segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Portugal | Tancos ou a maluquinha de Arroios


João Gonçalves* | Jornal de Notícias | opinião

Em plena 1.a República, André Brun escreveu uma comédia de costumes intitulada "A maluquinha de Arroios". Na verdade, era uma comédia de enganos que, até hoje, é representada um pouco por todo o lado. A história é escorreita e previsível. Um comerciante levemente amoral, "o Esteves do bacalhau", arrendou uma casa num prédio que também possuía em Arroios, Lisboa, a uma mulher deslumbrante com uma mãe dada a chiliques românticos e um pai devasso e rapace. A trama gira à volta de equívocos, meias-verdades, mentiras, personagens amalucadas ou crédulas, diálogos truculentos e, no fim, acaba tudo em bem. Salvo nesta última parte, a tragicomédia de Tancos, com as devidas adaptações, podia perfeitamente ser uma declinação político-teatral da "Maluquinha". Tem, até agora, três actos, cada um com várias partes. O primeiro é um alegado furto de material de guerra dos paióis de Tancos. É mais um prólogo, uma vez que não se sabe ao certo o que aconteceu naquela noite de Verão de 2017. O segundo acto começou na Chamusca, com uma chamada anónima para a PJM, a informar que o material estava lá. E não só estava lá - incompleto como se veio a saber numa das partes do acto - como ainda tinha o bónus de uma caixa, que não pertencia ao furto, e a que uma das personagens da história (que desapareceria no terceiro acto) atribuiu a dimensão de cerca de uns 30 cm de comprimento, medidos entre as suas duas mãos numa divertida conferência de imprensa. O terceiro acto, respigado do prólogo inconclusivo, é marcado pela entrada em cena da PJ civil que, sem querer saber do prólogo e do primeiro acto, deteve as personagens da PJM por causa da parte da Chamusca e apesar do evento principal, acerca do qual aparentemente nenhuma personagem sabe nada. O terceiro acto ainda teve como desfecho duas demissões, uma civil e a outra militar, e um pronunciamento presidencial de carácter filosófico: só sabe que nada sabe, mesmo andando há mais de ano à espera de tudo saber. Não vale a pena estar a encaixar as personagens de Brun nesta pilhéria político-militar. Até porque uma delas já afirmou publicamente que um dia se saberá a história toda e o papel que cada um desempenhou nela. Como quem deixa a "deixa": "- razão tinha aquele grande filósofo que dizia, "em amor ninguém deve fingir aquilo que não é"; - quem foi que disse isso? Foi Plínio, o moço? ; - Não. Foi o Joaquim, o criado de mesa".

*Jurista

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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