiamento do programa foi suspenso. A ironia é que os Russos acabavam,
precisamente, de receber perto de mil milhões (bilhão-br) de dólares, da parte
dos Indianos, para continuar as pesquisas e finalizar o projecto BrahMos-I /
II.
Desde 1998, a Rússia continuou a
projectar e a testar, mais em túneis aerodinâmicos do que no polígono
Akhtubinsk, essas máquinas com motores scramjet no quadro do programa secreto
chamado «IGLA». O primeiro modelo (GLL-PA-02), com um comprimento de 3 e um
peso de 600 kg ,
teria efectuado um vôo em 2005, atingindo uma velocidade Mach 6, a uma altitude de 27 km . Foi seguido pelo
GLL-31, com 8 m
de comprimento e pesando 3,8 t, que atingiu velocidade Mach 9. O último
aparelho deste tipo foi o GLL-8 (GLL-VK), que foi concebido para ser lançado a
partir de uma plataforma aérea. O GLL-8 tinha 8 m de comprimento, um peso de
2,2 t e voava a Mach 15 a
70 km de
altitude.
Supõe-se que o míssil hipersónico
manobrável Avangard com ogivas nucleares seria equipado com o mesmo motor de
tipo scramjet. Após a reentrada na atmosfera a Mach 20 (24.500 km / h), o
Avangard comporta-se de uma forma diferente da de todos os mísseis balísticos e
é impossível atingi-lo, porque ele é capaz de subir, de voar horizontalmente e
de executar mudanças de direcção.
Valentin Vasilescu*
| Voltaire.net.org | Tradução Alva
* Perito militar. Antigo
comandante-adjunto da base aérea militar de Otopeni.
Notas:
[1]
“Ryan
Zinke: Naval blockade is an option for dealing with Russia”, by John
Siciliano, Washington Examiner, September 28, 2018
[2]
Era já o objectivo de guerra da Czarina Catarina II no século XVIII. É, pois,
estúpido interpretar —tal como o faz a propaganda atlantista— o apoio da Rússia
à Síria em função de pretensas semelhanças entre os regimes políticos destes
dois países. NdR.
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